Sábado 27 de Abril de 2024

Nacional

REFORMA AGRÁRIA

A crise econômica dará novo vigor à luta pela terra

28 Mar 2009   |   comentários

No front ideológico dessa longa batalha, os setores mais reacionários da classe dominante brasileira querem fazer os que lutam pela reforma agrária aparecerem como representantes do atraso, enquanto o agro-negócio seria o agente do progresso e da prosperidade. A demanda de terra seria anacrónica, visto a grande produtividade do latifúndio moderno e o único problema a resolver seria o do desemprego.

Nem com todo cinismo do mundo os herdeiros históricos dos velhos senhores de escravos conseguiriam esconder o cheiro de podre que exala dos seus argumentos. Pois não é a “moderna” indústria do etanol, um dos xodós do governo Lula e dos “investidores internacionais” , a responsável pelo maior número de trabalhadores escravizados? Não são os “modernos” usineiros paulistas, feitos heróis por Lula, quem obriga seus empregados a trabalhar até morrer? Não são os novos magnatas da soja e os tradicionais pecuaristas os maiores responsáveis pela destruição da Amazónia? O campo brasileiro, adaptado às novas necessidades do capitalismo mundial, com os velhos coronéis transformados em agro-empresários graças ao apoio maciço dos capitais imperialistas, continua abrigando o que há de mais atrasado e reacionário.

A base económica real desse discurso burguês está na expansão do agro-negócio e dos seus setores mais mecanizados e tecnológicos (a maior exceção é a cana, que segue utilizando os métodos mais primitivos de colheita), assim como no crescimento das relações diretamente assalariadas no campo brasileiro nas últimas décadas. Especialmente no último ciclo de crescimento, dominado pela valorização dos produtos primários e pela expansão das empresas brasileiras ligadas à agroindústria, junto com a grande escala que tomou o bolsa-família do governo Lula, os movimentos pela reforma agrária tiveram bastante reduzida sua base social organizada. Mas o fato de que o MST e outras organizações rurais tenham buscado nos desempregados urbanos um setor social onde se apoiar para manter viva a luta pela terra, ao contrário de demonstrar que essa demanda histórica caducou, mostra como segue viva entre as aspirações do povo brasileiro, no campo e na cidade.

Em perspectiva, é bastante provável que as condições de uma longa crise económica mundial façam a luta pela reforma agrária recobrar com força a sua atualidade. Mesmo supondo que as condições da crise não sejam tão fortes no Brasil, como nos EUA, Europa e Japão, o desemprego no campo e na cidade tende a aumentar a níveis desesperadores, impossibilitando o agro-negócio e as grandes cidades, de absorver os filhos das famílias camponesas que seguem umbilicalmente ligadas ao campo. Também será bastante difícil ao governo Lula seguir ampliando no mesmo ritmo dos últimos anos os seus programas sociais, e não está descartado que faça cortes para seguir pagando a dívida pública e salvar os capitalistas da falência. Esse processo fará agudizar as contradições sociais no campo e na cidade e tende a engrossar as fileiras dos movimentos camponeses nos próximos anos.

Reforma agrária radical: uma luta anti-imperialista e anti-capitalista

O avanço da mecanização e do trabalho assalariado não mudou a configuração estrutural do campo brasileiro. Pelo contrário, exacerbou a concentração de terras e acelerou a expulsão da população rural para as cidades em função da mecanização. Como revelou a última contagem da população feita pelo IBGE em 2007, o êxodo rural não se estancou e continuou durante o último ciclo de crescimento o fluxo migratório das zonas rurais para as zonas urbanas, generalizando o problema da moradia e da violência social, que antes eram quase exclusividade das grandes cidades, para cidades de médio porte.

Hoje, a fusão entre o latifundiário e o capitalista se deu em tal profundidade, que não se pode mais insistir na oposição de interesses entre latifundiários e industriais, na qual o PCB se apoiou até a década de 60 para justificar sua equivocada política de conciliação de classes. Os maiores bancos do país se destacam hoje como grandes latifundiários. Estabeleceu-se um vinculo orgânico entre os latifúndios e uma poderosa agroindústria, simbolizada em empresas como a Sadia ou Friboi, líderes mundiais nos seus setores. Os capitais imperialistas avançam na sua penetração comprando participação acionária em muitas empresas, comprando a totalidade de outras, mas também adquirindo diretamente grandes porções de terra. Assim, os “fundos de investimentos internacionais” se tornam grandes latifundiários no Brasil. Segundo dados do Incra, no segundo semestre de 2008 empresas e investidores estrangeiros possuíam cerca de 380 mil quilómetros quadrados de terra no Brasil, o equivalente a cerca de três vezes o tamanho de um país como a Inglaterra.

No “moderno” campo brasileiro, o latifúndio produtivo, de soja, cana ou criações de gado, é a contra-cara do latifúndio improdutivo, alvo da especulação com o preço da terra. Como o Brasil ainda tem uma enorme fronteira agrícola a ser explorada, cresce o interesse pela terra ainda não cultivada, na esperança de que ela se valorize ainda mais num futuro não muito distante. Entre as grandes plantações e criações e as enormes áreas reservadas à especulação, o que sobra para os camponeses sem terra e para os trabalhadores rurais desempregados são as balas dos jagunços e as migalhas dos planos assistencialistas do governo Lula.

É nesse quadro que a reforma agrária permanece como uma luta do presente e do futuro, que só poderá se realizar derrotando os latifundiários, os indústrias e o imperialismo. A luta dos trabalhadores da cidade e do campo, e a luta dos camponeses pobres, é uma só, e se dirige contra a propriedade privada do solo nas mãos de um punhado de capitalistas e imperialistas e contra a propriedade privada na indústria e nos serviços.

É necessário nacionalizar toda a terra, a começar pela que está nas mãos de estrangeiros, e entregá-la a quem nela trabalha. A expansão do negócio dos biocombustíveis está hoje a serviço da política dos EUA, de reduzir sua independência energética em relação à Venezuela e o Oriente Médio. É preciso nacionalizar as grandes plantações de cana e soja, para impulsionar uma política energética e de alimentos a serviço das necessidades da população brasileira e não das corporações imperialistas.

A superação do domínio imperialista e do atraso secular que o campo brasileiro segue arrastando, não poderá ser levada a cabo pela burguesia brasileira, que é quem mais se beneficia com a atual situação. A luta pela reforma agrária, uma demanda que se remete à época das revoluções burguesas do século XVIII e XIX, só poderá ser levada a cabo através da aliança entre os camponeses pobres e os trabalhadores da cidade e do campo, numa luta que questione os pilares do sistema capitalista. O avanço do agro-negócio e da mecanização no campo, ao aumentar a proporção de trabalhadores assalariados, facilita a unidade entre estes e os setores de camponeses pobres, e entre os explorados e oprimidos do campo e da cidade. Ao mesmo tempo permite combinar o programa democrático radical de repartição das terras em pequenos lotes, com um programa operário e socialista, de coletivização das grandes plantações e de nacionalização sob controle operário da agroindústria. Essa é saída de fundo para derrotar os monopólios que especulam com os preços e lucram com a miséria do povo brasileiro.

Nós marxistas revolucionários defendemos a necessidade de coletivizar os latifúndios produtivos e dividir em pequenos lotes os improdutivos, satisfazendo assim a demanda histórica pela terra, sem derrubar a produtividade da agricultura mecanizada. Mas quem deve decidir como organizar a produção no campo, são os trabalhadores rurais em aliança com os camponeses pobres, pois são estes os maiores interessados em terminar com o trabalho escravo, o trabalho infantil, a super-exploração e o desmatamento, e os únicos capazes de garantir assim uma vida digna para a população rural e alimentos de qualidade e a baixo custo para todo o povo brasileiro.

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