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Teoria

TEORIA

Capitalismo e Urbanização

28 Dec 2010   |   comentários

Tentou-se explicar as ocorrências de Soldati [1] das mais diversas maneiras. Desde as mais brutais expressões xenófobas de Macri [2] , segundo as quais a ocupação de terrenos seria produto de uma “imigração descontrolada”, passando à teoria K [3] sobre a falta de entendimento do governo da cidade à problemática habitacional, chegando até a visão de Proyecto Sur [4] de que estes eventos seria os resultados inconfessáveis do “modelo” kirchnerista. O certo é que a urbanização e a construção de moradias sob o capitalismo estão estreitamente ligadas à lógica dos lucros empresariais, e esta desconhece o cuidado às amplas necessidades sociais, mesmo as mais básicas.

A urbanização sob o capitalismo desempenha um papel chave porque é o apoio físico para que se desenvolva o ciclo do capital. Os serviços de distribuição de energia elétrica, gás, água, Internet, os sistemas viários, escolares, de saúde, etc, são indispensáveis para a produção, circulação e realização das mercadorias. A cidade permite reduzir os gastos da circulação das mercadorias e do dinheiro e contribuiu à tentativa permanente dos capitalistas de “aniquilar” os tempos de circulação [das mercadorias, do capital, do dinheiro –agregado do Tradutor], tanto dentro como fora da produção.

O apoio urbano não é chave somente para o ciclo do capital mas, ao contrário, atua como um componente particular sobre o valor da força de trabalho e as condições em que esta se encontra disponível para que os capitalistas a contrate, como também a quantidade em que é oferecida. Os empresários precisam encontrar os trabalhadores em uma quantidade suficiente e não menor do que a necessitada para o processo de produção de mercadorias. Inclusive em uma quantidade superior para que os trabalhadores excedentes possam exercer pressão à queda dos salários dos que estão contratados. Este é o verdadeiro motivo pelo qual o capital “promove” a entrada de trabalhadores da Bolívia e de outros países para serem explorados na construção civil e nas fábricas têxteis. Mas não só isto, ele também quer que os trabalhadores se encontrem em condições de qualificação (ou não-qualificação), salubridade, etc, de acordo ao processo de produção a que serão incorporados. Deste modo o sistema urbano apresenta diferentes componentes como as escolas, os hospitais, o transporte, entre outros, que determinam as condições em que os capitalistas possam dispor da força de trabalho.

Mas estes componentes também definem os níveis salariais que serão pagos. Atualmente é uma queixa comum dos capitalistas quão “caro” são os salários dos trabalhadores qualificados em nosso país porque são poucos. Em sentido contrário o “barato” que sai o transporte (graças aos subsídios milionários que os empresários recebem) atua reduzindo o salário que o conjunto dos capitalistas pagarão aos trabalhadores porque lhes custa menos se deslocar. No mesmo sentido, a disponibilidade de moradias e seu valor influi sobre os salários que os capitalistas tem que pagar. Além do mais, como o salário não é expressão direta de todos os bens que o trabalhador e sua família necessitam para sua reprodução, muitas vezes este salário não expressa o valor da força de trabalho mas representa uma proporção menor do total destes bens, o qual deve ser compensado em alguma medida pelo oferecimento público.

Mais que isto, muitas vezes o valor de troca da força de trabalho não incorpora uma parte das necessidades objetivas dos trabalhadores. É o que Christian Topalov em La Urbanización Capitalista chama “necessidades dissociadas”. Os empresários para pagar menos salários impulsionam as famílias a garantir parte de sua reprodução mediante o consumo não mercantilizado, quer dizer o consumo de bens que as próprias famílias produzem, tais como alimento, vestimenta e moradia. Mas também impulsiona os trabalhadores a reivindicações quanto ao reconhecimento social direto dos bens estruturalmente excluídos do valor de troca da força trabalho, em outras palavras ao reconhecimento social direto das “necessidades dissociadas” que para Topalov tem dois componentes principais: um deles é a transferência monetária através de designações familiares, subsídios por doença, etc, e por outro a administração direta de valores de uso como escolas, hospitais, moradias, transporte, etc. Sua própria existência dá conta das contradições entre a forças de trabalho mercantilizada e as exigências objetivas da reprodução.

Mas isto se choca contra as próprias tendências do capitalismo em mercantilizar todos os aspectos da vida. É que as próprias reivindicações populares expressam as exigências objetivas da reprodução dos trabalhadores e afetam os interesses imediatos do capital como também negam o caráter mercantilizado da força de trabalho e expressam a possibilidade de que as necessidades sejam o objetivo da produção. A própria urbanidade requer e favorece a cooperação do trabalho. E isto mostra em potencial como seria o trabalho sob outro tipo de organização social da produção. Mas como a urbanização no capitalismo avança em função dos lucros capitalistas e através do mercado, sua instabilidade expressa no nível do uso do espaço a instabilidade dos lucros capitalistas. É que a cidade constitui, como também é definido por Topalov, um valor de uso complexo. Mas, ao ser um valor de uso e não diretamente uma mercadoria se opõe relativamente à busca do lucro privado.

Alguns geógrafos como David Harvey ou Neil Smith colocam que junto com as soluções moleculares que o capital encontra para a sustentação de sua acumulação através do aumento da mais-valia absoluta ou relativa, co-existem as soluções ”espaço-temporais”. Estes são os mecanismos que operam frente à impossibilidade de investimentos de curo prazo. Frente à sobre-acumulação de capitais pode-se apelar ao investimento em infra-estrutura, gastos sociais, ou aumento da capacidade produtiva mediante a canalização de recursos públicos. O problema é seu caráter limitado em relação aos capitais que deve colocar em movimento e o fato de que em médio prazo também se produz sobre-acumulação nestes circuitos, levando a crises de orçamento do Estado que junto com as instituições financeiras é o que faz intermediação neste tipo de investimento. Isto levará à desvalorização do apoio à produção que a infra-estrutura urbana implica. Mas, assim mesmo, as soluções “espaço-temporais” ao mesmo tempo em que permitem acelerar a circulação do capital-mercadoria e do capital-dinheiro resultando em um aumento da taxa de lucro, significam a fixação no espaço de recursos em grande escala. Estes recursos fixados no espaço também constituem um problema para o capital porque se encontram impossibilitados de voltar a serem colocados em novos investimentos.

Inclusive o apoio urbano fundamenta a existência de uma renda do solo urbano que são apoiadas no monopólio de um espaço cujas condições não são reproduzíveis em outra localidade. Por exemplo as torres de Puerto Madero [5] . Junto com o aumento das rendas urbanas se desenvolve a imobilização de montantes de capital cada vez maiores na propriedade urbana. Esta dinâmica que gera o capital necessitará ser quebrada para acabar com a imobilização de capital através da desvalorização da propriedade urbana. Isto muitas vezes se consegue mediante a apropriação dos espaços públicos pelo capital ou sob propriedade precária dos trabalhadores e o povo pobre. Papel desenvolvido muitas pela titulação nas favelas em função de impor o que David Harvey chama de “acumulação por despossessão” mediante o deslocamento de populações em bairros precários através de mecanismos de mercado. A titulação abre a possibilidade de alienação individual por parte dos trabalhadores pobres de pequenas parcelas de terra a preços baixos. A instalação de nova infra-estrutura urbana sobre estas parcelas aumentará fortemente os preços em benefício dos especuladores imobiliários. É o que ocorre com “valorização” de muitos espaços urbanos. Quando não, o capital consegue o mesmo mediante o deslocamento direto e violento como se pretende fazer na Villa de Retiro.

Este conjunto de movimentos do capital tornam gráfico como o capitalismo ao mesmo tempo em que cria a necessidade de equipamentos coletivos de consumo, de uma infra-estrutura urbana, inclusive de moradias para os trabalhadores, em algumas situações, ao mesmo tempo limita quantitativa e qualitativamente sua produção. Por fim, a infra-estrutura urbana ao mesmo tempo em que contribui à valorização de capital em geral, tem que ser financiada pelo orçamento público, mas isto enfrenta o rechaço generalizado por parte dos capitalistas. Por isso a urbanização em função das necessidades sociais somente poderá ser conquistada em outro tipo de organização social e não mediante seu usufruto por parte dos tentáculos capitalistas.

[1Refere-se aos ataques fascistóides de “vizinhos” a trabalhadores bolivianos, paraguaios e pobres em luta por moradia, e à zona liberada feita pela polícia para que estes ataques ocorressem livremente. (Nota do Tradutor)

[2Prefeito de Buenos Aires, opositor a Cristina Kirchner. (Nota do Tradutor)

[3Refere-se aos kircheneristas. (Nota do Tradutor).

[4Projeto centro-esquerdista burguês liderado pelo cineasta Pino Solanas, do qual o MST Argentino faz parte(Corrente ligado ao MÊS, tendência interna do PSOL cuja principal figura é a ex-deputada federal Luciana Genro). (Nota do Tradutor)

[5Região valorizada de Buenos Aires, modelo internacional de “revalorização” de regiões portuárias.(Nota do Tradutor).

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