Sexta 26 de Abril de 2024

Movimento Operário

ENTREVISTA

Bia Abramides, professora da PUC e diretora da APROPUC, fala da sua viagem a Neuquén

26 Oct 2012   |   comentários

Entrevistamos Bia Abramides, professora
da PUC e diretora da APROPUC,
que esteve no último mês em Neuquen,
participando de um Encontro com trabalhadoras
assistentes sociais e conhecendo
a Fábrica Sem Patrões, Zanon.

1) Como foi conhecer a fábrica Zanon há 10 anos sob controle operário?

A Zanon é uma fábrica de cerâmica ocupada há 11 anos, autogerida, em fase de ser expropriada após muita luta d@s operári@s organizad@s e que dirigem a fábrica atualmente FASIPAT-Fábrica sem patrão. Fomos recebidas, as companheiras assistentes sociais que estavam comigo e eu, por Raul Godoy e mais uma operária e dois operários que foram nos esclarecendo à respeito do processo de trabalho e da organização operária na fábrica. Há cerca de três anos Raul Gogoy, operário da FASINPAT e militante do PTS, esteve na PUCSP em um debate no Tucarena, em uma atividade apoiada pela APROPUCSP. Naquela ocasião falou a respeito de todo o processo de ocupação o que demonstrou o grau de organização, resistência e luta operária na fábrica ocupada. Godoy costuma dizer que não há possibilidade de "socialismo em uma só fábrica", assim como sabemos não há "socialismo em um único país". Certamente, o capitalismo é internacional e suas relações sociais de produção se vinculam a esse modo de produção destrutivo à humanidade que explora força de trabalho humana para acumular capital; mas certamente essa experiência da classe operária é fundamental para o proletariado em uma perspectiva classista, anticapitalista, socialista. Durante as quatro horas de visita à Zanon pudemos acompanhar todo o processo de trabalho d@s operários e conhecer a forma de organização no trabalho por meio dos depoimentos d@s operári@s : a horizontalidade nas decisões, a rotatividade nas funções no chão de fábrica, na produção e distribuição, na rádio, na gestão, na agitação e propaganda, na formação política, na direção. As decisões são tomadas em assembleias e os cargos diretivos são constituídos mediante a proporcionalidade política, na participação efetiva das várias tendências, agrupamentos e frações nos vários cargos, garantindo o príncipio da democracia operária. Os cargos são revogáveis a qualquer tempo a partir da decisão soberana da assembleia. O salário de 5000 pesos é igual para tod@s @s operári@s, independentemente da função que ocupam, manual ou intelectual. O salário é decidido coletivamente e é o que é possível hoje ser pago pelo rendimento atual da fábrica, o que corresponde a quatro vêzes o salário mínimo nacional vigente. De outro lado há a rotatividade nas direções em que os operári@s assumem um período depois retornam ao trabalho de base. A formação política é realizada pelos operári@s e por outr@s militantes que avançam no conhecimento teórico colado às lutas imediatas em uma perspectiva de luta pelo fim da exploração, da opressão, da propriedade privada dos meios de produção, pelo fim da sociedade de classes, na direção da revolução social proletária, socialista. A luta contra o patronato, a burguesia e o Estado à seu serviço é permanente, bem como a solidariedade de classe. Hoje a FASIPAT possui 580 operári@s destes 60 são mulheres. Quando a fábrica foi ocupada havia somente 05 mulheres. As mulheres nos contaram da luta contra a exploração e a opressão que historicamente somos afetadas e de que maneira vem se organizando do ponto de vista da classe e das lutas das mulheres. A escola até segundo grau também foi instalada, assim como o atendimento à saúde. Por ocasião da crise de 2001 na Argentina, em que o desemprego em massa se alastrou, uma das medidas tomadas pel@s operári@s foi a de contratar um contingente de desempregados para a fábrica e de se solidarizarem com a luta dos desocupados. Há na Zanon declarações de apoios do mundo todo, bem como do apoio e solidariedade ativa d@s operários de Zanon à luta internacionalista, classista. Lá encontramos uma bela e comovente declaração de solidariedade de Eduardo Galeano. Na entrada da FASIPAT há um mural coletivamente construído que retrata os passos da luta e a perspectiva do futuro de uma sociedade igualitária, livre, socialista. @s operári@s nos contaram também do cerco dos países imperialistas em boicotarem a venda de matéria-prima para @s operári@s, numa clara ofensiva do capital, o que siginifica que 1/3 da fábrica ainda está por ser construída e depende de matéria-prima estrangeira. @s companheir@s constituíram uma chapa classista de esquerda que foi eleita com uma cadeira no parlamento que está sendo exercida a cada ano por um(a) companheir@, sendo composta por dois operários da Zanon, um da Agrupácion Marron, independente, outro do PTS e mais duas companheiras sendo uma da Esquerda Socialista e a outra uma trabalhadora social do Partido Obrero. A FASIPAT tem convênio com a Universidade de Comanhue, respectivamente Néuquen e General Roca, em que estagiam engenheiros, assistentes sociais, médicos, enfermeiros. Conversei com Godoy de ver a possibilidade de convênio com a FASIPAT , Universidade de Comanhue e a PUCSP para que noss@s alun@s possam conhecer e participar desta rica experiência, assim como os estudantes de Comanhue possam participar dos processos de lutas sociais ocorridas em São Paulo. Essas experiências se traduzem em práxis de formação e consciência política.

2) Que opinião você tem sobre as últimas eleições para o Sindicato Ceramista e a vitória da chapa Marron classista?

Minha opinião é bastante otimista posto que a Chapa Marron Classista foi protagonista nas eleições do Sindicato Ceramista e conseguiu aprovar e colocar em prática um princípio revolucionário do sindicalismo classista que é o da liberdade de tendências e a representatividade das mesmas na direção do sindicato. O direito de participação das minorias na direção é uma conquista decisiva para o avanço da organização sindical e da democracia operária. Estive também no programa do Sindicato dos Ceramistas onde pude me solidarizar com as lutas em curso com FASIPAT e com as operárias da fábrica Néuquen que estavam em uma luta por meios e condições de trabalho.

3) Sua viagem teve como motivação também o encontro com trabalhadoras assistentes sociais em Neuquen, como foi essa experiência e porque você indicou o livro "A precarização tem rosto de mulher" como bibliografia?

Fui à um Seminário de pósgraduação ministrar um curso para 70 assistentes sociais de várias cidades da Patagônia, entre elas as de Néuquen. A maioria esmagadora das assistentes sociais são mulheres e trabalham nas empresas públicas estatais com salários baixos e defasados, terceirizadas, com contrato sem carteira-assinada, sem direitos trabalhistas, contrato temporário, parcial, com número de profissionais inferior à demanda, com excesso de trabalho. Em sua condição de assalariamento vivem o processo de desregulamentação do trabalho fruto do ataque do capital pela acumulação flexível. O Seminário organizado pelo Colegio de Trabalhadores Sociais e profissionais assistentes sociais que trabalham no Ministério da Justiça, ocorrido na cidade de Néuquen, na Universidade de Comanhue, tratou do tema Trabalho, Questão Social e o compromisso profissional com a classe trabalhadora. Neste sentido debatemos a resposta do capital à sua crise estrutural no mundo do trabalho, com a reestruturação produtiva pela flexibilização e precarização do trabalho; na esfera do estado, com o neoliberalismo com privatizações e desregulamentação e na esfera do cultura com o ataque à teoria de totalidade e a propagação do "fim da história" por parte dos neoconservadores e reacionários em defesa do capital. Assim tratamos de reafirmar a perspectiva da teoria social, do legado marxiano na direção do projeto emancipatório. Debater o Livro Precarização tem Rosto de Mulher significou desvelar uma das faces mais nefastas da flexibilização de trabalho que é a terceirização bem como debater a experiência de organização e luta das trabalhadoras terceirizadas da USP juntamente com o SINTUSP e apoiada por estudantes pelo fim da terceirização e efetivação de todas as trabalhadoras sem concurso.

4) Quais foram as principais lições que você pode tirar nesta viagem a Neuquen?

São mutas as lições, a saber: Conhecer a rica e revolucionária experiência da FASIPAT, de sua articulação com @s operári@s das outras três fábricas ceramistas; do avanço político da proporcionalidade na direção do Sindicato ceramista; da importância política do programa de rádio da Zanon; de poder conversar com as operárias das fábricas ceramistas e ouvir delas sua convicção na luta revolucionária; de acontecer neste período o movimento grevista d@s trabalhadores das estatais e das universidades com marcha massiva d@s trabalhadores em luta; de poder participar do debate com Diego Rojas, jornalista que escreveu o livro Quem matou Maryano Ferreyra, um jovem de 23 anos, estudante, desempregado, militante do Partido Obrero, que foi assassinado em 20/10/2010 por Pedraza da patota da burocracia sindical, quando participava da mobilização nas ruas em apoio aos operários terceirizados da empresa ferroviária que lutavam contra a terceirização e precarização do trabalho; de mais uma vez constatar que o Governo da Presidenta Cristina Fernandez Kischiner até agora nada fez em relação ao assassinato de Maryano, não negociou com o movimento grevista, bem como tem se mostrado omisso com os assassinatos no campo, como o ocorrido com Miguel Galván, membro da Mocase S.A, militante campones, assassinado pelas mãos de emissários da Empresa Agropecuária La Paz S.A. As mortes de militantes camponeses e indígenas têm ocorrido na Argentina e no Brasil, mais recentemente de forma intensa com os índios Guarai-Kaiowá, em que tanto lá como cá com o governo da Presidenta Dilma Vana Rousseff, embora a Guarda Nacional seja acionada, o extermínio continua acontecendo; de poder ministrar um seminário para assistentes sociais que se mostraram interessad@s e participaram ativamente de todo o curso que vinculou a referência teórica, com a práxis social; de debater com professores e estudantes um projeto de formação profissional com direção social; de poder conversar com a direção do Colégio de trabalhadores sociais de Comanhue e de conhecer sua plataforma de lutas e organização, de poder conversar com militantes independentes,do PTS e do PO ; de poder pensar em viabilizar um convênio de intercâmbio de estudantes da PUCSP para a fábrica ocupada e de alun@s da Universidade de Comanhue para os movimentos sociais em São Paulo; de conversar com a Agrupação Violeta Negra e saber de suas lutas nas estatais; de conversar com @s companheir@s da agrupação Marron, de conhecer o bairro periférico Oeste, com toda a precarização nas condições de vida, onde atuam muitas assistentes sociais; de ter conhecido os pais e as filhas ainda pequenas, mas atentas para a possibilidade da vida, de Cristian González, jovem de 31 anos de San Martin de los Andes, militante na luta pelo livre acesso a costas de rios e lagos como bem público. assassinado em 30/08/2006, a mando do proprietário de terras ao lado onde Cristian e mais dois jovens estavam pescando. Desde então foi constituída a
Associação pelo livre acesso a costas de rios e lagos em que os pais de Cristian, Angel e Mirtha atuam firmemente e o@s operários da Fasipat tem solidariedade ativa com a Associação e neste dia estavam conosco conhecendo a experiência de auto-organização operária na FASIPAT. Quero ainda agradecer minhas queridas amigas Martha, Silvia Mansilla e Paola e em nome de Laura e Javier agradecer a tod@s @s companheir@s do Colégio de Trabalho Social, e a Carla e Flor , filha e neta de Sílvia Mansilla que me receberam em sua casa com todo o afeto e amizade.

Companheir@s essa minha ida à Néuquen, na Patagônia, me trouxe muitas lições do ponto de vista da solidariedade de classe, da convicção, perseverança e esperança de continuar coletivamente vinculada às lutas imediatas e históricas na direção da revolução social proletária socialista.

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