Sexta 26 de Abril de 2024

Internacional

Bolivia

As jornadas de junho e a organização da classe trabalhadora

25 Aug 2005   |   comentários

Depois de outubro de 2003, quando dezenas foram mortos nos conflitos pelo exército num banho de sangue em El Alto e Mesa assumiu a presidência, ele vinha garantindo a contenção dos levantes, mas numa situação política com muitas contradições. Em 2003 foram as mobilizações com bloqueios e paralisações que derrubaram o presidente Sanchez de Losada (Goni).

Nos últimos meses as dificuldades para manter o regime de domínio vinham se agudizando e provocando uma nova crise. Por um lado, a manutenção da política neoliberal e o não cumprimento das promessas de Mesa ao assumir a presidência geravam um crescente descontentamento das massas, destacando-se a demanda que se tornou eixo das mobilizações de maio/junho: a nacionalização do gás, que hoje é explorado por transnacionais como Repsol e Petrobras. Por outro lado, a oligarquia cruceña intensificava a pressão ao governo buscando aprovar a autonomia de Santa Cruz.

As mobilizações de maio e junho contaram com milhares de trabalhadores, camponeses e indígenas protagonizando paralisações, bloqueios que se estenderam pelo país e os cabildos abertos ’ grandes assembléias que chegaram a reunir 250 mil pessoas na Praça São Francisco, centro de La Paz.

A partir da exigência pela nacionalização do gás e por uma Assembléia Constituinte, as consignas foram radicalizando-se, contra o presidente e o parlamento. E mais que isso, alguns setores mais avançados discutiam a necessidade de lutar por um governo operário e camponês para dar resposta ao conjunto das demandas das massas.

Mesmo com a queda de Mesa, as mobilizações se mantiveram por mais alguns dias, o Parlamento se mostrava paralisado e o chamado a conformar uma Assembléia Popular começou a aparecer com mais destaque. Em meio a uma crise revolucionária, era uma questão urgente e fundamental a necessidade de avançar para a constituição de organismos de duplo poder, coordenando e centralizando as ações ’ desde o auto abastecimento até as principais questões políticas nacionais.

Nossos companheiros da LOR-CI estiveram defendendo firmemente a necessidade de construir uma Assembléia Popular e estiveram na reunião de 8 de junho em El Alto que aprovou a formação da Assembléia Popular Nacional Originária. Dentre as resoluções, estava a formação de comitês de auto-abastecimento e comitês de auto-defesa.

No entanto, estas e a resolução fundamental de desenvolver assembléias populares por regiões, departamentos, locais, com delegados eleitos nas bases, não se efetivou. Pesou a ausência de um partido revolucionário, com uma política revolucionária, para dirigir o processo de mobilização que se espalhou pelo país. As principais direções (Feju-ve, COB, COR alteña) não estavam dispostas a dar passos concretos para a construção da Assembléia Popular, limitando-se às palavras.

Faltou ainda que a classe operária entrasse em cena, com seus métodos e seu papel estratégico. Nesse sentido, os petroleiros de Senkhata foram o exemplo mais avançado: entraram em greve e na reunião pela Assembléia Popular se dispuseram a organizar o abastecimento de gás para os bairros pobres. Ainda que essa experiência não tenha se desenvolvido até o final, é uma grande demonstração do papel chave que pode cumprir a classe operária na produção e distribuição em meio a uma crise revolucionária.

Desvio eleitoral

O desvio eleitoral pactuado pela burguesia, contando com o acordo de Evo Morales do MAS, por enquanto se desenvolve garantindo a manutenção do regime, ainda que muito debilitado. Rodriguez, até então presidente da Corte de Justiça, assumiu a presidência e convoca agora eleições gerais para dezembro. Vale lembrar que para garantir essa manobra, o Parlamento teve que se reunir em Sucre, buscando dificultar o acesso para as mobilizações e girando forças do exército para essa cidade ’ o que resultou na morte de um mineiro.

Para desenvolver o desvio eleitoral, a burguesia conta também com a trégua das principais direções. Como exemplo disso, no fim de julho se reuniram setores do empresariado e dirigentes da Fejuve, da COR (Central Obrera Regional) de El Alto e da COD (Central Obrera Departamental) de Santa Cruz. Sob o título “Santa Cruz e El Alto, uma mesma agenda” , numa demonstração de conciliação de classes, pactuaram-se projetos de “desenvolvimento” e falaram de “objetivos e demandas comuns” .

A formação de um instrumento político dos trabalhadores

Após a experiência de junho, em que o papel conciliador do MAS tornou-se mais evidente para um setor, a discussão sobre a formação de um instrumento político baseado na COB, que até então mantinha-se estagnada, começou a desenvolver-se. Avaliamos que esse processo poderá ser um importante passo para a construção de uma organização própria dos trabalhadores para intervenção na vida política. Nossos companheiros da LOR-CI têm atuado nos ampliados e reuniões da COB, defendendo o caráter de independência de classe para esse instrumento político que começa a se formar.

Temos insistido na necessidade de garantir que não seja permitida a participação de nenhum representante da burguesia, do Estado e de suas forças de repressão. A unidade que defendemos é da classe operária com os camponeses e povos originários, superando todas as “alternativas” de conciliação com a burguesia e manutenção do regime.

A construção desse IPT deve estar baseada na democracia operária, com vida orgânica desde as organizações sindicais da COB, com assembléias de base, em que se elejam delegados revogáveis e haja liberdade de atuação para correntes e tendências políticas.

Frente às eleições programadas para dezembro, esse IPT poderia apresentar-se com candidatos, aproveitando as atenções que se voltam para o processo eleitoral, denunciando o engano da saída por dentro do regime.

O Instrumento Político dos Trabalhadores deve estar a serviço de avançar para uma saída operária e camponesa para a crise, lutando para colocar de pé uma Assembléia Popular, que se desenvolva como organismo de poder. É somente uma saída operária e camponesa que poderá garantir o cumprimento de exigências como a Assembléia Constituinte Originária, a nacionalização do gás sob controle operário e dos povos originários, rompendo com o imperialismo, a garantia de trabalho e salário para todos e o direito à autodeterminação dos povos originários.

Ato festival em El Alto

Na cidade de El Alto, epicentro dos conflitos de outubro de 2003 e junho de 2005, aconteceu o Acto Festival Multicultural por la Nacionalización de los Hidrocarburos, organizado pelo Movimento pela Juventude da COB.

Como preparação do festival, voltamos nossas forças para garantir uma ampla divulgação, espalhando cartazes e panfletos por La Paz e El Alto, além dos diversos meios de comunicação: visitamos várias rádios e canais de televisão; o festival esteve também nas páginas dos principais jornais da Bolívia.

O ato festival aconteceu em frente à Casa Obrera y Juvenil, espaço organizado pelos companheiros da LOR-CI e do Movimento pela Juventude da COB, para reunião e organização dos trabalhadores e da juventude.

A exigência pela nacionalização do gás se expressou nas falas de dirigentes sindicais e de juntas de vizinhos, dos jovens do Movimento que estiveram nas marchas, conflitos e na luta por botar de pé a Assembléia Popular (na reunião de 08 de junho em El Alto chamada para conformar uma Assembléia Popular, o MJC era parte do comitê de auto-abastecimento que foi votado).

Passaram pelo festival cerca de 500 pessoas, que assistiram às apresentações de música folclórica boliviana, bandas de rock e os grupos de rap. Para encerrar com som e ação internacionalista, tivemos a apresentação conjunta de Mara (Brasil) e Metric (Argentina).

Aproveitamos a ocasião do ato festival para escrever em conjunto, hip hoppers da Bolívia, Argentina e Brasil uma Declaração Internacionalista por um Hip Hop de Combate. Com essa declaração fazemos um chamado a organizar um encontro latino-americano por um hip hop de combate e desde já ações simultâneas nos diferentes países (shows, debates, encontros, grafitagens. etc.) para colocar nossa arte e militância junto às lutas dos trabalhadores e dos povos oprimidos. Como parte disso está uma campanha pela retirada das tropas no Haiti e o apoio à luta do povo boliviano, motivo pelo qual nos reunimos em El Alto.

A Liga Obrera Revolucionaria por la Cuarta Internacional (LOR-CI), é a organização irmã da LER-QI na Bolívia, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

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