Sexta 26 de Abril de 2024

Internacional

Declaração sobre o resultado das eleições de 27 de abril

As eleições não resolveram a crise política do regime

11 May 2003   |   comentários

Menem e Kirchner passaram para o segundo turno com pouco mais de 20% cada um deles, em uma eleição marcada pela apatia, pelo descrédito e pela desilusão. A consigna “que se vayan todos” , nascida das jornadas de dezembro de 2001, não teve expressão política nestas eleições.

Nem a esquerda participa-cionista (IU-PO), nem o chamado ao voto em branco, impugnado ou a abstenção (ainda que esta tenha sido a mais alta das eleições presidenciais desde 1983) conseguiram expressá-la. Em primeiro lugar porque estas eleições foram convocadas somente para eleger o presidente (a instituição mais autoritária do sistema político vigente, que obrigou o eleitorado a utilizar o voto “útil” ) e para salvar o PJ da ruptura formal do partido.

Com esta manobra, tentavam preservar o velho regime político, enquanto foi rechaçado qualquer tipo de reforma política e nem sequer puderam ser eleitos novos deputados e cargos legislativos; para não falar da reivindicação de uma assembléia constituinte livre e soberana para reorganizar o país. Em segundo lugar porque a esquerda foi incapaz de oferecer uma alternativa unificada baseada no rechaço a esta farsa eleitoral. Um pólo de toda a vanguarda lutadora que tivesse realizado uma campanha ativa pelo rechaço a estas eleições, poderia ter superado os pobres números da esquerda e do rechaço eleitoral, podendo assim ter saído fortalecida politicamente. Contudo, o giro à direita evidenciado nestas eleições não deveria confundir-se com a recomposição do regime político, o final das disputas interburguesas,l a volta à “normalidade” ou a derrota das forças popula-res.Enquanto o governo de Duhalde se propós, logo depois do massacre de Avellaneda, a convocar as eleições para desviar as lutas populares e, sobretudo, revitalizar o regime político, para resolver a crise de legitimidade das instituições burguesas; o resultado para a classe dominante não é satisfatório.

Estas eleições presidenciais não foram uma solução para a crise do regime burguês, e sim parte dela. Todos os meios de imprensa se encarregaram de remarcar o retorno do voto popular ’ logo depois do vendaval das jornadas de dezembro de 2001 e do voto bronca que o antecedeu ’,a expressões políticas surgidas dos dois grandes partidos históricos nacionais, o Radicalismo e o Justicialismo. Mas o característico deste processo eleitoral foi justamente a decomposição política destes partidos, divididos em frações e subfrações, e um deles, o radicalismo, colocado a um fio de sua extinção. Ao mesmo tempo, os comícios revelaram que as disputas no seio da cúpula do poder económico seguem sendo ferozes. A disputa em torno do “modelo” dos 90 sustentado por Menem e Lopez Murphy ou do “modelo” da “produção e do trabalho” com o qual bateu Kirchner não expressa mais que a disputa entre as frações económicas que, de um lado contam com os bancos estrangeiros, as empresas privatizadas e as empresas transnacionais; enquanto que do outro conta com os grandes grupos locais, os mesmos impulsionadores da “pátria devaluadora” e campeões da estatiza-ção de suas dívidas.

Esta guerra entre as distintas frações da burguesia será um fator de deses-tabilização económica e de chantagem política, como já estamos vendo a menos de 24 horas dos comícios, com a queda abrupta de mais de 8% na bolsa de valores, que reagiu “de maneira ruim” à estreita diferença que pode alcançar Menem. Mas estas disputas no interior da classe dominante, a crise de sues partidos e de suas instituições, incluindo as divisões e o desprestígio dos principais líderes sindicais, a incapacidade de reconquistar legitimidade e as brechas que deixam suas disputas põem à disposição dos trabalhadores e das classes exploradas, no próximo período, uma oportunidade excepcional para desenvolver a luta de classes, forjar organizações de luta, recuperar os sindicatos usurpados pelas burocracias sindicais e construir um partido próprio da classe trabalhadora.

As Jornadas de Dezembro foram protagonizadas por uma atípica aliança heterogênea, que unia as classes medias altas ’ que exigiam a devolução de seus dólares e foram retratadas manifestando com seus “4x4” ’, por um lado, junto às classes médias assalariadas e empobrecidas que foram a base política das assembléias populares, a frações de trabalhadores que recuperaram fábricas e desempregados que enfrentaram em seu momento o estado de sítio. Esta aliança que levantou o slogan “que se vayan todos” , se desprendeu e abriu espaço a uma maior polarização social e política. Os primeiros deram apoio essencialmente a López Murphy, que tentará após sua importante eleição por em pé uma expressão política partidária de uma direita “moderna” ligada à embaixada norte-americana e lobbista das grandes empresas transnacionais.

A classe média, que foi a base histórica da centro-esquerda nas grandes concentrações urbanas, careceu de uma expressão política que representasse suas aspirações. Elisa Carrió, eleita por muitos destes como um mal menor, fez todo o possível ’ começando pela escolha de seu candidato a vice-presidente, o conservador Gutierrez ’ para mostrar-se aceitável para o establishment económico. E uma grande porção dos pobres urbanos e dos desempregados engrossou os votos de Menem e Rodriguez Sáa.

A esquerda e o voto “bronca” , finalmente, foram marginais. Este “bloco de dezembro” estava destinado a romper-se à esquerda e à direita conforme uma lógica inevitável de classe. Mas o que não estava escrito era a potencialidade revolucionária que constituía a unidade da classe trabalhadora empregada e desempregada com as classes médias empobre-cidas e as camadas populares. Uma aliança social dos explorados que somos a imensa maioria da nação. Mas isto seria possível com a condição de que a classe trabalhadora entrasse na cena nacional com suas próprias demandas e seus métodos de luta.

As burocracias sindicais fizeram o impossível para impedi-lo, mas tão pouco as forças que se reclamam operárias e revolucionárias se postularam estratégias para unir a vanguarda operária e popular, construir coordenadoras ou outras formas de auto-organização democráticas, que fossem uma alternativa de massas nem se propuseram uma estratégia para chegar às grandes concentrações dos milhões de assalariados sem os quais não é possível a aliança operária e popular e, em conseqüência, impor as reivindicações do 20 de dezembro como a de varrer o regime político atual tornando realidade o “que se vayan todos” , de reorganizar o país sobre novas bases e finalmente superar esses objetivos, conquistando um governo dos trabalhadores.

Mas seria cair em um grande erro pretender traduzir o giro político à direita que mostra o mapa de votação em uma expressão geral do esgotamento das energias de dezembro, de sua derrota, e pretender que esta aritmética eleitoral expressasse fielmente a relação de forças sociais e a consciência política das amplas massas populares.

A existência de um amplo setor que repudiou a guerra imperialista, que rechaça as privatizações e a dívida externa, que apóia a recuperação das empresas quebradas por seus empresários, que rechaça a repressão do Estado e de uma maneira ou de outra exige uma mudança social é fato incontestável e podemos vê-lo no apoio de massas que receberam as trabalhadoras de Brukman e, há 20 dias, os operários de Zanon em Neuquen.

Aqueles que hoje pensam em chamar o voto em Kirchner contra Menem, as correntes reformistas como a CTA e a centro-esquerda que saiu da Frepaso, mostraram uma incapacidade orgânica para se colocarem à cabeça das aspirações populares. Não só para conseguirr alguma tíbia eleição a “todos os cargos” (o que eles entendiam do “que se vayan todos” ), tampouco conseguiram dar vida ao seu próprio projeto de capitalizar o triunfo do PT brasileiro mediante algum tipo de “movimento político e social” . Agora estão revelando do que se tratava seu peculiar “MPS” : a reconstrução da “Aliança das origens” junto com o ajustador Anibal Ibarra.

Esta crise do reformismo é a que ainda não têm podido capitalizar as correntes que se reclamam da classe trabalhadora. A IU e o PO caíram num eleito-ralismo febril ao ter avalizado com sua apresentação essas eleições à medida do regime e onde não havia possibilidade sequer de eleger deputados nacionais ou legisladores estaduais que servissem na tribuna parlamentaria à causa dos trabalhadores.

Nas atuais condições, é necessário que todas as forças populares denunciemos que o segundo turno do 18 de Mayo não é mais do que uma armadilha na qual o regime tentará obrigar às massas a eleger entre dois verdugos e dois serventes dos interesses do imperialismo e dos grandes capitalistas, a dirimir novamente a interna do PJ, quer dizer, se o país será governado por Menem ou por Duhalde.

Como já advertimos à IU e ao PO, agora o regime lhes impõe a alternativa que nós lhes propusemos desde o primeiro momento como campanha unitária e organizada pelo rechaço. Neste segundo turno temos que conseguir o que não se conseguiu no primeiro turno: um comando único das organizações operárias, piqueteiras e das assembléias populares. IU e o PO já anunciaram o voto em branco. Unifiquemos uma campanha contra os que tentarão convencer de que votar em Duhalde-Kirchner é um “voto útil” .

Em meio à campanha eleitoral dos López Murphy, dos Menem e dos Kirchner, as heróicas operárias de Brukman conquistaram um enorme apoio por parte das assembléias populares, de trabalhadores e desempregados, e a simpatia de camadas inteiras da população.

O resultado do dia 27 não mudou essas condições. Isto significa que as batalhas da classe operária, se têm um programa claro, podem atrair o entusiasmo e oferecer uma causa pela qual lutar às amplas massas populares, questão que nenhum dos partidos e candidatos do regime póde alcançar com suas eleições de 27 de abril.

As operárias de Brukman receberam este amplo apoio porque expressam, com seu exemplo de luta, o interesse de milhões de trabalhadores e da Argentina profunda que padece da enfermidade social endêmica do capitalismo: uma desemprego de mais de 25% e um índice de subemprego semelhante. A aliança operária e popular expressa nas ruas da Capital, poucos dias antes das eleições, em volta do conflito por Brukman, que necessita expressar-se como uma força política independente que dê uma bandeira pela qual lutar aos milhões de explorados.

Nosso partido rechaça a pose estreita e de pequeno aparato daqueles que se auto-proclamam “o partido da classe trabalhadora” enquanto não agrupam nem 1% desta. Ao mesmo tempo denunciamos a falsa “unidade da esquerda” que não sirva para fortalecer as lutas e para organizar a classe trabalhadora de forma independente.

A perspectiva mais realista, nas condições atuais de crise capitalista e de definitiva bancarrota dos partidos da classe dominante, é a construção de organismos de democracia direta para unir as fileiras operárias empregadas e desempregadas, reunir em torno de si uma vasta aliança operária e popular e pór de pé uma poderosa ferramenta política própria.

Dotada de um programa e de uma estratégia revolucionários, nossa classe trabalhadora ’ que tem dado batalhas memoráveis na história argentina e que hoje começa a ressurgir sob novas condições e sob um novo programa ’ será invencível.

O Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) é a organização irmã da LER-QI na Argentina, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

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