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COPA DO MUNDO

Copa na África do Sul: um prólogo das medidas repressivas para o Brasil

19 Jun 2010   |   comentários

A cada novo apito dos juizes, a Jabulani rola. Bilhões de pessoas atentam-se para a Copa do Mundo na África do Sul, e entre jogos marcados ainda por um futebol burocráticos e de poucos gols, entre as festas dos selecionados torcedores, entre a demagógica pintura de um pais igualitário e promissor, ocultam-se as marcas históricas do racismo, da desigualdade e da pobreza, nas quais as dezenas de super câmeras slow da maior cobertura de todos os tempos não revelam, porem, essa realidade nem o barulho ensurdecedor das vuvuzelas podem tapar.

Mesmo antes da Copa ter inicio, rompiam nas manchetes esportivas as greves dos trabalhadores terceirizados das construtoras responsáveis por erguer os modernos estádios. Ante a preocupação do comitê organizador e da mídia em garantir as obras a tempo, veio à tona a situação de precarização desses trabalhadores, que ganhavam baixíssimos salários e estavam submetidos a longas jornadas de trabalho em péssimas condições, sem banheiro nem água. Apesar de não participarem da festa, foi com o suor da super-exploração dos precarizados trabalhadores que ergueram-se os modernos estádios onde desfilam jogadores que valem milhões, e se ostenta as milionárias cifras e lucros que movem o futebol.

A mobilização dos terceirizados foi procedida de uma série de greves e paralisações por melhores salários de setores do funcionalismo público, como coleta de lixo, hospitais públicos e trabalhadores dos transportes que denunciaram o milionário evento que enriquece alguns grandes empresários enquanto os trabalhadores continuam com seus baixos salários, alheios a festa da Copa, chegando a ameaçar sua realização com a consigna, “sem dinheiro, sem Copa do Mundo!”.

Ainda nos preparativos para a Copa, ocorreu uma “limpeza” das regiões centrais do guia de roteiros estipulados para o evento, com a remoção de milhares de moradores de favelas e moradores pobres para regiões afastadas em moradias improvisadas de contêineres, confinando – os em áreas que lembram os tempos de apartheid, sem a mínima estrutura de higiene, saúde, nem mesmo garantindo a proteção dos moradores contra o rígido inverno. Essas remoções levaram vários trabalhadores a terem que abandonar seus empregos, já que não podem cobrir os custos da passagem para chegar ao trabalho, somando-os aos mais de 25% da taxa de desemprego do país (dados não oficiais estimam que possa a chegar a 40%) [1].

Juntamente com a retirada da população pobre dos cartões postais da Copa, ocorreu um processo de militarização nas regiões periféricas, como forma de controle social. Sob o discurso da segurança, não só se instalou um controle policial nas favelas e bairros pobres, (inclusive com a ajuda do regimento do exército) mas também um grande aparato repressor que reprime as mobilizações e as iniciativas de protesto dos trabalhadores sul africanos.

Essa série de ataques e medidas reacionárias que são despejadas contras os trabalhadores e a população pobre sul africana desnudam o quanto a copa não é feita para o conjunto dos africanos, ao mesmo tempo em que contrapõem a tentativa demagógica de retratar um “país do futuro” (e em certo sentido um continente), sem desigualdade, pobreza e racismo [2]

O espelho da África reflete o futuro do Brasil

A Copa da África do Sul nem bem começou e a série de ataques e medidas reacionárias que vem sendo desatados contra os trabalhadores e a população pobre já se apresentam como antecipação “modelo preventivo” e ganha ares de anúncio do que será a realidade da Copa do Brasil em 2014 para esses setores. Não como algo que podemos anunciar para os próximos anos, senão que já ganham expressões atuais nessa etapa de preparação “pré-futura” Copa.

No Rio de Janeiro, cidade sede dos Jogos Olímpicos de 2016 e uma das cidades que sediará a próxima Copa do Mundo, já iniciou sua reacionária preparação.

Aceleram-se as implementações das UPPs (Unidade de Policia Pacificadora) em diversas favelas da zona sul e inicialmente em algumas favelas da zona norte. Encoberto por um discurso de combate à violência e de missão cidadã, a prefeitura, com o apoio demagógico do jornal O Globo [3], justifica uma das maiores ações policiais dos últimos tempos, que se iniciam com a limpeza promovida pela ação do BOPE, ao seu melhor estilo de subir no morro e deixar corpo no chão, numa situação onde todos os moradores negros são previamente traficantes e criminosos. Essa primeira etapa possibilita, pelas armas e corpos, e resulta na etapa posterior de implementação de bases permanentes da polícia em pontos estratégicos, passando a vigorar uma verdadeira militarização das favelas com um permanente controle social pela policial em base as armas.

A instauração das UPPs é acompanhada de uma valorização imobiliária na comunidade, além de um aumento do custo de vida que a curto e médio prazo acabam por obrigar os moradores a procurarem moradias em lugares mais distantes com menor custo, ou seja, acaba por promover uma elitização das regiões centrais e uma periferização da pobreza.

Outra política que vem se intensificando como preparativo para a Copa é o chamado “Choque de Ordem”, intensificando a repressão aos trabalhadores informais que ganham seus sustentos nos camelôs e barracas do centro, assim como a remoção dos moradores de rua, das ocupações históricas de prédios no centro e de qualquer tipo de moradia taxada como ilegal.

As UPPs e a intervenção policial nas favelas combinam-se com algumas iniciativas de construção de muros ao entorno das suas limitações. Utilizando-se do absurdo argumento de que a iniciativa visa proteger as áreas de reserva, promove-se na verdade uma política de isolamento social e de criminalização da pobreza, muito parecidos com alguns “guetos modernos” construídos como preparação para a Copa na África do Sul. Por mais que esse projeto dificulte argumentos e justificativas demagógicas, não está descartado sua continuidade, como demonstra a recente construção de um paredão de acrílico no percurso da linha vermelha, escondendo a pobreza da comunidade da Maré para os visitantes que transitam do aeroporto em direção aos cartões postais do Rio.

Mesmo à tragédia anunciada das enchentes, ocorrida há poucos meses e que fez centenas vitimas, vem sendo respondida de forma reacionária pelos mesmos governos que são seus principais responsáveis. Tanto no Rio de Janeiro quanto em Niterói vem se promovendo uma política de remoção dos moradores das comunidades, sob o argumento de estarem em áreas atingidas, sem apresentação de laudos nem critérios, muito menos garantias de moradias. Perduram-se apenas promessas de realocação em áreas distantes e uma ajuda de custo menor que um salário mínimo que não só é insuficiente para pagar um aluguel, como não é dada nenhuma garantia da continuidade do dito auxilio.

A burguesia dá mostras de que só pode responder as necessidades, mesmo as mais democráticas, dos trabalhadores em chave reacionária, utilizando-se das catástrofes para acelerar a remoção da população das áreas centrais.

Colocar de pé uma campanha contra as ofensivas reacionárias de preparação para a Copa

O prelúdio das ofensivas reacionárias que se viu e se vê na África do Sul para a realização da Copa do Mundo, já são uma realidade no Rio de Janeiro e tendem a se acentuar e a se estender para outras cidades do Brasil. Se faz mais do que necessário que as organizações de esquerda, os movimentos popular e estudantil, os sindicatos e a nova central, organizem e ergam uma campanha ativa de denuncia dessas medidas e ataques, desmascarando a demagogia da mídia e dos governos, e colocando um programa dos trabalhadores pela positiva como alternativa as medidas burguesas.

A qualquer nova ofensiva, preparar uma resposta a altura, com greves, cortes de ruas e mobilizações, que demonstrem solidariedade e a necessidade de unificação das fileiras mais organizadas dos trabalhadores com os setores mais explorados, precarizados e com o conjunto dos oprimidos.

Somente a luta dos trabalhadores pode barrar os ataques e as medidas reacionárias de que vem sido implementadas como preparativos para a Copa e garantir que o divertimento do maior evento mundial do futebol, esporte mais popular, não se limite a uma reduzida minoria abastada. Somente a classe trabalhadora organizada desde organizações de luta e a partir dos locais de trabalho e moradia pode transformar as promessas demagógicas de fim das desigualdades sociais, da pobreza e do racismo, que vem sendo proclamadas pela burguesia nesses tempos de Copa, em realidade.

[1Dados da EFE 21/04/2009

[22 Os dados concretos desmascaram as tentativas demagógicas. Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a África do Sul é um país marcado pelas desigualdades, onde o numero de habitantes que vivem com menos de US$ 1 por dia cresceu nos últimos 10 anos e alcançando a soma de 4 milhões dos 48 milhões que povoam o país, a expectativa é de que continue crescendo depois da Copa, já que os grandes investimentos se concentram nas regiões mais ricas. Marcado também pelo desemprego, afetando mais de 50% dos menores de 24 anos. E assombrado pela AIDS, mais de 5,5 milhões de pessoas no país contem o vírus HIV, responsável pela morte de mil pessoas diariamente.

[3O jornal O Globo vem sendo um dos maiores impulsionadores da campanha demagógica de transformar o reacionário projeto das UPPs em uma missão cidadã. Uma serie de reportagens diárias que exaltam os supostos benefícios das intervenções permanentes da dita policia humanitária.

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