Sexta 26 de Abril de 2024

Nacional

Uma nova estratégia para enfrentar o governo e a patronal

A situação política exige novos métodos e novos organismos de luta

11 Oct 2003   |   comentários

Os servidores públicos federais realizaram a primeira luta nacional contra as medidas do governo Lula-Alencar. Contra a reforma da previdência ’ que era o primeiro teste do governo para confirmar a confiança definitiva da burguesia e do imperialismo ’, em quase 40 dias, mais de 400 mil servidores públicos protagonizaram uma dura luta para defender seus direitos e tentar impedir que o governo, em aliança com os patrões, banqueiros e imperialistas, retirasse direitos básicos do funcionalismo.

Esta greve foi notícia internacional, pois os servidores públicos foram uma considerável base de apoio para a eleição de Lula-Alencar e para o fortalecimento do PT. Também porque era a primeira experiência concreta de choque entre as ilusões e aspirações dos que votaram em Lula e as medidas antipopulares do novo governo. O resultado foi claro: o governo Lula-Alencar, junto com o PT, o PCdoB e os partidos burgueses (inclusive o partido do Maluf), não vacilou em enfrentar os servidores públicos para garantir o pacto com a burguesia e o imperialismo, derrotando a greve e realizando em poucos meses a reforma da previdência que FHC não havia sido capaz de completar.

Essa experiência exige que todos os militantes e ativistas da esquerda procurem extrair as principais lições, na busca de compreender as potencialidades e os limites existentes na nova situação política, para elaborar uma nova estratégia de luta contra o governo Lula e sua aliança com a burguesia e o imperialismo.

Desde a campanha eleitoral Lula já havia anunciado que daria continuidade à s reformas e governaria dentro da “lei e da ordem” . Ou seja, Lula se aproveitava do seu enorme prestígio junto aos trabalhadores para mostrar à burguesia que garantiria os interesses capitalistas em melhores condições. Mesmo assim, as correntes de esquerda e os sindicalistas da CUT fizeram de tudo para convencer os trabalhadores (e os servidores públicos) de que o melhor seria votar em Lula e Alencar, vendendo a ilusão de que assim se “poderia garantir os direitos que FHC pretendia retirar” .

O governo Lula-Alencar também contou com o inestimável apoio dos sindicalistas da CUT ligados à Articulação, de correntes da esquerda petista e do PCdoB que tudo fizeram para boicotar a greve dos servidores. Mais rápido do que se pensava esses burocratas sindicais mostraram a sua verdadeira face de traidores e defensores de pactos com o governo e a patronal, desmascarando seus velhos e gastos discursos “contra o FMI e a ganância dos capitalistas” . Os burocratas sindicais da direção da CUT se firmaram como o braço sindical que o governo necessita para impor aos trabalhadores os seus planos, e sequer conseguiram emplacar suas “propostas” de “reformar a reforma” , pois o governo Lula-Alencar deixou claro que seu compromisso maior é com a defesa dos interesses do “estado” , ou seja, os negócios dos capitalistas nacionais e internacionais. A resposta dos servidores públicos e de amplos setores da vanguarda se expressou nas vaias e no repúdio a esses burocratas sindicais da direção majoritária da CUT e parlamentares do PCdoB e da esquerda petista.

Contando com essa enorme rede de apoio entre os parlamentares, os partidos, os sindicalistas e a patronal e utilizando a expressiva confiança popular que ainda mantém, o governo Lula-Alencar e o PT puderam enfrentar a mas-siva greve dos servidores públicos para impor a reforma da previdência como plataforma do plano económico burguês, ganhando a confiança dos capitalistas e imperialistas nesse seu primeiro e grande teste contra um importante setor de sua base social ’ os servidores públicos.

Lula e o PT não vacilaram em atacar suas bases

O FMI, George Bush, a alta burguesia nacional e os analistas políticos não escondem a alegria de ver Lula e o PT enfrentando suas bases de apoio para impor a reforma da previdência como primeira vitória do plano burguês-imperialista de aprovar outras reformas como a trabalhista ’ que retira direitos, diminui os gastos patronais e aumenta a exploração dos trabalhadores ’ e a sindical ’ impondo o controle estatal sobre os sindicatos e as organizações operárias na tentativa de impedir que as lutas operárias reapareçam com toda a sua força e por fora das amarras burocráticas ’ o principal temor do governo e da burguesia.

Antes do que muitos esperavam Lula e o PT deixaram cair sua máscara, fazendo com que diversos setores começassem a se desencantar com esse governo. Intelectuais, economistas e até setores da Igreja católica já não podem esconder a desilusão com o governo Lula e seu alinhamento com o FMI, o que o obriga a “distanciar-se” das antigas bases ’ sem terras, servidores públicos, professores universitários, trabalhadores, juventude, movimentos populares. Manifestos e declarações de desagrado com as medidas e com os “métodos” do governo têm sido uma constante. Mesmo que essas manifestações ainda não sejam uma ruptura desses setores com o PT e o governo ’ procuram argumentos para “justificar” as medidas do governo e continuar em sua estratégia de “ajudar o governo a ir à esquerda” ’, não se pode esconder que este já é um enorme custo político que Lula e o PT terão que pagar para seguir o rumo pró-imperialista de seu governo. Esse será o “calcanhar-de-aquiles” do governo Lula ’ para impor as medidas e reformas exigidas pelo pacto com a burguesia e o imperialismo deverá atacar sua base histórica de apoio: os trabalhadores, os servidores, os sem terras, a juventude e a intelectualidade de esquerda.

Para enfrentar esse governo necessitamos de novos organismos e novas formas de luta

Diante de um governo com essas características a enorme energia demonstrada pelos servidores públicos não foi, nem seria, capaz de derrotar a reforma da previdência. Diferente do período de governo de FHC, hoje os servidores públicos ficaram isolados pelo atrelamento dos sindicalistas da CUT, do PCdoB e de setores da esquerda com o governo e suas reformas e também pela campanha lançada por Lula ’ aproveitando-se do seu prestigio e apoio entre as massas ’ para que os trabalhadores não apoiassem os servidores, mentindo com o velho discurso de Collor e FHC de que “os servidores são uns privilegiados e que a reforma da previdência ajudaria os pobres e o país” . O governo Lula e a burguesia se prepararam com todas as suas forças para derrotar os servidores e sinalizar que tudo fará para impor as reformas capitalistas e a defesa dos interesses burgueses. Tinham ao seu lado, alem dos velhos pelegos da Força Sindical, SDS e outras centrais, a maioria dos dirigentes sindicais da CUT e do PCdoB e parlamentares inclusive da esquerda petista como Ivan Valente e Nelson Pelegrino (da Força Socialista) e outros como Luiz Eduardo Gree-nhalgh. Do outro lado, as direções sindicais e políticas dos servidores públicos e da esquerda não prepararam os trabalhadores para essa guerra.

Os servidores públicos ficaram isolados, apesar da grande greve, também porque as suas direções se mantiveram amarrados aos velhos métodos de greve para pressionar o governo e os deputados para que abrissem negociações, iludindo a todos que seria possível derrotar a reforma da previdência num processo de “negociações com a base mobilizada” , como sempre fazem em suas campanhas salariais, de tempos em tempos. O governo, mostrando firmeza de propósitos, não estava disposto a negociar absolutamente nada que não estivesse em acordo com o objetivo de retirar direitos e arrecadar recursos com a cobrança previ-denciária sobre os aposentados. O governo estava decidido a atacar os servidores, e não escondia seus objetivos, enquanto as direções sindicais e politi-cas dos servidores públicos e da esquerda tinham como estratégia “mobilizar e manter a greve para pressionar os deputados” pelo vício desses velhos e ultrapassados métodos de lutar para abrir negociações e não lutar para derrotar os ataques e impedir que os trabalhadores arquem com o prejuízo. A impotência dessa estratégia sindicalista sequer foi capaz de abalar e paralisar efetivamente os servidos do estado, deixando liberdade de ação para o governo, isolando os servidores públicos dos demais trabalhadores e até mesmo dos servidores públicos estaduais e municipais.

Nas novas condições, as direções sindicais e políticas dos servidores públicos e das correntes de esquerda deveriam ter alterado a velha estratégia de luta sindical isolada e mantida nos marcos corporativos de cada categoria. A luta contra a reforma da previdência deveria ser encarada como uma luta do conjunto dos trabalhadores contra o plano económico do governo Lula-Alencar, aliando-a com a vida real dos trabalhadores que sofriam com as 600 mil demissões e o elevado aumento do custo de vida e perda salarial.

A antiga estratégia de cada categoria “lutar por suas pautas” e as demais “apoiarem” não podia servir para enfrentar um governo com as características do atual, que, alem da unidade burguesa contava com grandes ilusões entre os próprios servidores e trabalhadores. A estratégia que se impunha para enfrentar um governo fortalecido e para romper as amarras dos burocratas sindicais governistas da CUT exigia partir da compreensão básica de que qualquer ataque a uma “categoria” deve ser encarado como parte do plano de guerra burguês contra todos os trabalhadores.

Enquanto os trabalhadores, e até a classe média, sofriam e mostravam descontentamento com o elevado custo de vida, as demissões e a perda salarial e de renda, as direções da esquerda mantinham os velhos métodos de luta isolada, por categoria, definida pelos interesses e ritmos das direções sindicais e não das bases em seus locais de trabalho, sem ligar a luta dos servidores com a vida real do conjunto das massas. Enquanto os servidores públicos, isolados, mostravam toda sua energia contra a reforma da previdência, operários metalúrgicos lutavam, também separados, contra as demissões; petroleiros, bancários, trabalhadores dos correios e metalúrgicos preparavam suas campanhas salariais, “cada um em seu canto” . Essa velha estratégia que gira em torno do corpora-tivismo sindical, onde os trabalhadores são divididos por “categorias” e deixam de ser “uma classe trabalhadora que sofre, igualmente, os efeitos do plano económico burguês” .

As correntes de esquerda que criticam a direção da CUT, infelizmente, não foram capazes de reorientar a luta contra a reforma da previdência em consonância com as lutas dos metalúrgicos que, no primeiro semestre, faziam greve por reajuste salarial, nem mudaram para uma estratégia superior, que preparasse o conjunto dos trabalhadores para lutar contra o plano económico de Lula-Alencar, no qual a reforma da previdência (e outras reformas) era parte junto com a desvalorização da moeda ’ a forma “indireta” usada pelo governo para diminuir os salários e a renda da classe média, garantindo ganhos aos patrões ’ e as demissões ou suspensões de contratos de trabalho (lay off).

O presidente mundial da Volks-wagen, Bernd Pischetsrieder, mandou seu recado aos trabalhadores da Volkswagen Brasil: “qualquer um que entrar em greve será demitido” . Um patrão desses não pode ser dobrado com a conversa fiada de negociações: ele ameaça porque tem medo de que os trabalhadores superem seus dirigentes sindicais burocráticos e a velha estratégia de negociação e retomem os métodos operários da greve, piquetes e ocupação de fábrica ate impedir as demissões e os ataques.

Unir e coordenar empregados, desempregados, servidores e o povo pobre por um plano operário e popular contra a crise

A enorme energia demonstrada pelos servidores públicos federais, a disposição de luta dos trabalhadores dos Correios, e dos petroleiros no dia 10 de setembro, as diversas paralisações bancárias, as campanhas salariais que se iniciam em metalúrgicos de todo o país, as-sim como os enfrentamentos dos sem terras contra os latifundiários e pistoleiros e as ocupações de terrenos nas cidades em busca de moradia digna; tudo isso deixa claro que os trabalhadores estão dispostos a organizar e coordenar para lutar contra o plano económico de Lula-Alencar e suas medidas antipopulares e anti-operárias.

A luta contra a reforma da previdência somente seria possível unindo e coordenando os servidores públicos com os demais trabalhadores, num plano que unificasse a luta contra a PEC 40 e por aposentadoria integral para todos com as reivindicações por emprego, contra as demissões, férias coletivas e suspensões de contrato de trabalho, pela divisão das horas de trabalho entre todos os empregados e desempregados (escala móvel de horas de trabalho), pela indexação do reajuste salarial de acordo com o aumento dos preços (escala móvel de salários), pelo congelamento dos preços de gêneros de primeira necessidade e das tarifas públicas como água, luz, transporte e telefone, por moradia digna para os sem teto e terra para os sem terra, defesa das reivindicações da juventude e dos estudantes. Somente um plano como esse, que partisse das principais demandas operárias e populares, poderia ganhar a simpatia e adesão do conjunto dos trabalhadores, dos desempregados e até da classe média.

Uma nova estratégia exige novos métodos de luta capazes de preparar uma verdadeira guerra dos trabalhadores, dos desempregados e dos oprimidos contra os planos burgueses. Uma nova estratégia desse tipo, de unidade e coordenação do conjunto da classe operária, independente de “categoria” ou sindicato a que pertença, é a única capaz de começar a dar resposta ao gravíssimo problema do desemprego nesse país.

Hoje, de acordo com a atuação de todas as correntes políticas e de todos os sindicatos que se isolam em “categorias” , os milhões de desempregados estão abandonados a sua própria sorte porque não estão incluídos em qualquer “categoria” e nem sequer merecem atenção.

Há anos os trabalhadores se mobilizam, fazem grandes e heróicas greves, sofrem o desemprego e a perda salarial e são obrigados a esperar as campanhas salariais de ano em ano para “pressionar para negociar migalhas” . Chega de “negociar” falsos “benefícios” em troca do emprego: os trabalhadores devem lutar para garantir o emprego e nenhuma demissão; fábrica que ameaçar demitir deve ser paralisada e se a patronal resistir deve ser ocupada pelos operários. Emprego para todos: lutar pela divisão das horas de trabalho entre todos os empregados e os desempregados, diminuindo a jornada até que se garanta emprego para todos; enquanto existir um desempregado sequer deve-se exigir seguro de desemprego suficiente para o sustento de uma família, sem qualquer restrição.

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