Quinta 16 de Maio de 2024

Nacional

Nem "refundar" o PT nem recolher as migalhas que caem da mesa da crise petista

Construir um grande partido operário independente

20 Sep 2005   |   comentários

Em meio à crise que percorreu o governo e o regime e dilacerou o PT, expondo abertamente o mega-esquema de corrupção articulado por esse partido no governo do Estado capitalista, mas que vem de longa data e do qual se beneficiaram todos os partidos do regime; as eleições internas do PT - PED (processo de eleições diretas) - ganharam projeção nacional, com destaque nos principais meios da imprensa burguesa.

Muitos elementos distinguem estas eleições das anteriores, dos quais destacaremos dois. O primeiro é o crescimento da votação da esquerda petista, em suas distintas correntes, como expressão do rechaço de um amplo setor à atual direção do partido. O segundo é o de como, apesar de tudo, o PT e inclusive o chamado Campo Majoritário seguem tendo grande influência, como se demonstra no crescimento de cerca de 36 % no número de filiados que votaram nestas eleições em comparação às eleições anteriores, no ano de 2001, dos quais mais de 40% votaram na chapa do Campo Majoritário, com peso ainda maior nas regiões de grande concentração operária que foram berço do PT como o ABC.

Este processo demonstra que longe de estarem mortos, o PT e sua direção, sobretudo por meio da direção da CUT e de seus sindicatos, ainda contam com uma grande influência no movimento operário, que precisa ser combatida por qualquer organização operária séria. E que, ao mesmo tempo, a experiência acelerada dos trabalhadores com sua direção histórica abre grandes espaços para que esse combate seja feito.

As contradições da "refundação" do PT pelas mãos da esquerda petista

Nesse momento, as correntes da esquerda petista, muitas das quais vinham anunciando uma possível ruptura depois do PED, se vêem seduzidas por uma suposta oportunidade de "refundar" o partido a partir da nova correlação de forças interna. O fato de que, pela primeira vez na história do PT, o PED seja levado a um segundo turno - que se combina com que ainda que ganhe a presidência do partido, o Campo Majoritário não mais contará com a maioria absoluta no diretório nacional - atua assim como um grande elemento de contenção das correntes da esquerda no PT.

Mas os estreitos limites de uma "refundação" do PT por meio de um maior peso da esquerda ficam patentes nas posições dos candidatos da chamada esquerda. Maria do Rosário, representante de um setor historicamente aliado do Campo Majoritário, que lançou chapa própria como expressão da crise em que o PT está imerso, por exemplo, coloca como pré-condição, para apoiar no segundo turno a chapa que será encabeçada por Raul Pont ou Valter Pomar, o apoio irrestrito a Lula e ao projeto de reeleição em 2006. As chances de que sua condicionante seja aceita são grandes, já que os dois candidatos fazem parte de correntes que não só apóiam como têm ministros nesse governo que ataca os direitos dos trabalhadores em benefício dos grandes capitalistas e dos privilégios de uma casta burocrática. A chapa de Plínio de Arruda Sampaio, que é apoiada pela corrente Ação Popular Socialista e tem uma posição mais ambígua, terá provavelmente então que decidir, como corrente eleitoreira que é, entre se submeter a esse acordo ou romper a tempo de lançar seus candidatos por outra legenda, já que o prazo de filiação termina antes do segundo turno do PED.

Breve balanço do PT

Essa adaptação das correntes da esquerda petista não é um fenómeno novo nem fortuito. Desde as origens do PT nenhuma dessas correntes lutou para que os trabalhadores que haviam protagonizado as grandes greves do final da década de 1970 e começo da de 80 e que construíram esse partido fossem quem decidisse os rumos do partido. Assim, os setores da igreja, da burocracia sindical, de intelectuais e políticos pequeno-burgueses e oportunistas hegemonizaram o PT, levando sua política cada vez mais à direita. A esquerda petista, que na época incluía as correntes que deram origem ao PSTU e ao PSOL, para poder continuar usando a bandeira do PT para se construírem, permitiram que cada vez menos os trabalhadores tivessem voz dentro dele, reproduzindo a divisão imposta pelo capitalismo, segundo a qual aos trabalhadores é relegada a mera atividade sindical, enquanto os "políticos profissionais" decidem tudo em seu lugar. Recorrendo aos documentos dos congressos do PT é fácil demonstrar como a cada novo congresso diminuía o peso dos trabalhadores de base, enquanto abundavam intelectuais, políticos pequeno-burgueses etc.

O PT, assim, com a conivência e responsabilidade da esquerda, foi impondo derrota atrás de derrota aos trabalhadores, funcionando, na direção da CUT, como uma forte ferramenta de contenção e desmoralização dos trabalhadores, enquanto a casta de políticos oportunistas acumulava privilégios, tendo inclusive muitos deles enriquecido e se tornado donos de empresas, como é o caso de Gushiken, ex-bancário e hoje dono de empresas e administrador dos milionários fundos de pensão que alimentam o esquema de corrupção no governo. Como discutimos em outro artigo desse mesmo número do Palavra Operária, essa divisão entre economia e política reproduzida no PT e na CUT foi fundamental para que a força do ascenso que marcou os anos 1980 não pudesse ser canalizada para impor que a derrota da ditadura militar desse lugar a um processo de Assembléia Constituinte livre e soberana, onde os trabalhadores em luta pudessem decidir que tipo de regime se estabeleceria no país. Ao contrário, a CUT, fundada em 1983, já depois da entrada das correntes da esquerda, algumas das quais inclusive se proclamavam "trotskistas", foi a garantidora de que as grandes greves daqueles anos se limitassem à luta económica reformista e tornando o socialismo uma bandeira somente para os dias de festa, enquanto os "políticos" petistas permitiam que a "transição à democracia" fosse o mais pacífica possível e não atacasse em nada contra os interesses estratégicos dos capitalistas, dando origem ao regime podre que hoje expõe suas vísceras abertamente. Essas correntes foram se adaptando a esse regime, dirigindo prefeituras e governos que atacavam os trabalhadores até chegarem ao cúmulo de terem ministros no governo capitalista de Lula.

Portanto, as correntes da esquerda que hoje se proclamam a salvação do PT compactuaram ou foram diretamente agentes da transformação desse partido em sustentáculo desse regime cuja corrupção é método de funcionamento regular. O aumento do peso dessas correntes hoje através do PED, desta forma, não passa de uma artimanha para dar nova credibilidade a esse imenso obstáculo para a classe trabalhadora brasileira que é o PT, permitindo que ele, como defendem inclusive os setores mais "lúcidos" da burguesia, possa continuar cumprindo seu papel de contenção da insatisfação dos trabalhadores e do povo, fortalecendo a estabilidade desta falsa democracia.

A política da esquerda antigovernista e a necessidade de um partido operário independente

Frente à grave crise em que está imerso o PT e à necessidade de dar uma resposta aos milhões de trabalhadores que se desiludem com este que consideravam seu partido, a política das principais correntes antigovernistas - PSTU e PSOL - é totalmente impotente.

O PSOL só tem olhos para quantos parlamentares da esquerda petista (os mesmos oportunistas que citamos anteriormente) consegue atrair, mediante todo tipo de concessão, para sua recém-legalizada legenda, alcunhada por eles mesmos de "um guarda-chuva para toda a esquerda", e de quantos votos terá Heloísa Helena nas eleições de 2006, para conseguir eleger mais parlamentares.

O PSTU, por sua vez, dá às massas um ultimato: "O PT morreu. Construam o PSTU!", numa política auto-proclamatória que, na medida em que o nível de consciência dos trabalhadores que estão fazendo sua experiência com o PT não está para se lançarem a construir "um partido socialista e revolucionário", menos ainda com um peso tão minoritário como é o PSTU, segue com seu crescimento evolutivo, marcado por zigue-zagues e crises internas permanentes, deixando as massas petistas à sua própria sorte e à mercê da influência dos partidos burgueses que atribuem a degeneração do PT à "concepção bolchevique", como forma de minar a influência que sabem que os revolucionários podem ganhar nesse processo.

Da mesma forma que essas correntes passaram anos dentro do PT sem lutar contra sua direção para que fossem os trabalhadores quem dirigisse o partido e nunca fizeram um balanço disso, hoje se recusam a combater essa mesma direção e a levantar uma política que seja capaz de atrair as grandes massas, destruindo assim os alicerces onde esta se sustenta.

A burguesia, de conjunto, se aproveita da crise que atinge o PT e a burocracia sindical para lançar uma campanha mordaz para fazer com que os trabalhadores e as massas, que repudiam esses escândalos protagonizados por suas velhas direções, deixem de acreditar na possibilidade de construção de um verdadeiro partido seu. A burguesia quer que as massas voltem aos tempos da ditadura, quando não confiavam em suas forças e deixavam-se dirigir pelos burgueses e pequeno-burgueses do MDB. Dar passos para construir um partido operário independente, hoje, significará responder positivamente a esta armadilha do PSDB-PFL e cia., rompendo os laços que o PT ainda mantém com as massas e fazendo-as avançar em concluir a experiência de independência de classe iniciada no início dos anos 1980.

É preciso superar a mesquinhez de objetivos que caracteriza as direções desses dois partidos, de ganhar mais meia dúzia de deputados e "engordar" suas correntes. É preciso dar resposta às amplas massas, lutar pra arrancá-las da influência nefasta do petismo, extraindo as lições da experiência do PT. A principal destas lições é a de que é impossível lutar incondicionalmente pelos interesses dos trabalhadores através da conciliação com setores da burguesia. Outra é que um partido dos trabalhadores tem que ser dirigido pelos próprios trabalhadores e não por políticos pequeno-burgueses e oportunistas. Que ter mais deputados e ganhar eleições nesta democracia só para os ricos não resolve os graves problemas da vida dos trabalhadores.

Por isso é que defendemos que pela via de recuperar os sindicatos e outras organizações operárias para uma política classista, expulsando a burocracia, devemos impulsionar, a partir dessas organizações, a construção de um grande partido operário, independente do governo, dos patrões e da burocracia sindical. Um partido dirigido totalmente pelos próprios trabalhadores, através de suas organizações e com os métodos da mais ampla democracia e liberdade de tendências do movimento operário. A construção desse partido será um grande passo para que os trabalhadores tirem as conclusões corretas da traição petista, passem a confiar em suas próprias forças e avancem, através de sua própria experiência, para compreender que para acabar com a miséria e a exploração a que estão submetidos é necessário destruir o capitalismo e o Estado burguês, o que por sua vez demanda a construção de um partido verdadeiramente operário e revolucionário.

Hoje, sem uma tática desse tipo, que permita dar uma saída de massas à traição do PT através da experiência dos próprios trabalhadores de construírem uma ferramenta política própria e independente, superando a tradição da conciliação de classes, onde o PSTU, as correntes do PSOL e nossa pequena corrente, responsável pela edição desse jornal, possam ampliar enormemente sua influência sobre setores amplos da classe trabalhadora através do debate democrático de estratégias, falar em construir um partido socialista e revolucionário não passa de meras palavras ao vento.

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