Quinta 16 de Maio de 2024

Nacional

Um balanço necessário

A experiência das correntes no PT

04 Aug 2003 | Ao iniciar o imperioso debate sobre a construção do novo partido, é necessário discutir a trajetória das distintas correntes, no longo período que se estende da fundação do Partido dos Trabalhadores até o momento atual. Isto porque esta trajetória não pode deixar de ser examinada com atenção - quanto mais porque o petismo deixou marcas profundas nas concepções teóricas e práticas, nas estratégias e nas formas de atuação cotidiana de tais correntes.   |   comentários

No Brasil nunca se conseguiu forjar um autêntico partido revolucionário com influência de massas. Esta tem sido a grande tragédia das massas brasileiras que têm se visto traídas pelas diversas correntes que falavam em seu nome. Mas ao longo das últimas décadas perderam-se grandes oportunidades históricas que poderiam ter permitido que as pequenas correntes políticas que se reivindicavam revolucionárias pudessem estabelecer laços mais orgânicos com o movimento de massas. Uma dessas oportunidades foi a finais dos setenta e começo dos oitenta, quando um poderoso movimento dos trabalhadores, que se levantava contra as condições da miséria capitalista e contra a ditadura militar sacudiu o país. Como reflexo político e a irrupção da classe operária nesse período surge como todos sabemos o primeiro partido de trabalhadores de grande influência em setores de massas. Este partido surgia sobre o controle de fortes correntes da pequena burguesia como os Suplicy, os Genoíno, aliados a correntes sindicais da burocracia nascente sob o nome de "autênticos" com Lula e outros, porém tinha uma ampla influência entre os trabalhadores. Todas as correntes hoje no Brasil, centralmente as que se reivindicam do trotskismo começaram a ganhar referência a partir do surgimento do PT. No entanto, como veremos, a vinculação entre tais correntes a um partido de massas durante vários anos levou a enormes capitulações.

Qual deveria ser a atitude dos revolucionários frente ao surgimento de um partido de massas com forte influência da pequena burguesia e da burocracia operária na sua direção e com uma clara estratégia reformista? Ao criticar a experiência das correntes internas no PT, não negamos nem por um instante que fosse necessário e imperativo utilizar os grandes giros das massas para romper o isolamento a que os revolucionários estão, muitas vezes, submetidos. O grande ascenso operário como as grandes greves a finais dos anos setenta e início dos oitenta, e o surgimento do Partido dos Trabalhadores, representou um momento importante para a inserção dos revolucionários no movimento de massas em geral e nos principais bastiões da classe operária em particular.

O momento político no Brasil favorecia então a aplicação da tática preconizada por L. Trotsky, conhecida como entrismo, como um movimento preciso de inserção dos revolucionários em partidos de massas para acompanhar um giro à esquerda das mesmas junto a um feroz combate a suas direções reformistas, e assim romper quando as mesmas direções consumam a traição política às massas. Nesse período necessariamente curto, os revolucionários deveriam, segundo Trotsky, disputar a ala esquerda do partido frente a sua direção reformista, convencendo-a das tarefas imediatas exigidas pela luta de classes e da necessidade de construir um outro partido, verdadeiramente revolucionário. As experiências em vida de Trotsky não passavam de táticas precisas de meses ou como muito um ano. Ao calor dessa rápida operação tática, no curso da qual haveria fortes lutas internas entre a direção burocrática e reformista e as tendências de esquerda, se poderia demonstrar aos olhos dos trabalhadores quais eram as correntes que de fato encarnavam seus interesses históricos, e quais tendências não passavam de guardadoras dos interesses da classe patronal e das elites em geral.

No entanto, desgraçadamente o que deveria servir, sob a intervenção dos revolucionários, para fazer transparecer as diferenças de interesses e concepções - as quais em última instância se reduzem às distinções de classe - terminou por servir à lógica inversa. O que de fato se deu foi a conversão do PT em um grande véu com o qual se encobriu durante quinze ou vinte anos os antagonismos irreconciliáveis que o partido abarcava. Um dos elementos centrais para que isso ocorresse foi o fato de que as correntes internas que se reivindicavam revolucionários falharam em utilizar a oportunidade que havia para avançar na construção de um forte partido revolucionário.

As correntes de esquerda, desde a Causa Operária, primeira a ser expulsa a partir de 89, até a DS e a CST que permanecem até hoje, passando pela CS (base do que é hoje o PSTU), que também foi expulsa em 92, capitularam de conjunto à permanência indefinida no interior de um partido transformado em operário-burguês após de um curto período heterogêneo. É por isso que só podemos afirmar que a permanência indefinida no PT, por dez, quinze e até mais de vinte anos, produziu resultados opostos aos objetivos de construção do partido revolucionário e de avanço da classe trabalhadora em sua independência com relação à burguesia.

A Convergência Socialista (hoje o PSTU) fazia esta capitulação conscientemente, chegando afirmar que "Defendemos este PT e suas bandeiras de luta. E vamos a combater aos que queiram modificar os objetivos traçados desde o início pelos companheiros Lula, Bittar... e demais dirigentes sindicais. Não queremos que o PT tenha todo nosso programa."2 A Convergência, que se reivindicava trotskista, ia na contramão do que preconizava o próprio Trotsky em circunstâncias semelhantes, de que se devia convencer às alas mais de esquerda nas filas desses partidos rompendo com a direção reformista e avançar na construção do partido revolucionário. Mas a Convergência, não só não combatia "os objetivos traçados desde o início pelos companheiros Lula..." quer dizer a direção reformista, senão que também combatia a aqueles que queriam "modificar esses objetivos". Negando-se inclusive a lutar pelas suas próprias idéias, seu programa.

O resultado já se conhece. Outros como a Causa Operária afirmam ainda questões semelhantes, como que o "PT ganhou enorme adesão entre os trabalhadores porque propunha construir um partido independente em oposição ao regime vigente, ou seja, aos partidos patronais, exploradores do povo, corruptos e vendidos aos bancos estrangeiros"3. Acreditar que Lula, Genoino, Suplicy e companhia, naquela época se propunham a construir um partido independente aos partidos patronais, exploradores do povo e aos banqueiros estrangeiros, é na verdade continuar alimentando ilusões.

Esse desvio, que transformou de fato o que deveria ser uma operação tática em estratégia política para toda uma etapa, fez com que o conjunto das correntes que reivindicavam o trotskismo capitulassem à consolidação do PT como partido operário burguês, ajudando a construir a pata esquerda da reacionária transição pactuada à democracia, com a qual a burguesia brasileira e os generais do regime militar conseguiram desviar o maior ascenso de massas para a esfera institucional da conformação de um novo regime democrático burguês. Nosso posicionamento é exatamente oposto. Nós defendemos que, para que os trabalhadores compreendessem o quão traidora era a política do PT, o que se precisava era de um partido independente, ainda que pequeno, criticando, explicando, denunciando, de maneira tal a limpar o caminho para a nova etapa que se abriria. Estas correntes terminam sendo expulsas quando para a direção majoritária do PT já se tornava insustentável, pelo giro à direita que foi se operando pouco tempo depois de o partido ser fundado.

Isso levou a uma perda irrecuperável de mais de quinze ou vinte anos no caminho da construção do partido revolucionário, esvaziando politicamente o estado de ânimo convulsivo da classe operária e das massas brasileiras. Ao ver o PT como forma de abrir e manter um diálogo permanente com elas, as correntes centristas "esqueceram" que este processo não pode ser separado de sua contrapartida: ao utilizarem a credencial petista para aproximar-se das massas, acabavam reforçando a referência no partido e, afinal, fortaleciam a direção petista em sua ala conciliadora (Articulação), que assumia uma linha cada vez mais burguesa e conciliadora.

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