Quinta 2 de Maio de 2024

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A hipocrisia eleitoral da burguesia e as contradições do “neoliberalismo lulista”

23 Aug 2008 | Qualquer trabalhador comum não pode deixar de ter uma falta de entusiasmo que tende a zero frente às discussões que tomam conta do país nesse cenário eleitoral. O aumento do custo de vida provocado pela inflação parece realmente ser um problema que não atinge os candidatos dos partidos patronais. Como “pano de fundo”, jaz um “acordo tácito” entre todos os partidos dominantes em não questionar os pilares fundamentais da ofensiva neoliberal que sucateou e privatizou os serviços essenciais de saúde pública, educação e transporte, tudo em nome de garantir a transferência dos recursos extraídos dos impostos à população para os bolsos dos banqueiros, pela via dos inesgotáveis juros da dívida pública. É nesse marco que tem primado a disputa entre os mais variados setores que buscam se aproveitar da popularidade de Lula, tudo em função dos conchavos políticos que preparam posições para a disputa eleitoral de 2010. Aqui, mais uma vez, os reais interesses populares não passam de instrumentos a serviço do controle da máquina de Estado e dos privilégios para este ou aquele setor capitalista.   |   comentários

Algumas modificações... para manter o fundamental

Lula conseguiu aplicar medidas neoliberais que não teriam sido possíveis num governo sem o seu respaldo entre as organizações operárias. Já em 2003, garantiu a continuidade da reforma da previdência, aumentou o superávit fiscal para pagamento da dívida pública, em detrimento das despesas com saúde e educação, e depois garantiu duas leis que são o início da reforma trabalhista que retira direitos: a lei de falências e o super simples.

Mas, como já apontamos em outras edições do Jornal Palavra Operária, o governo Lula realiza estes ataques camuflando-os, “fatiando-os” e combinando-os com algumas mudanças em relação ao governo tucano. São essas pequenas mudanças e até algumas “concessões” que, no marco de uma situação de crescimento económico internacional e ajudado pelo trabalho de contenção das direções petistas no movimento de massas, permitem a Lula manter uma alta popularidade, apesar de continuar aplicando as políticas tucanas que foram rechaçadas nas urnas em 2002 e 2006.

Sinteticamente, destacamos as seguintes medidas, que junto com os elementos de continuidade, representam o que chamamos de neoliberalismo tardio, ou neoliberalismo lulista:

Apesar de manter intactas as privatizações de FHC, Lula diminuiu o ritmo das privatizações e passou a disfarçá-las com a lei das PPPs, tentando apresentá-las com uma cara “menos entreguista” , ao mesmo tempo em que promove uma política de fortalecer algumas empresas estatais como o Banco do Brasil e a Petrobrás (que têm sofrido uma “privatização pelas bordas” , através da terceirização de seus serviços e sua produção e da venda de suas ações ao capital imperialista). Apesar de que os bancos continuam obtendo lucros recordes, Lula fortaleceu o BNDES e aumentou o valor dos empréstimos deste banco a setores produtivos, em especial para a indústria automotiva. Apesar do salário mínimo continuar muito aquém das reais necessidades de uma família trabalhadora, Lula teve uma política de valorização deste, modificando-o em relação ao que era durante o governo FHC. Apesar das condições de trabalho dos servidores públicos continuarem sucateadas, Lula criou novas vagas no Estado e propiciou “concessões” económicas que mudaram a dinâmica de arrocho salarial e demissões que predominou durante FHC (aqui claramente com o objetivo de desviar as tendências explosivas de lutas que se expressaram entre os servidores nos primeiros anos do governo petista). Ainda que mascarando um sucateamento do ensino superior, com o ProUni e o Reuni, Lula consegue aparecer como um presidente que democratiza o acesso à universidade. E, por último, ainda que sem acabar com as condições de desemprego estrutural, que assentam as bases para os enormes índices de miséria e violência urbana no país, através do Bolsa-Família e da criação de empregos precários, Lula consegue projetar uma imagem de que “favorece os pobres” .

Essas mudanças, no entanto, não alteram o fundamental: se o crescimento económico trouxe um pequeno alívio relativo nas condições miseráveis em que vivem a maioria dos trabalhadores brasileiros, ao mesmo tempo multiplicou os lucros das grandes empresas nacionais e as remessas de lucro das multinacionais ao exterior.

Se num período de prosperidade económica os ganhos dos trabalhadores foram tão poucos comparados aos da burguesia, se mesmo depois deste período o salário médio continua abaixo do nível de 2002 , o que o governo Lula nos reserva para quando a crise económica internacional atingir o Brasil? Novas medidas de ataque para que sejamos nós a pagar os custos da crise e para que as principais empresas mantenham seus lucros, como já vivenciamos com o aumento da inflação, que transfere os aumentos dos custos das empresas para o consumidor de modo a manter o nível dos lucros.

A hipocrisia capitalista

A oposição que o DEM (ex-PFL) e o PSDB tentam fazer ao governo não conseguiu até agora em nenhum momento enfraquecê-lo significativamente. Poderíamos até dizer o contrário: quanto mais a oposição grita, mais Lula se fortalece entre os trabalhadores, pois as direções petistas nos sindicatos e movimentos sociais fazem parecer que o seu governo estaria se enfrentando com a “direita” . A cada medida, por mais tímida que seja, de “concessões” aos trabalhadores, a oposição se posiciona contra, como por exemplo quando culpa os gastos do governo pelo aumento da inflação e exige ataques ao funcionalismo público para “cortar gastos” .

Além disso, salta aos olhos o cinismo da oposição com toda a gritaria que faz contra a corrupção. Ninguém ainda esqueceu que os mesmos partidos que hoje são oposição, quando eram governo faziam as mesmas falcatruas que agora denunciam. E ainda por cima, terminam aceitando qualquer acordo com o governo para que as investigações não cheguem aos tempos de FHC. Assim, depois de tudo, Lula ainda consegue sair bem na foto ao afirmar que parece existir mais corrupção hoje em dia por que a Polícia Federal está prendendo mais. Uma falácia quando vemos que os mesmos juízes que inúmeras vezes livram grandes banqueiros como Dantas, são aqueles mesmos que ano passado, a pedido de Lula, votaram a lei que restringe o direito de greve dos servidores públicos.

No entanto, apesar das aparências, Lula não se enfrenta com a direita brasileira. Ao contrário disso, “caciques” e “coronéis” representantes da velha “política oligárquica” como Collor, Sarney, Delfim Neto e tantos outros, apóiam e integram o seu governo. Muitos políticos da direita, que haviam perdido base de sustentação depois de oito anos de governo FHC, agora se recuperam apoiados por Lula. Nas eleições municipais, condizente com o que tem feito durante todo o seu governo, vemos Lula apoiar não só candidatos do PSDB e do DEM mas inclusive figuras sinistras como Severino Cavalcanti ou Renan Calheiros.

E a grande moeda de troca nestas alianças são os cargos nas estatais e as fortunas que correm do caixa do governo direto para os bolsos dos políticos. As prisões espetaculares da Polícia Federal significam pouca coisa nesse aspecto: até agora nenhum corrupto de “colarinho branco” de fato foi preso. Por mais que Lula negue, suas alianças políticas se baseiam amplamente no mais desavergonhado pragmatismo da corrupção direta, num nível talvez ainda maior do que o de FHC.

Enfim, ao contrário de se enfrentar com a direita para tentar favorecer os trabalhadores e o povo, como prega o da CUT e outros sindicatos governistas, o que Lula faz é se aliar com a direita para garantir os lucros dos capitalistas e os privilégios dos políticos burgueses.

Até quando?

As ilusões em Lula, no entanto, não vão durar para sempre. Pressionados pelo aumento do custo de vida e vendo que a vida não melhora qualitativamente, apesar dos discursos do governo, vimos nesse ano e no final de 2007 setores minoritários, porém importantes, saírem à luta. Em alguns casos, como o da Revap, os operários chegaram a atropelar as direções sindicais governistas. Na medida em que a crise económica internacional comece a afetar o Brasil e que a inflação siga corroendo os salários, veremos mais setores de trabalhadores se mobilizando e potencialmente se enfrentando com as direções governistas do movimento de massas.

Se no último período o Brasil vem cumprindo um papel “estabilizador” na América Latina, isso não significa que essa realidade terá uma evolução linear. Este papel do Brasil é inseparável de sua - qualitativamente superior - dependência com relação ao capital imperialista. Frente à atual crise económica que se desenvolve mundialmente, com eixo nos núcleos centrais do capital internacional, ainda que para o ano de 2008 o Brasil parece manter-se à margem deste processo, devemos começar a avaliar a hipótese de que justamente sua maior dependência assente as bases para ’ a médio prazo ’ mudanças abruptas que coloquem o Brasil como um elemento a mais dentro das situações de instabilidade que atravessam distintos países do subcontinente. Essa é uma das perspectivas para as quais estrategicamente temos que nos preparar.

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