Sexta 3 de Maio de 2024

Internacional

LULA E A CÚPULA DOS BRICS

Contradições e limites da "cooperação Sul-Sul"

23 Apr 2010   |   comentários

No dia 16 de abril aconteceu a
segunda Cúpula dos BRICs
reunindo os presidentes dos
países que compõem a sigla
(Brasil, Rússia, Índia e China) em
Brasília, sucedendo o primeiro
encontro ocorrido em 2009 em
Ekaterinburgo na Rússia. Além da
cúpula dos BRICs, se realizou
também a IV Cúpula do IBAS,
com o presidente da África do
Sul e da Índia, além do Brasil.
Numerosos intelectuais vêm nestas
iniciativas internacionais avidamente
defendidas por Lula a
coroação de uma política “Sul-Sul”
que seria independente dos imperialismos
e asentaria bases para
uma nova geopolítica mundial,
mais equilibrada e favorável aos
povos semicoloniais. Esta expectativa
não corresponde ao que são
os BRIC e suas contradições e
menos ainda à dinâmica da política
externa do governo Lula.

Os BRICs
e suas contradições

Lula, o anfitrião da vez, não
poupou esforços em apresentar
a Cúpula como um grande
avanço produto de sua política
internacional, buscando capitalizar
esta localização internamente
em meio à disputa eleitoral para
projetar sua candidata, Dilma
Roussef, e internacionalmente ao
anunciar em tom triunfalista que
do encontro “nasceu uma nova
geografia econômica global”.
Entretanto, longe disso, a Cúpula
dos BRICs foi uma mescla de
alguns acordos bilaterais, discussões
para definir algumas tíbias
medidas de pressão a serem
levadas à próxima reunião do G-
20 em junho no Canadá, e debate
sobre as sanções ao Irã impostas
pelos EUA e acatadas por todos
os que estão no Conselho de
Segurança (Rússia e China), com
Lula sustentando uma posição
mais mediada de diálogo – que
busca negar-se ao compromisso
de não desenvolver energia
nuclear e ao mesmo tempo aparecer
como um mediador internacional
–, e a Índia com uma
posição vacilante. Portanto, uma
questão que seguiu sem acordo.
Isso tem como pano de fundo
as grandes diferenças que os
países membros dos BRICs
mantém entre si. Os meios
tradicionais da burguesia
imperialista ressaltam a sua
debilidade como bloco, tal
como coloca o The Economist:
Uma razão convincente para pôr
em dúvida as chances dos BRICs
‘de mudar alguma coisa
fundamental é que eles não são
capazes disso. Eles competem
tanto entre si como fazem com os
Estados Unidos ou Europa, e,
portanto, os BRICs, atuar como
bloco parece improvável frente ao
vigor de suas ambições
individuais
[1]”. Ainda que a análise
seja politicamente interessada,
contém fundamentos sólidos.
Em primeiro lugar, a China e Índia
mantêm uma disputa de posições
na Ásia que conta inclusive com
uma guerra, travada em 1962.
Esta disputa segue vigente com as
tensões entre os dois países para
obter maior controle do gás e
petróleo da Ásia Central e as
barreiras que a Índia coloca para
a entrada de trabalhadores chineses
qualificados em seu país.
Isso faz com que a China não veja
com bons olhos as pretensões da
Índia de adentrar no Conselho
de Segurança da ONU. A Índia e
a China tampouco aprovam a
política do Brasil de pressionar
para reduzir as barreiras de
impostos à exportação de sua
produção agrícola, para proteger
a agricultura de seus países. Estas
tensões podem lançar por terra
os acordos para pressionar o
imperialismo para mais espaço
aos BRICs nos organismos internacionais,
um dos apelos ideológicos
do próprio bloco.
A competição também se mostra
quando o tema é a participação
de cada um dos BRICs em outras
regiões. No último período, a
China assinou uma série de TLCs
com países como o Peru, a Costa
Rica, e o Chile, país que passou a
ter na China o maior parceiro
comercial. Isso tende a azedar as
relações com o Brasil, que busca
garantir sua posição de exportador
de manufaturas, aos
vizinhos latino-americanos.
No que diz respeito aos acordos
firmados entre o Brasil e a China,
que ficaram conhecidos como
“PAC chinês” (em alusão ao
programa nacional de investimentos
públicos de Lula), vendido
pelo governo Lula e pela
burguesia brasileira como um
grande acordo, sobretudo por
prever certo aumento dos investimentos
diretos chineses no
país, tampouco mostram avanços
em algumas contendas fundamentais.“
O que o PAC e os demais
atos assinados não tratam (...) são
dos problemas nas relações bilaterais.
São problemas que podem se
tornar universais, como a perspectiva
de que se esteja formando uma
‘bolha’ na China, visão compartilhada
pela diplomacia brasileira e
por muitos analistas.Todo o mundo
sentiu o que acontece quando
‘bolhas’ grandes explodem. Há outro
problema que afeta outros países: a
moeda chinesa suposta-mente
desvalorizada demais, o que facilita
exportações e gera dese-quilíbrios
com os EUA e também com o
Brasil. Terceiro problema: a pauta
comercial é formada, do lado
brasileiro, por exportações de baixo
valor agregado, basicamente commodities
[2]”.
Portanto, em meio às incertezas
que ainda rondam o capitalismo
mundial, o que hoje aparece
como “salvação” pode se
transformar em mais um ponto
de discórdia e disputas comerciais.
Se a União Européia, que
concentra algumas das economias
imperialistas mais importantes,
passou por uma crise
importante desatada pela falta de
acordo em como lidar com a
crise grega, que ameaçou sua
moeda comum, é uma ilusão das
mais risíveis crer que os BRICs
poderiam constituir um estável
bloco de interesses. Se, por um
lado, pode servir como aliança
defensiva frente aos EUA e à UE
no marco da crise capitalista, e
ser uma contra-tendência às
contradições da tendência à
menor demanda dos EUA pelas
mercadorias chinesas, está longe
de compor um bloco homogêneo.
Do ponto de vista político,
inclusive, a Cúpula tem lugar no
momento de uma aproximação
entre a Rússia e os EUA a partir
da assinatura do acordo de não
proliferação de armas nucleares.
Isso mostra como os BRICs,
compostos por países dependentes
e outros que aumentaram
sua participação internacional
sem mudar suas bases
estruturais, são incapazes de lidar
com as contradições que poderia
desatar uma política de maiores
enfrentamentos com o imperialismo.
Por outro lado, qualquer
aliança impulsionada pelos BRICs
visa garantir os interesses de suas
burguesias, sendo completamente
contrários aos interesses da
classe trabalhadora e dos povos
dos países dependentes e semicoloniais
de avançarem em sua
necessária unidade para combater
os ataques imperialistas e a
exploração negociada nessas
Cúpulas.

Lula: “autonomia”
em cooperação
militar com
o imperialismo

contra as sanções ao Irã na Cúpula
de Segurança Nuclear, Lula busca
levar adiante seu projeto de
resguardar os interesses da
burguesia brasileira de se projetar
como uma potência regional, e
capitalizar sua posição como um
mediador “independente”. Isso se
combina à sua negativa de se
compro-meter em não enriquecer
urânio no futuro. Embora
defendamos o direito democrático
das nações pobres e
semicoloniais de desenvolver
armamentos nucleares para se
defender do imperialismo, e
denunciemos a cínica política de
Obama de negar esse direito às
demais nações (lembremos que as
bombas atômicas foram disparadas
pelos EUA e ninguém mais)
e usar isso como pretexto para
avançar sobre o Irã, é preciso que
se diga claramente que o que
motiva Lula não é nenhuma
posição antiimperialista, ou preocupação
com o povo iraniano,
como poderia parecer. Isso se
demonstra quando contrastamos
sua posição na Cúpula de
Segurança Nuclear com o fato de
que no último dia 12 o mesmo
Lula acaba de assinar um acordo
de cooperação militar com
ninguém menos que... os EUA!
O acordo, o primeiro desde
1977, está sendo apresentado
como um mero penduricalho à
venda de 200 aviões brasileiros
aos Estados Unidos. Entretanto, o
próprio ministro da Defesa
brasileiro, Nelson Jobim, e seu
par norte-americano Robert
Gates declararam ser mais que
isso. “Este acordo levará ao
aprofundamento da cooperação
em defesa entre Estados Unidos
e Brasil em todos os níveis”, disse
Gates após a cerimônia, que
aconteceu na sede do Pentágono.
“O pacto assinado nesta segundafeira
cria um marco de cooperação
para organizar visitas mútuas de
delegações militares dos EUA e
Brasil e prevê a colaboração em
assuntos técnicos, além de encontros
entre instituições de defesa,
intercâmbios de estudantes e
instrutores e treinamentos militares
conjuntos”.
Apesar do ponto que previa
instalações de bases norteamericanas
em território brasileiro
não ter passado, ele prevê
centenas de consultores de
segurança dos EUA no Brasil e
este acordo assenta graves
precedentes e demonstra que a
política de Lula em relação aos
EUA é de combinar barganhas
quando o tema não depende da
decisão do Brasil, com a busca por
acordos que possam fortalecer
suas posições. É uma hipótese
razoável supor que este
movimento de Lula é uma resposta
reacionária e entreguista à
realidade cada vez mais perceptível
de que o imperialismo busca
fortalecer sua entrada direta na
América Latina (Haiti, Colômbia, IV
Frota), e que isso dificulta o seu
plano original de se alçar como
potência regional e mediador
latino-americano por excelência.
Isso demonstra como a política
internacional de Lula, a despeito de
seus discursos demagógicos, está
longe de ser autônoma. Com isso,
Lula ajuda a aprofun-dar, ainda que
indiretamente, as posições do
imperialismo na América Latina. É
preciso ampliar o debate sobre
este caráter submisso e reacionário
do governo Lula, colocando
a necessidade de rechaçar
este acordo e de que a classe
trabalhadora e os povos do mundo
não confiem em nenhum caudilho
que enche a boca para falar de
autonomia, mas termina trazendo
o imperialismo para seus países.

[1] The trillion-dolar club – The Economist

[2] Essencial mesmo para o Brasil é o C, de
China – Clovis Rossi – Folha de S Paulo
16/04/10

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