Sábado 27 de Abril de 2024

Cultura

Goya no MASP

A Magnitude em Miniatura

09 May 2007   |   comentários

O MASP está expondo até o fim do mês, uma coleção de gravuras do grande pintor espanhol Francisco de Goya y Lucientes (1746 ’ 1828). Nascido em Zaragoza, Goya, que inicia sua carreira pintando para o Estado e para a nobreza espanhola, logo desenvolve o seu senso crítico social, o que vai se expressar em quase todas as suas obras. Misturando elementos figurativos que oscilam entre o romântico e o moderno, ele pinta o que há de mais podre na realeza espanhola, com tamanha expressividade, que o simples contato com a tela gera indignação. A história de vida do Goya é bastante peculiar e sua pintura acompanha cada momento de sua vida, sendo os quadros pintados no momento em que ele enlouquece, se tornaram os mais famosos, devido à expressividade do sombrio e da angústia vividas pelo pintor.

As 280 pequenas gravuras, datadas entre 1797 e 1799, são distribuídas em quatro séries: Os Caprichos, Os Desastres da Guerra, A Tauromaquia e Os Provérbios ou Disparates.

Na primeira, o pintor retrata episódios que expressam a decadência da boemia espanhola, revelando, em forma de sátira, os vícios e defeitos latentes na Espanha do Antigo Regime. Seus personagens se inter-relacionam de maneira dualista, onde impera a oposição e a completude no interior de cada imagem da série, entre prostitutas e cafetinas, bruxas e demónios, frades e janotas, ricos e pobres. O tema central desta primeira série é a exuberância das relações extraconjugais, sobretudo no que tange a prostituição. A crítica é sutil e está estampada nas expressões faciais dos personagens, bem como na linguagem corporal, que define bem a relação entre ambos.

A segunda série da exposição, Os Desastres da Guerra, merece destaque por seu valor sócio-histórico, que retrata cenas chocantes supostamente presenciadas pelo pintor, que foi obrigado a esconder suas obras devido à então conjuntura político-ideológica espanhola, editadas somente após a morte do artista. A invasão das tropas napoleónicas à Espanha é o tema que inspira Goya em cada gravura, onde a idéia de dominação e de sadismo se choca com a resistência, o patriotismo e o medo. Como bom patriota e há anos-luz de uma visão classista, para Goya, a resistência está a serviço de lutar pela pátria, da nobreza e do Estado que ele tanto critica. Claro que não passa perto de apontar para caminhos revolucionários, que comprometam diretamente o poder da coroa espanhola, esta crítica ele não faz. O pintor retrata os estupros e a violência sanguinária dos invasores, a recusa das mulheres a se entregar, o último suspiro do homem ferido de morte, a tortura, o desespero.

A terceira série, A Tauromaquia, é um tema do qual o artista tirava o seu sustento, ao passo que elaborava, em segredo, Os Desastres da Guerra. Touros era um tema muito comum da época, altamente rentável e não polêmico, o que afastava a censura. A imagem é capaz de condensar a harmonia e a destreza da cena com o embate fatal entre o homem e a fera, os corpos em movimento, em disputa. Apesar de expressivas, as obras desta série se furtam da crítica social, que é o que coroa Goya como um dos artistas mais geniais de seu tempo.

Finalmente, em Provérbios ou Disparates, cabe ao observador uma interpretação da imagem, uma vez que seu significado permanece no campo das conjecturas. Há quem diga que o onírico apresentado em forma de disparates, expressa “moralidade e a doutrina” , enquanto outros preferem vê-lo como expressão da própria loucura do pintor, que torna o mundo incoerente. Os personagens das gravuras representam artífices da vida humana e sentimentos, sempre em choque, entre a angústia e o desespero, o medo e o prazer, a luz e a sombra. Não saberia dizer se partem de devaneios ou de sonhos, mas é uma representação que condensa muitos elementos semióticos e dá vazão a diversas interpretações. Cabe ao observador definir.

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