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Nacional

A “missão”do Papa no Brasil

11 May 2007   |   comentários

Flashes e holofotes marcam a visita do Papa Bento XVI às terras brasileiras, causando um furor midiático, parando o trânsito da cidade de São Paulo, retirando os mendigos das ruas que estavam no trajeto da comitiva papal. Tudo muito bem arquitetado, e mesmo o mal-tempo do fim de tarde de quarta-feira não foi o suficiente para conter os 15 mil fiéis que assistiram de baixo de chuva o seu discurso ’ de míseros 4 minutos ’ na sacada do Mosteiro de São Bento.

Mas afinal, qual o motivo da visita do Papa à América Latina?
Seu principal objetivo, segundo o Papa, é presidir em Aparecida a sessão de abertura da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho:

“Este país deverá servir de berço para as propostas eclesiais que, Deus queira, poderão dar um novo vigor e impulso missionário a esse continente” [1]. Porém, que sua agenda não se restringe a isso. Seus encontros com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o governador José Serra expressam a necessidade da Igreja Católica de intervir no cenário político latino-americano para salvaguardar seus interesses, devido a questões candentes, como a legalização do aborto e a eutanásia; maior inserção da Igreja no território brasileiro, sobretudo nos territórios indígenas (vide caso da missionária Dorothy Stang); e no campo religioso, a batalha pelos fiéis, hoje em disputa com as Pentecostais. O Papa pretende a promover os valores católicos, seja no âmbito privado (família), como no público (congresso).

Sob o discurso de impulsionar a “paz” , Joseph Ratzinguer fez uma apologia do papel assistencialista da Igreja, como via para responder à imensa exploração e miséria a que está submetida a maioria do povo brasileiro e dos trabalhadores. "Se as pessoas encontradas estão numa situação de pobreza, é preciso ajudá-las, como faziam as primeiras comunidades cristãs, praticando a solidariedade, para que se sintam amadas de verdade." Com isso, busca fazer com que a igreja cumpra de maneira mais eficaz seu papel de apaziguador da luta de classes.

Como não poderia deixar de ser, Joseph Ratzinguer veio defender os valores retrógrados da Igreja, que condenam a homossexualidade; são contra o aborto, bem como todo e qualquer uso de anticoncepcionais ’ alegando que estes conduzem à promiscuidade; são contra o divórcio e defendem a castidade como um princípio moral; se dizem favoráveis à vida, mas condenam o uso de células-troco para salvá-las; defendem a assistência aos pobres, mas cobram o dízimo de seus fiéis, em sua grande maioria, provenientes das classes exploradas, enquanto detém riquezas incalculáveis por todo o mundo, sendo o Vaticano o seu corolário majestal, onde toda a cruz é banhada em ouro.

Lula recepcionou o Papa com tapete vermelho e muita diplomacia, tratando de ficar em cima do muro nas questões polêmicas. Em sua declaração, dizia ser pessoalmente contrário ao aborto, mas na sua função de presidente da república, localiza a questão no cerne na saúde pública, tentando evitar desafetos com os setores mais reacionários e com os mais progressivos, a favor do aborto. Enquanto isso, o Papa diz o que bem quer, criticando o aborto e a eutanásia logo no primeiro discurso, alegando “respeito pela vida, desde a sua concepção até o seu natural declínio” [2]. Quanto ao México, onde o aborto foi recentemente legalizado, a despeito da ameaça da Igreja em excomungar os parlamentares que votassem pela sua legalização, o Papa foi contundente, afirmando apoiar a excomunhão não apenas de políticos, mas de todo e qualquer indivíduo envolvido na prática do aborto.

De acordo com uma pesquisa publicada em 2006 pela Organização Mundial de Saúde, a cada ano, cerca de 6 milhões de mulheres praticam aborto em território latino-americano, sendo 1,4 milhão destas mulheres, brasileiras e uma em cada 1.000 morre em decorrência do aborto.

Esses números colocam em xeque a demagogia que está por trás dos valores pregados pela Igreja, em que se condena o aborto “em defesa da vida” , enquanto milhares de mulheres morrem ao fazer o aborto clandestino, sobretudo aquelas que vivem em situação de miséria e de fome e não teriam como arcar com o sustento de mais um filho. O fato de que a Igreja permaneça envolvida na esfera pública entra em choque com a idéia de um Estado laico. Será que a Igreja deveria interferir nas decisões políticas de um país?

Apesar de entender o direito ao culto religioso como um direito democrático, não podemos deixar de dizer que no marco desse sistema que escraviza os trabalhadores em prol da riqueza de uma ínfima minoria, somos contra o papel reacionário que a Igreja cumpre e sempre cumpriu ao longo da história, interferindo nas questões morais, introduzindo valores intolerantes, e dando as cartas em um Estado supostamente laico.

Contra a homofobia e o machismo da Igreja!
Pela defesa da vida das milhares de mulheres que abortam!
Pelo direito da mulher a decidir sobre o seu próprio corpo!
Pela legalização das células-tronco para salvar vidas!
Fora a Igreja e a sua moral reacionária!

[1Transcrição do discurso do Papa no Mosteiro de São Bento publicada na Folha de São Paulo, 10 de maio de 2007.

[2Idem.

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