Sexta 26 de Abril de 2024

Nacional

NÚCLEO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS

A justiça para os ricos!

03 Sep 2008   |   comentários

Há algumas semanas a imprensa deu enorme enfoque para uma operação da Polícia Federal, a Operação Satiagraha, que culminou na prisão do ex-banqueiro Daniel Dantas. Não era para menos, pois num país onde a polícia e a justiça cotidianamente persegue e extermina trabalhadores, pobres e negros, fatos como a prisão do ex-banqueiro se tornam inéditos. O governo Lula, obviamente, tratou de dizer que durante seu mandato o combate à corrupção e aos “crimes de colarinho branco” cada vez mais se intensificam.

Todavia, uma leitura mais atenta do quadro político e jurídico nacional nos mostra uma realidade bem diferente do discurso de Lula. Para além dos “shows” da polícia federal, a grande maioria dos políticos e empresários presos nas operações já se encontram livres e de volta às suas vidas de luxo e ostentação. A justiça é sempre ágil e eficiente quando se trata de liberar e absolver os ricos.

Foi exatamente com a prisão de Dantas que se cristalizou um exemplo cabal de que a justiça está até o seu limite comprometida com a classe dominante. Dois dias depois de sua prisão, o ex banqueiro, que está sendo acusado de crimes de lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, evasão de divisas, formação de quadrilha e tráfico de influência para a obtenção de informações privilegiadas em operações financeiras, acabou sendo solto por conta de um habeas corpus concedido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, pois este considerava sua prisão “desnecessária” . Justamente Mendes que quando assumiu a presidência do STF se apressou em hostilizar os movimentos de trabalhadores rurais sem terra, demonstrou que o mais alto órgão do poder Judiciário brasileiro e seu presidente estarão sempre dispostos a colocar em liberdades banqueiros corruptos e, ao contrário, criminalizar trabalhadores que lutam por mínimos direitos democráticos, como a reforma agrária.

Um dia depois, a prisão preventiva de Dantas foi mais uma vez expedida pela 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, e mais uma vez mostrando sua eficiência na liberação de banqueiros corruptos, o presidente do STF concedeu novamente o habeas corpus para Dantas. É importante salientar que no segundo habeas corpus e soltura de Dantas, o ministro Gilmar Mendes suprimiu duas instâncias, ou seja, desconsiderou o Tribunal Regional Federal (TRF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em outras palavras, rasgou a Constituição da República. O habeas Corpus é um remédio constitucional quando alguém sofre ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. O ordenamento jurídico,todavia, prevê que inicialmente o Habeas Corpus seja apreciado por um juiz federal. Se o juiz federal denegar a ordem, outro habeas corpus deve ser proposto junto ao Tribunal Regional Federal. No caso de insucesso, deve-se impetrar outro pedido de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça. Caso denegado, o último degrau será o STF, que aprecia a ilegalidade do tribunal inferior.A decisão liberatória de Daniel Dantas, proferida no segundo habeas corpus e em sede liminar (caráter de urgência) pelo ministro Mendes, está maculada com o vício da incompetência e é manifestamente nula. Como partiu da presidência do Supremo Tribunal Federal, acabou cumprida. È um exemplo cabal de que quando se trata de ricos e poderosos, os ministros do STF, que aliás são indicados pelo Presidente da República, e a justiça em geral, estão dispostos a descumprirem as leis escritas pelos próprios ricos e poderosos.

Os trabalhadores e pobres não devem confiar na justiça dos ricos. Primeiro, por que o judiciário é formada por leis e mecanismos jurídicos provenientes do Congresso corrupto e funcional aos interesses da burguesia, e também por que os juízes já deixaram claro de que lado estão. Devemos confiar apenas na própria força dos trabalhadores, utilizando os sindicatos combativos, organizações de direitos humanos e organizações políticas como instrumento de mobilização e também para garantir investigações independentes da justiça burguesa.

O Estado “policialesco” e o cinismo de Gilmar Mendes

Passada a operação da Polícia Federal - Satiagraha- surge agora um novo debate no cenário político ’ jurídico brasileiro. A Agência Brasileira de Inteligência está sendo acusada de realizar grampos de escuta telefónica no gabinete de Gilmar Mendes sem a autorização da justiça ’ o que no Brasil é ilegal. Porém, o fato mais intrigante de toda essa novela de acusações, foi a declaração do ministro Mendes que disse: “Parece ser a instauração de um estado policialesco no Brasil...” . O cinismo de Mendes parece não ter limite. Esconde que o “estado policialesco” é essência intrínseca ao Estado democrático de Direito, ou seja, o Estado Burguês.

Não é difícil chegar a essa conclusão, basta vermos o número de chacinas e massacres realizados cotidianamente pela polícia nas grande metrópoles e também no campo. Massacres como o do morro do alemão no RJ, onde 19 pessoas foram torturadas e mortas por policiais, ou casos como o do morro da providência, onde militares do exército entregaram três jovens para serem assassinados por uma facção rival, mostram claramente a escalada de violência do Estado contra os pobre e trabalhadores. Dados da Anistia Internacional mostram que só a polícia carioca matou 1260 pessoas em 2007, e a previsão é que esse número aumente 11% em 2008!.

Se o grampo instaura só agora um estado policialesco como então o ministro Gilmar Mendes caracterizaria fatos como o massacre dos Carajás, onde 19 trabalhadores rurais foram mortos por policias sem que ninguém seja punido depois de dez anos do fato ocorrido?

Ou então do menino de 14 anos que foi torturado até a morte por policiais dentro do seu próprio quarto na cidade de Bauru, no interior de SP. Ou como o do comandante da policia do Rio que deu uma declaração fascista ao dizer que o BOPE é o inseticida social do RJ?

O Fato é que o cinismo de Mendes encarna bem a definição de Direitos Humanos para os ricos e poderosos. O extermínio de trabalhadores e pobres não significa nada para estes políticos, juízes, militares e empresários.

É por isso que não encaramos os Direitos Humanos do ponto de vista da burguesia e do Estado, pelo contrário, achamos que é fundamental o papel de juristas que utilizem os mecanismos jurídicos contra a criminalização dos movimentos socais e da classe trabalhadora, que lutem pela expansão dos direitos e garantias fundamentais, mas que sejam conscientes do limite do direito, e batalhem para que a classe trabalhadora e o povo pobre tomem em suas mãos a luta pelos direitos humanos. Só assim, através de mobilizações operárias e investigações independentes do Estado e de todos os setores da burguesia, e com o auxílio de juristas comprometidos com a luta dos trabalhadores, será possível levar a frente as demandas democráticas e os direitos humanos.

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O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos inicia-se seus trabalhos na Unesp Franca na perspectiva de estudar, debater e responder aos problemas mais sensíveis da classe trabalhadora e do povo pobre. Debatendo os Direitos Humanos desde um ponto de vista da própria classe trabalhadora.

Chamamos a todos os estudantes e profissionais do Direito que estejam dispostos a colocarem seus conhecimentos jurídicos em defesa das lutas e direitos dos trabalhadores a nos ajudarem na tarefa de construção do Núcleo.

Rafael Borges é estudante de Direito da UNESP de Franca, membro do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos e militante da LER-QI.
Informações: [email protected]

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