Sexta 26 de Abril de 2024

Internacional

POLÊMICA COM A IZQUIERDA SOCIALISTA DA ARGENTINA

A continuação do pacifismo por outros meios

02 Nov 2012   |   comentários

A “luta” da guarda nacional e da polícia portuária deixou uma confusão na esquerda, que em quase sua totalidade se localizou do lado “verde”. No caso da Izquierda Socialista (IS), seu fervor chega ao ponto que em sua página na internet aparecer uma foto dos “fardados”, como se tratasse de novos líderes proletários.

A “luta” da guarda nacional e da polícia portuária deixou uma confusão na esquerda, que em quase sua totalidade se localizou do lado “verde”. No caso da Izquierda Socialista (IS), seu fervor chega ao ponto que em sua página na internet aparecer uma foto dos “fardados”, como se tratasse de novos líderes proletários. A mesma foto tem o MST e ambos debatem com o PTS com argumentos e citações idênticas, como se essa “luta” houvesse costurado as feridas que os separam há anos.

O dirigente da IS, Miguel Sorans (MS), escreveu um artigo intitulado “Sobre as greves policiais, a sindicalização, as FF.AA. e os socialistas revolucionários”, com mais pretensões que seriedade. Defende o apoio às greves dos membros de qualquer instituição repressiva do Estado burguês. Para justificar faz a comparação com a política bolchevique na Revolução de 1905 e as “21 condições” da III Internacional para o ingresso dos novos Partidos Comunistas logo após a Revolução Russa, onde se exige realizar agitação sobre as tropas. Nada tem isso a ver com os exemplos atuais de “luta” da polícia nacional.

Sustentamos com clareza que, assim como a polícia, trata-se de instituições profissionalizadas cujo objetivo é a repressão interna. O fortalecimento de sua “tropa” não pode mais que prejudicar a luta dos trabalhadores e do povo, que cada vez que lutam com seriedade tem que enfrenta-los, como se viu durante seu próprio conflito, quando reprimiram os trabalhadores em Ezeiza. Não se pode igualar essas instituições com um exército de recrutas, onde trabalhadores e setores populares são alistados de forma obrigatória. Trata-se de uma guarda pretoriana à qual não se pode ganhar para o campo da luta operária somente com agitação e propaganda e muito menos a partir do apoio de suas demandas corporativas. Por outro lado, milhares de gendarmes (mais de 17.000) “conquistaram” já, mediante precautórios, grandes reajustes, incluindo não somente a oficialidade, mas também a grande parte da suboficialidade, o que os diferencia muito dos camponeses e operários que deixam suas casas e tudo o que tem quando convocados para uma guerra.

A ideia de que os guardas nacionais sendo vitoriosos, Cristina é que seria debilitada e os trabalhadores assim ficaríamos melhor, é um raciocínio que não distingue esquerda de direita. Trata-se de um fortalecimento dos integrantes de um dos pilares do Estado burguês, pelo qual a alegria poderia ser a oposição patronal, mas não a da esquerda. Porém, é a instituição eleita para suplantar as FF.AA., já que seu desgaste moral pós-ditadura limita seu papel para tarefas de “segurança” frente a crise das polícias. É duvidoso que um fortalecimento dos gendarmes vá contra o projeto do governo que os localiza como “força estrela” da “segurança democrática”. O kirchnerismo investiu milhões de dólares em equipamentos de última geração para a Gendarmaria, incluindo apetrechos de alta qualidade, helicópteros e até tanques antimotins de tecnologia israelense. Os efetivos aumentaram quase 100% e durante o governo de Néstor voltaram os “adicionais” e outros itens sem carteira assinada para superar “pela esquerda” os aumentos salariais dos trabalhadores estatais.

Que um problema fiscal leve o governo a fricções e choques com a guarda nacional não converte essa “luta” em um enfrentamento de classe, nem de aliados da classe operária. O desenvolvimento da Panamericana contra os companheiros da 60, encabeçados por Berni – apenas terminando o primeiro round dessa “luta” – e a denúncia penal que o Secretário de Segurança fez contra os choferes mostra que a unidade entre o governo e os gendarmes é mais estreita do que desejam aqueles que buscam ver nos fardados um aliado. Isso já entenderam os trabalhadores combativos, como os de Kraft, que rechaçaram todo o apoio aos gendarmes, já que cada vez que subiram a Panamericana se encontraram com a visita do “aliado” da IS infiltrado com o “Projeto X”. Talvez em forma tragicômica entenderam os familiares dos gendarmes que no final do conflito ainda estavam nas escadas do Centinela e foram desalojados pelos próprios gendarmes, fazendo realidade o ditado de que “por uma pizza reprime até sua mãe”.

Perdão Lênin...

MS cita a resolução da III Internacional como mostra irrefutável de que é necessário apoiar aos guardas nacionais: “O dever de propagar as ideias comunistas implica a necessidade absoluta de desenvolver uma propaganda e uma agitação sistemática e perseverante entre as tropas”. Em outras traduções se encontrará que em vez de “tropa” diz “exército”. Não por nada MS prefere falar de tropa em geral para ver se passa a ideia de que são o mesmo exército de milhões de operários e camponeses empurrados à 1º Guerra Mundial que os gendarmes argentinos, totalmente profissionalizados, dedicados à repressão (e a fazer julgamentos para obter grandes “adicionais”) em meio a uma situação revolucionária.

As “21 condições” para pertencer à III Internacional foram adotadas em 1920, após a Revolução Russa e a 1ª Guerra. Se referem à necessidade de ter um apolítica para as tropas formadas por milhões que acabaram de ser parte de um confronto monstruoso. Trotsky, na História da Revolução Russa, contará: “Foram mobilizados cerca de 15 milhões de homens que chegavam às zonas de combate, quartéis,centros de etapa, se espremiam e se pisoteavam uns aos outros, furiosos e com a maldição nos lábios... Calcula-se que o número de mortos, feridos e prisioneiros russos foi de aproximadamente 5 milhões e meio”. Isso foi generalizado na Europa. Os levantamentos revolucionários de soldados foram moeda corrente no final do pós Guerra. Basta ver o levantamento dos marinheiros alemães em Kiel em outubro de 1918.

Esses soldados na Rússia constituíram soviets. Comparar isso com “o levantamento do Edifício Centinela” pareceria uma piada se não fosse tão penoso ver gente que se diz de esquerda dar voltas para apoiar a um punhado de gendarmes reacionários. Milhões de operários obrigados a ser parte dos exércitos burgueses deveriam conquistar direitos e organização e enfrentar os altos mandos. Quem não teve uma política para ganhar as tropas realmente cometeria um “crime”, mas quem “confunde” essa política com o apoio a um grupo de gendarmes repressores que querem melhores salários comete outro “delito” similar. MS também dá um exemplo de “política bolchevique” citando Lênin em 1905: “Os soldados de São Petersburgo querem melhor rancho, melhor vestuário e melhor alojamento, reivindicam aumento dos ativos”. Trata-se de um momento revolucionário extremo que o artigo descreve e que MS esconde (“A insurreição de Sbastopol se estende cada vez mais. O desenlace se aproxima. Os marinheiros e soldados que combatem pela liberdade destituem seus chefes... Estamos, por conseguinte, nas vésperas de um momento decisivo”) e trata-se de um exército que vinha de combater na Guerra russo-japonesa, onde por parte da Rússia participaram 2 milhões de soldados, com 125 mil baixas.

Para Trotsky comparar a política para exércitos de operários e camponeses recrutas com a orientação para os organismos de repressão profissional está fora de lugar. No “Programa de ação para a França”, coloca “Dissolução da polícia, direitos políticos para os soldados (...) os operários sob armas deveriam conservar todos os seus direitos políticos e estarão representados por comitês de soldados, eleitos em assembleias especiais...Todas as polícias, executoras da vontade do capitalismo do Estado burguês e de suas gangues de políticos corruptos devem ser dissolvidas. Execução das tarefas policiais pelas milícias operárias”. E na “História da Revolução Russa”, afirma: “Os gendarmes são o inimigo cruel, irreconciliável, odiado. Não há nem que pensar em ganhá-los para a causa. Não há mais remédio que chicoteá-los ou matá-los. O exército já é outra coisa. A multidão evita com todas as suas forças os choques hostis com eles, busca o modo de ganhá-los, de persuadi-los, de fusioná-los com o povo.”

Longe disso, a ideia reformista de conquistar a simpatia das forças de repressão como Guarda Nacional, Policiais Portuários e polícia por meio da agitação e o apoio a suas demandas não é mais que um pacifismo temeroso.

O oportunismo “por outros meios”

Clausewitz escreveu a famosa frase “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Contudo, Sorans disse, tentando citá-lo, que “a guerra civil (sic) é a continuação da política por outros meios”. Sem pretender que MS (ou IS) estude sistematicamente Clausewitz como fazemos no PTS, seria bom que lesse ao menos Lênin e Trotsky, que citam numerosas vezes a conhecida “fórmula” do teórico militar prussiano que, como todo o mundo sabe, não falava de “guerra civil”. Também o contrário, já que Clausewitz concebe a guerra como uma instituição onde os sujeitos são os Estados e não as classes (já que é um teórico militar burguês e não um marxista) e consequentemente com isso opina, com bom tino desde o ponto de vista das classes dominantes, que para ir a essas guerras é necessária a “paz civil” no próprio campo, quer dizer, que não haja luta de classes interna. Seguindo esse conselho, os burgueses quando vão à guerra, buscam comprar e cooptar os chefes do proletariado, como fez a burguesia de todos os países com a socialdemocracia na 1ª Guerra Mundial (aos que não puderam cooptar levaram presos ou os exilaram, como Rosa Luxemburgo, Lênin, Liebknecht ou Trotsky, para não ir muito longe).

Independente desse erro elementar, MS pretende se basear em Clausewitz para explicar que se na “guerra civil” (a que para nós marxistas é, junto à insurreição, o ponto culminante da luta de classes) teremos que ganhar os soldados (bom, os gendarmes, mas para o caso da IS é o mesmo), agora em tempos de paz há que apoiá-los, por que a guerra é a continuação da política. Como é certo que a guerra é a continuação da política por outros meios, a política revolucionária atual de não apoiar aos gendarmes e prefeitos tem sua “continuidade” no impulso a toda forma de autodefesa operária e popular que adotem as massas, na perspectiva da formação de milícias operárias para derrotar as forças repressivas, enquanto que os apoiadores de hoje buscam evitar com manobras esses inevitáveis enfrentamentos, se é que nos preparamos para algo que mereça o nome de revolução proletária.

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