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Nacional

APÓS 8 ANOS DE LULISMO

A realidade dos “Grandes avanços sociais” do Governo Lula: a precarização para os trabalhadores e os grandes lucros para os capitalistas

19 Sep 2010   |   comentários

“Os capitalistas e seus defensores procuram por todos os meios ocultar tanto aos olhos do povo como aos do cobrador de impostos o alcance real da concentração da riqueza. Contra toda evidencia a imprensa burguesa, ainda tenta manter a ilusão de uma distribuição ‘democrática’ do investimento do capital.” (Leon Trotsky)

A divulgação dos dados do PIB no terceiro trimestre pelo IBGE, na última sexta-feira 3 de setembro da qual relatava um crescimento de 1,2% acima das projeções, não só animou empresários e burgueses, mas também deu novo impulso para o discurso petista de desenvolvimento nacional sustentável, e de país do futuro tanto na área econômica quanto na social, tendo agora em Dilma sua sucessora . O contraste entre o crescimento econômico e a real condição de vida da população, em dados também recentes do IBGE e do IPEA, não tem espaço na demagogia do governo, mas são fundamentais para o entendimento do real alcance das políticas sociais, das contradições em que se sustenta o governo Lula e o fenômeno do Lulismo.

Conquistas sociais com migalhas e concentração de renda

O fenômeno político do Lulismo, em seu âmbito social se baseia nos planos assistenciais que somados abarcam 34,1% da população [1], tendo o bolsa família, que atende mais de 12 milhões [2], como carro chefe, que juntamente com a valorização do salário mínimo e a facilitação do crédito, possibilitaram que setores das camadas mais pobres da população acendessem socialmente e tivessem uma melhora na sua condição de vida e de consumo, que em parte sustenta a popularidade recorde de aprovação de 79% do governo alcançado na ultimas pesquisas [3].

Apesar da muito presente demagogia, o fenômeno do Lulismo e sua base social, se sustentam em condições reais de avanços nas condições de vida de amplos setores da população e da classe trabalhadora, que não seria possível sem o ultimo ciclo de crescimento econômico [4]. Porém, longe de significar uma melhoria sustentável na qualidade de vida da população e um programa sustentável de desenvolvimento social de diminuição das desigualdades, como defende o governo (aí sim com muita demagogia!), esses programas são antes pequenas concessões, pequenas migalhas, frente a todo o crescimento econômico e a os bilhões de lucros dos patrões e da burguesia, os verdadeiros beneficiados pelo governo.

O custeio do governo com o bolsa família oscilou de R$ 10,5 bilhões, em 2008, para R$ 11,4 bilhões em 2009 e vai alcançar R$ 13,1 bilhões em 2010. Se somarmos os investimentos do governo nos últimos 5 anos no bolsa família, teremos uma cifra aproximada de $ 58,6 bilhões, que a principio aparenta ser considerável, mas que se torna irrisória frente aos $ 78,5 bilhões em apenas 1 ano e meio (de jan de 2009 a jul de 2010) no qual o governo por via do BNDES financiou com dinheiro público grandes empresas como a Camargo Correia, Votorantin, Vale, e outras. Apenas um pequeno exemplo, mas uma clara amostra de como o crescimento econômico tão comemorado está a serviço não de uma melhora real e estrutural na vida da população, mas de enriquecer um punhado de capitalistas.

Outro percentual no qual o governo usa para glorificar seu programa é a redução da pobreza. No Brasil “país potência” de Lula, 50 milhões de brasileiros (número que corresponde a 29% da população do País) sobrevivem mensalmente com menos de 80 reais, segundo os dados da fundação Getúlio Vargas. Apesar da diminuição dos indicadores de pobreza, que, diga-se de passagem, já vem se reduzindo desde 2000 (antes mesmo do programa bolsa família inaugurado em 2005), a desigualdade social não retrocede significativamente, já que segundo dados do IPEA, há 25 anos o índice não sofre grandes alterações e metade da renda total do Brasil está em mãos dos 10% mais ricos do país, enquanto os 50% mais pobres dividem entre si apenas 10% da riqueza nacional. Relatório da ONU (Pnud), divulgado em julho deste ano, aponta o Brasil como o terceiro pior índice de desigualdade no mundo. Empatando quanto à distância entre pobres e ricos, com o Equador e só sendo ultrapassado pela Bolívia, Haiti, Madagáscar, Camarões, Tailândia e África do Sul [5].

Conquistas sociais com endividamento da população

Juntamente com os projetos assistenciais, a maior disponibilidade do crédito ao consumo, principalmente para as chamadas classes C, D e E, setores com menor renda, também compõe o discurso argumentativo do governo para embelezar o desenvolvimento social brasileiro e a viabilidade desde para o projeto petista de Brasil país do futuro, com o surgimento de novos setores com condição de poder de consumo que seriam responsáveis por um mercado interno mais fortalecido.

Os programas de crédito desenvolvidos pelos bancos estatais, o estímulo por parte dos bancos privados ao credito fácil e a generalização do crédito vinculado ao salário (consignado) e do crediário, propiciaram de fato novas possibilidades de consumo a todo um novo setor, gerando, inclusive, uma tendência consumista, que acaba por fortalecer a impressão de melhoria nas condições de vida. Porém, em nada representam uma real condição de consumo, já que o consumo das famílias tem crescido mais que o aumento dos salários.

Os recentes dados do IPEA e do IBGE apontam bem essa disparidade entre renda e consumo. Segundo a recém publicada Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009, 75% das famílias brasileiras têm dificuldades em terminar o mês sem que o salário acabe antes [6], o que leva essas famílias a buscarem créditos, empréstimos e endividamentos para poderem cobrir os gastos até o final do mês, como aponta a pesquisa do IPEA ao afirmar que a maioria das famílias brasileiras (54%) tem dívidas, no valor médio de R$ 5.427. Outra confirmação do crescente endividamento das famílias brasileiras está no também recente dado da queda de 73% da captação da poupança no mês de agosto, indicio de que as famílias estão necessitando retirar suas reservas financeiras das poupanças.

A hipocrisia do governo em sua demagógica justificativa de desenvolvimento social sustentável em seus projetos só é possível com o malabarismo de caracterizar uma parcela grande da população que recebe menos que o salário do Dieese de nova classe média. Se houve um aumento da capacidade de consumo a setores da população, esse está associado em grande parte a disponibilidade de crédito e concomitantemente a um endividamento crescente. Não são benevolências que justificam um projeto gradual de melhorias sociais, mas antes as debilidades de um projeto que não pode solucionar os problemas sociais. Enquanto a população se endivida para pagar as contas e fechar o mês no “Brasil do futuro” de Lula, os bancos e grandes empresas nunca lucraram tanto, como o próprio Lula sempre faz questão de lembrar!

Conquistas sociais com maior exploração e precarização do trabalho

A terceira pilastra do tripé dos argumentos de Lula e da elite dominante para fundamentar seu projeto de desenvolvimento social é a baixa no índice de desemprego e a valorização do salário mínimo. A taxa de desemprego total diminuiu, passando de 13,2% para 12,7%, entre maio e junho. A taxa de desemprego aberto caiu de 9,4% para 9,1% e a de desemprego oculto, de 3,8% para 3,6%, segundo dados da Seade (ainda que os dados atuais do IBGE mostrem que 42,6% dos jovens entre 16 e 24 estão desempregados, e que o desemprego vem crescendo entre os estratos mais jovens da população). Ao mesmo tempo o salário mínimo tem crescido nos últimos ajustes em percentuais acima da inflação7 [7].

Os números mal ocultam a maior rotatividade do trabalho. Se o desemprego caiu, o numero de demissões vem aumentando e o reingresso ao mercado de trabalho se dá com a inserção de trabalhadores precários, com salários mais baixos e aumento da taxa de exploração, flexibilização das relações trabalhistas e um grande aumento da terceirização.

O Brasil detém uma das maiores taxas de rotatividade do mundo, como expressa o inédito estudo inédito do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgado esse ano, no qual aponta que 82% dos trabalhadores sem carteira assinada mudaram de posição em um período de apenas 12 meses, 31,85% dos trabalhadores por conta própria e 17,47% dos trabalhadores com carteira assinada. O tempo médio de permanência do brasileiro no trabalho é de apenas 5,1 anos, de acordo com estudo do Dieese, que tambem constata que a rotatividad no mercado de trabalho no período de um ano passou de 29,6% para 33,9% entre 2003 e 2008.

De 2002 a 2008, os estados aumentaram o nível de transferência de atividades públicas para empresas privadas em 93% e os municipíos em 168%. No mesmo período, a União teve aumento de 31%. Não por acaso o Brasil tem hoje mais de 8 milhões de trabalhadores terceirizados, o que representa quase 9% da população economicamente ativa. [8]

O ataque à classe trabalhadora é a verdadeira cara do crescimento econômico no qual se sustenta os projetos sociais do governo. O governo vem respondendo a qualquer mobilização que vise questionar o modelo de precarização e maior exploração do trabalho, como expressa os cortes de ponto aos trabalhadores em greve, e na ofensiva contra as campanhas e mobilizações pela redução da jornada de trabalho, caracterizando ambos como aqueles que querem ganhar sem trabalhar.

Projetos sociais para os trabalhadores ou para os capitalistas?

Nos grandes avanços sociais de Lula e da elite brasileira, os trabalhadores sofrem maior exploração e precarização e em troca ganham ralas migalhas da renda nacional dos quais foram os verdadeiros responsáveis pela sua geração, enquanto são obrigados a ver os empresários e capitalistas, aos quais o governo atribui o rol de verdadeiros responsáveis pelos sucessos das conquistas sociais, lucrarem como nunca antes na história. No projeto social do governo, para os empresários a rosca, para os trabalhadores e a população pobre o buraco dela, e se derem sorte, os farelos que caírem.

Nos grandes avanços sociais de Lula e da elite brasileira, os trabalhadores sofrem com a falta de acesso a saúde, a educação, têm que se endividar cada vez mais para conseguir suprir suas despesas, pois seus salários acabam antes do final do mês.

Essas concessões são funcionais para manter a passividade, o conformismo e o reformismo em amplos setores dos trabalhadores e da população pobre, “estabilidade social” necessários para a seguridade das remessas de investimentos e capital estrangeiro que garantem a balança comercial favorável.

Ainda assim, as pequenas concessões que o governo destina a área social, são rapidamente retiradas quando os lucros dos empresários e capitalistas estão ameaçados, como vimos em pequena escala no primeiro capitulo da crise no Brasil. Como as permanências dessas concessões estão condicionadas a os bons ventos da economia, que detêm seu elo débil com a economia mundial em crise, podemos esperar períodos de maior escassez dos projetos da área social para garantir os lucros capitalistas. Temos uma primeira prévia com a redução de gastos sociais no orçamento para o próximo ano, com a redução dos programas de renda de 9,02%, em 2010, para 8,83% do PIB. [9]

Os trabalhadores, impactados com essas concessões, depositam grande ilusão no projeto social lulista, acreditando que suas condições de vida podem melhorar gradualmente num processo de humanização do capitalismo, como defende o programa demagogo do governo.

Os trabalhadores não podem esperar mais que migalhas, cada vez mais reduzidas dos projetos burgueses e de seu capitalismo agonizante. Só a mobilização dos próprios trabalhadores pode impor conquistas reais nas suas melhorias de vida. É tarefa dos revolucionários lutarem para desmascarar a demagogia do projeto social petista e ajudar a avançar a consciência dos trabalhadores para que rompam suas ilusões nos governos burgueses e nas melhorias e reformas nesse sistema que só pode oferecer mais miséria e exploração, preparando-os para os momentos mais agudos que se anunciam.

Para isso faz-se necessário retomar as consignas do programa de transição e pô-las em pratica nos processos de mobilização e luta, tirando das mãos do governo e apontando um real programa que pode resolver suas demandas. Como disse Trotsky, “o que é indispensável e urgente é separar os meios de produção de seus atuais proprietários parasitas e organizar a sociedade de acordo com um plano racional. Então será possível curar a sociedade de seus males. Todos que sejam capazes de trabalhar devem achar um emprego. A jornada de trabalho deve diminuir gradualmente. As necessidades de todos os membros da sociedade devem ter assegurada uma satisfação crescente. As palavras ‘pobreza’, ‘crise’, ‘exploração’ devem ser tiradas de circulação. A humanidade poderá cruzar finalmente o umbral da verdadeira humanidade” [10]

[1O trabalho na crise econômica no Brasil: primeiros sinais, M. Pochmann, estudos avançados vol. 23 – n 66, 2009, site Scielo)

[2dados tirados do site conta aberta: 16/07/2010 Gastos do governo com Bolsa Família crescem 20% neste ano.

[3dados da pesquisa do data folha realizada nos dias 23 e 24 de agosto.

[4ver texto publicado no JPO 69 “O combate ao discurso dominante e ao papel do PT em sua legitimação”, de Daniel Matos.

[5Desigualdade social no Brasil, Frei Betto, 10/8/2010, Rio de Janeiro.

[6Dados do IBGE.

[7O salário mínimo real cresceu 44,95% entre 2003 e fevereiro de 2009, segundo o IBGE.

[8Dados do Instituto de Pesquisa Manager (Ipema), e abrange o período de abril de 2009 a abril 2010.

[9Dado retirado do jornal Folha de São Paulo, 1/9/2010.

[10O pensamento vivo de Marx, Leon Trotsky, caderno de ensaios, pg. 58.

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