Terça 30 de Abril de 2024

Nacional

As disputas entre a burguesia e a luta pela independência de classe

05 May 2006   |   comentários

Há meses a música da política brasileira tem tocado um só acorde. É com monotonia justificada que os trabalhadores e estudantes de todo o país acompanham o dia a dia das CPIs e da formação das chapas para presidente.

Por trás dessa monotonia, por trás de cada nova denúncia de corrupção, está uma luta política entre os vários setores das classes dominantes, todos de olho na presidência da república, mas não só. Essa luta entre os poderosos é o fator mais dinâmico da política brasileira desde que se iniciou o “escândalo do mensalão” .

Os trabalhadores precisam romper a passividade e começar a ser uma força política no país. Eles, a burguesia e seus porta vozes, apostam na nossa confusão, para seguir sua luta sem serem incomodados. Nós queremos clarificar as coisas entre os explorados para que possamos romper nosso silêncio.

Crise burguesa e recuperação do governo

O ponto mais agudo da crise política, que foi gerada pela própria base de apoio do governo Lula (Jefferson, entre outros) que queria mais cargos e uma cota maior do “bolo” , já passou. O governo está relativamente fortalecido no momento, pois os bons ventos da economia mundial permitem que ele mantenha ou até mesmo amplie, depois de tudo, seu apoio no movimento de massas. Isso faz com que sinta segurança para tentar avançar em alguns ataques as massas, cujo principal seria a votação do chamado “SuperSimples” , uma enorme flexibilização dos direitos trabalhistas nas empresas de médio e pequeno porte. A crise que se abriu ano passado, porém, está longe de ter se encerrado e pode colocar sérios limites a estas intenções do governo, principalmente se estiver combinada com uma orientação correta por parte da Conlutas e da esquerda.

A luta entre governo e oposição chegou a tal ponto que o orçamento do estado só foi votado em meados de abril. O choque com o congresso estava forçando Lula a liberar verbas por meio de medidas provisórias. Um passo que poderia abalar o frágil equilíbrio de poderes entre o executivo e o legislativo. O governo Lula, que perdeu esse ano com os escândalos de corrupção seu principal ministro, Antonio Palocci e continua ameaçado com as denúncias de corrupção, foi obrigado a recuar e ceder ante a vontade da oposição e dos governadores para ver o seu orçamento aprovado. A oposição centra o fogo em Lula agora, mas recua frente à possibilidade de impeachment, buscando acordos inclusive com o próprio PT, pois teme ver as instituições ainda mais abaladas.

Por trás desta crise, está o fato de que a burguesia brasileira necessita, tanto economicamente quanto politicamente, forjar um novo pacto burguês. Seus representantes mais lúcidos como FHC e mesmo Zé Dirceu enxergam essa necessidade e vêem também que é preciso restabelecer minimamente a imagem do parlamento com algumas reformas cosméticas. Tanto num sentido como no outro encontram sérias resistências. O parlamento tem sua dinâmica própria, seus acordos e se nega até agora a avançar em mudanças, por menores que sejam. A burguesia está de fato dividida entre distintas frações e não é simples construir um novo pacto, pois alguém teria que sair perdendo.

O pacto que sustentou o governo FHC durante oito anos, que se baseava no Consenso de Washington assinado em 1992, já se esgotou. Com a virada do século, a economia mundial baseada nestes planos entrou numa profunda crise. Essa crise, somada aos levantes de massas na América Latina, rompeu o consenso que havia. Nesse momento a recuperação da economia mundial impede que essa crise se torne mais explosiva, mas é incapaz de acabar com ela. Os bancos conseguem lucros recordes mesmo com o crescimento brasileiro abaixo da média. Os outros setores burgueses se sentem prejudicados. A paciência das massas tende a se esgotar, pois não podemos nos esquecer que o voto em Lula em 2002 expressou uma vontade de mudança.

A burguesia vai conseguir chegar a tempo em um novo pacto para descarregar seus ataques com mais tranqüilidade e evitar crises ainda maiores para 2007? Conseguiremos preparar a tempo a vanguarda da classe trabalhadora, com uma política para o conjunto da classe, que permita nos defender dos ataques tanto dos tucanos como de Lula?

Lula e o movimento de massas

A crise da sociedade brasileira é profunda, porém ainda se desenvolve lentamente. Diversos setores da esquerda, tiveram e ainda tem uma visão superficial da situação nacional. Todos previram um rápido desgaste do governo Lula e do PT com sua base social histórica. A greve dos servidores federais em 2003, no marco de uma dinâmica de crise económica, com as divisões na burguesia aparecendo com tudo, parecia confirmar essa visão. Depois de quase quatro anos de governo, porém, o que vemos é um cenário bem diferente do que foi pintado pelo PSTU, que dizia que estávamos vivendo uma ruptura de massas com a CUT e o PT, pois o desgaste do PT e da CUT está longe de desencadear uma “ruptura de massas” com essas organizações. Ao contrário, os principais sindicatos da CUT principalmente entre os operários industriais, ainda têm um importante respaldo junto às massas, que não hesitam em colocar a serviço da reeleição de Lula.

É verdade que na medida em que o PT atacar importantes direitos dos trabalhadores, como já começou a fazer em 2003, irá se desgastar e perder seu poder de contenção. E é verdade que, com o desgaste do PT, pode ser que se abra o caminho para que os trabalhadores brasileiros comecem a levantar uma política independente.

Isso permanece correto. Mas o que não podemos fazer é pensar a política de hoje a partir do que vai acontecer amanhã. Isso é se negar a ter qualquer papel na atual situação. Apesar desta dinâmica, que aponta para um possível segundo mandato de Lula e a possibilidade de uma grande ruptura deste com sua base social histórica, não é isso que estamos vivendo atualmente.

O que se expressa hoje é, apesar de todos os escândalos de corrupção, um fortalecimento do poder de contenção do PT e de Lula. A partir do governo, Lula pode apresentar seus planos sociais como importantes concessões. A partir da recuperação económica, Lula pode apresentar o aumento da taxa de emprego e os aumentos de salários acima da inflação como obra do seu governo. A partir da CUT Lula e o PT continuam exercendo uma enorme influência sobre os setores mais organizados dos trabalhadores.

Os trabalhadores reunidos no Conat devem levar em conta esta situação política ao votar seu plano de ação especialmente no momento atual, em que se trata de lutar, com as forças de toda a classe, para derrotar o “SuperSimples” , entre outros ataques. Nossa tarefa, para combater os ataques que estão colocados e avançar no processo de reorganização, consiste em levantar uma política que aproxime as massas da vanguarda que surgiu nestes quatro anos de governo Lula.

A disputa no PSDB

No momento de definir seu candidato à presidência e tentar se colocar na ofensiva para aproveitar até o final a crise do governo Lula, o PSDB se dividiu em dois. Isso demonstra que de fato a burguesia brasileira está dividida, não somente entre oposição e situação, mas no interior de cada partido burguês. E que o fundamental desta divisão é qual o caminho que a burguesia vai escolher frente ao esgotamento da primeira fase de aplicação dos planos neoliberais.

A partir da definição de Alckmin como o candidato do PSDB, podemos dizer que o partido se coloca ao lado dos setores que desejam a continuação da política económica? Não necessariamente. Nos últimos dias Alckmin está incorporando no seu discurso um tom mudancista. Um dos seus principais conselheiros, o economista Yoshiaki Nakano, veio a público num seminário da FGV para propor a desvalorização do real e o abandono da atual meta de inflação. Defende que esse é o caminho para reduzir drasticamente os gastos do estado sem provocar uma recessão e abrir caminho para a redução dos juros. Segundo Nakano, "Precisamos recompor o Estado desenvolvimentista.”

Isso mostra a necessidade de uma mudança no bloco de poder governante para adequar a economia brasileira à nova situação internacional (de maior competição entre os países chamados “emergentes” e de governos “pós-neoliberais” em diversos países da América Latina). Ao não encontrar uma candidatura burguesa capaz de lhe dar plena expressão, vai se expressar por dentro das candidaturas existentes, apesar de que isso tende a levar a um “mudancismo-conservador” que nem de longe poderá resolver os problemas estratégicos colocados para os capitalistas no país.

Necessitamos de uma alternativa classista

Dessa luta entre os setores burgueses não podemos esperar nada favorável. Em um ou outro plano burguês a questão que unifica todas as frações é a necessidade de atacar o nível de vida dos trabalhadores. Se Lula inicia ataques mesmo em ano eleitoral, podemos esperar para 2007 uma ofensiva burguesa ainda mais clara. E além disso, todo o palavrório do tipo “Precisamos recompor o Estado desenvolvimentista” não tem bases reais para se afirmar. Tanto Lula quanto Alckmin tentam dar a suas candidaturas ares de mudança. Garotinho ainda tenta viabilizar a sua candidatura arregimentando em torno de si a ala da burguesia que exige mudanças na política económica e fazendo demagogia com as massas. Dentro da burguesia, porém, é visto como o aventureiro e corre por fora e depois dos últimos ataques da mídia está quase liquidado, coisa que sua patética greve de fome não vai evitar.

No capitalismo atual, o capital industrial se ligou intimamente ao capital financeiro, mais concentrado e mais poderoso. Num país como o Brasil o controle da economia é exercido desde fora, pelos paises imperialistas, isto é, pelo setor mais concentrado do capital, onde essa fusão entre o setor industrial e o da finança se completou. Isso faz surgir contradições profundas entre a indústria nacional e a finança nacional, entre ambas e o imperialismo. Porém mais do que tudo o que a burguesia brasileira teme é o poder da classe operária. Para disputar em melhores condições o domínio da economia a raquítica e impotente burguesia nacional brasileira necessitaria se apoiar nas massas operárias contra a hegemonia do capital financeiro e do imperialismo. Seu temor a impede constantemente de fazer isso, pois “a diminuição do seu lucro pela finança, que importância tem ao lado da supressão de todo lucro pelo proletariado?” Na própria Argentina a mudança no pacto burguês só foi possível depois de uma enorme crise económica e das jornadas revolucionárias de dezembro de 2001 que abalaram o domínio da burguesia.

Apesar do “poder de atração” que representa a polarização PSDB-PT, existe um grande espaço de descontentamento, que fatalmente irá se expressar como um setor de massas nas eleições. Este espaço pode ser canalizado por uma alternativa “anti-neoliberal” em geral (essa é a tentativa de Garotinho). Nenhum setor de peso da burguesia, porém, está disposto a apoiar uma candidatura que flerte com as demandas do movimento de massas.

A candidatura da Heloísa Helena e do PSOL nesta situação, provavelmente vá ser um pólo de atração para amplas massas do país. O que coloca como uma traição aos interesses de classe dos trabalhadores uma candidatura que dilua estes interesses numa frente programaticamente policlassista (“neodesenvolvimentista” ), “anti-neoliberal” , mesmo que essa frente não conte diretamente com a participação de um único burguês. A participação de César Benjamin (que ajudou a elaborar por diversas vezes os programas do PT) como vice na chapa ao invés de Zé Maria ou algum outro companheiro ligado ao movimento operário mostra até que ponto o PSOL já nasce como parte de um bloco “anti-neoliberal” e não de independência de classe.

Porém não se trata de tirar a conclusão de que não devemos participar da frente. Enquanto nenhum partido burguês entre, ela continuará sendo uma grande possibilidade para os trabalhadores expressarem seus interesses. Chamamos a todos os trabalhadores conscientes do país, especialmente os que estarão presentes no Conat, a travar uma enorme luta política para que esta frente eleitoral seja de fato classista e funcione como alavanca para impulsionar nossas lutas, e apresentar às amplas massas do país um programa independente que responda às suas reivindicações mais sentidas golpeando os capitalistas nacionais e estrangeiros onde mais lhes dói, nos seus lucros.

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