Terça 7 de Maio de 2024

Internacional

BOLÍVIA INCANDESCENTE

2008: um começo entre as ruas e as urnas

20 Dec 2007 | Em artigos anteriores analisamos os duros enfrentamentos ocorridos em Sucre nos quais terminaram com mortos e feridos e a polícia derrotada, no marco da aprovação em linhas gerais da Assembléia Constituinte, que mostrava a extrema polarização social e a fragilidade da ordem estatal e das instituições armadas frente à reação. Continuamos com a publicação de extratos do jornal Palavra Obrera da Liga Obrera Revolucionaria – Cuarta Internacional (LOR-CI), onde são analisadas as perspectivas da crise política que se expressa no processo constituinte desse país.   |   comentários

No dia 15 de dezembro o governo convocou uma grandiosa demonstração de massas em La Paz (enquanto outras concentrações eram realizadas em distintos pontos do país) para apresentar a nova Constituição Política do Estado (CPE), aprovada há poucos dias em Oruro.

Quase simultaneamente, em Santa Cruz e nas capitais da “meia lua” diante de suas próprias concentrações, os comitês cívicos e prefeitos direitistas reafirmavam o rechaço à CPE e a colocada em marcha dos “processos autónomos departamentais” .

Era a síntese da profunda crise política, que atingiu um ponto muito alto nas últimas semanas, com acontecimentos como dos de Sucre e Cobija, e nos quais o governo e os setores opositores medem forças em uma disputa decisiva.

Entretanto, existem fortes esforços para canalizar o confronto. E é por isso que Evo manifestou a necessidade de “valorizar essa manifestação pacífica, democrática e agora acredito que todos devemos ir para o diálogo, já que a base das transformações profundas é a nova Constituição Política do Estado” , estimando “bastante os dirigentes, ou prefeitos que tem influenciado para que nestas festas natalinas de fim de ano, passemos em paz e tranqüilidade e iniciemos o diálogo” (Agencia abi, 16/12).

Estamos diante de importantes mudanças no cenário nacional e diante de uma nova fase de extensa crise política. Se durante o ano de 2007 predominou uma disputa entre o governo e a oposição em torno dos objetivos de um “consenso” , que a direita queria submeter à lógica de buscar um pacto dos “dois terços” para diluir o projeto de ínfimas reformas do MAS sem ceder nada ou quase nada em troca; agora para a direita se trata de opor à mais dura resistência ao avanço político do governo expresso na aprovação da Constituição, enquanto o MAS ensaia utilizar sua força social e política com o objetivo de forçar um acordo em melhores condições.

Além de ter aprovado a CPE se valendo de sua maioria na assembléia, e frente a um aumento na resistência da direita burguesa, Evo impulsiona uma Lei de “referendo revogatório” dos mandatos presidencial e de prefeitos como forma de conduzir a disputa com a oposição a um novo cenário de acordo nos marcos institucionais, enfraquecer os prefeitos direitistas e submeter a plebiscito o “projeto de mudança” .

Este giro tático do governo não significa um abandono da estratégia de colaboração de classes com empresários, latifundiários e transnacionais, e acontece em meio a uma conjuntura de aguda crise política e com fortes traços reacionários, preparada por toda a gestão de contenção, desmobilizadora e conciliadora do MAS, que o obriga a uma adequação às circunstâncias: o MAS faz uma jogada ofensiva para colocar limites sobre os fatos consumados na negociação com os representantes opositores da burguesia.

Evo Morales tenta consolidar seu governo sobre a base de concentrar forças no Poder Executivo, reafirma o apoio do movimento de massas, especialmente camponês e indígena, e consolidar relações com as Forças Armadas e a Policia Nacional (cujos principais superiores têm se pronunciado de forma favorável ao governo, ainda que existam setores opositores), enquanto busca com os referendos o confronto pela via institucional.

A política da oposição burguesa

Ainda que as distintas expressões da direita tenham se fortalecido e estejam articulando sua oposição em uma “frente única” contra o MAS, não têm superado suas diferenças internas e não é um elemento menor que a consigna das autonomias departamentias ou a reivindicação de “capital plena” para Sucre, pontos fortes das elites regionais, enfrentem a burguesia de Santa Cruz e seus aliados com a burguesia de La Paz.

Neste marco, o PODEMOS refuta a CPE e coloca sua própria versão do referendo revogatório, mas sem romper os pontos para a negociação. O CEPB (empresários privados) se pronunciou em condições similares e também chama o “diálogo entre as partes” . Os prefeitos direitistas e os “cívicos” declaram a partida das autonomias departamentais com seus próprios “estatutos autónomos” , mas contendo politicamente os setores mais “ultras” ainda que deixem corres grupos de enfrentamento em algumas ações, como a ocupação de agências estatais, em um clima de histeria regionalista, racista e anti-comunista para proteger seu próprio poder e resistir desde posições de forçar do governo.

O imperialismo, por sua vez, tem uma política cuidadosa: os EUA estão preocupados com a estabilidade política na Bolívia e pressiona o governo, mas sem que sua linha atual seja impulsionar um golpe ou a divisão do país, apostas muito perigosas na atual situação ... e desnecessárias, pois o MAS cumpre muito bem o papel de contenção das massas, garante uma renegociação aceitável para as transnacionais e canaliza as expectativas populares de mudança à reformas políticas moderadas que não afetam aos interesses fundamentais do capital e do imperialismo.

2008: Entre o pacto e o confronto

O propósito do MAS é conduzir a disputa com a direita ao terreno dos referendos, seguindo a lógica política de que o confronto saia dos cenário das ruas e se encaminhe para as urnas, sem permitir que as massas populares intervenham. De fato, o governo e os cívicos buscam tornar o ano de 2008 em um “ano das urnas” , para aprovar a Constituição e canalizar outras iniciativas anunciadas pelos autonomistas de Santa Cruz e outros estados.

Não obstante, nem o governo nem a oposição aceitam rebaixar suas condições assim como o que faz prever duras disputas e o prolongamento da crise, incluindo a possibilidade de novos enfrentamentos como os que aconteceram em 2007, de Cochabamba à Cojiba.

Na realidade, não somente a crise política continua aberta, mas que é de caráter crónico, refletindo a profundidade das contradições nacionais, as diferenças na classe dominante para “consensuar” e a batalha pela definição do tipo de regime político. Hoje a expressão mais aguda desta batalha é o anunciado começo dos processos de autonomias departamentais, desenhando uma situação de “regime quebrado” com a autoridade do governo nacional questionada por metade do país e o fortalecendo das tendências centrífugas que alguns setores minoritários da ultra-direita regionalista não deixam de exacerbar.

Neste clima rarefeito não se pode descartar nem golpes da contra-revolução, nem irrupções de massas. A grandeza da crise mantém aberta a possibilidade não somente de avanços reacionários, mas também de que explodam as contradições mais profundas que correspondem a etapa revolucionária aberta em Outubro de 2003.

Para derrotar a direita: Não aos pactos e à concertación. Mobilização!

O caminho de conciliação e passividade que propõem o MAS e as burocracias sindicais que o apóiam, é o caminho da derrota para os trabalhadores e o povo. As negociações e referendos que preparam em nome de buscar novos acordos com a direita somente podem se concretizar sobre a base de negar as mais elementares e urgentes necessidades e aspirações dos trabalhadores e do povo. Somente servirão para consolidar o regime em benefício dos interesses gerais da classe dominante e para dar mais força à reação.

O único caminho para triunfar é o da mobilização geral, colocando o movimento de massas em pé de guerra nacionalmente. É necessária a mais ampla frente única de operários, camponeses, estudantes combativos, setores populares e povos originários para enfrentar a direita, impor as demandas dos trabalhadores e do povo e medidas de fundo frente à crise nacional!

Mas para isso é necessário romper com a política de pactos e acordos do governo, que ata as mãos dos trabalhadores, dos camponeses e indígenas, desviando ao terreno da conciliação que somente favorece a burguesia e levanta a reação.

É necessário lutar desde as bases para que a Central Obrera Boliviana (COB), a Central Obrera Regional (COR) e a Federación de Juntas Vecinales (FEJUVE) de El Alto, as organizações camponesas, de cocaleros e dos povos originários, rompam a subordinação à política de contenção e conciliadora do MAS as quais se submetem as burocracias sindicais, preocupadas com dízimos e “espaços políticos” e não pelas necessidades da luta operária e popular.

É preciso impór a formação de comitês de autodefesa de massas em todas as organizações, exigindo ao governo que entregue armas para enfrentar aos ataques dos grupos de choque da reação, começando a sentar as bases para a construção de milícias operárias e camponesas!
Pela reforma agrária radical e imediata, expulsão das transnacionais petroleiras, reintegração das empresas “capitalizadas” , nacionalização da agroindústria, da mineração, os bancos e das grandes empresas e serviços! Por um salário à altura do necessário para o sustento de uma família, comitês populares de abastecimento e controle dos preços para enfrentar a especulação e a carestia de vida!

Até agora as direções têm se limitado a fazer manifestações, sessões abertas ou reuniões à serviço das necessidades políticas do MAS. Temos que impulsionar e impor um grande Encontro nacional dos trabalhadores e do povo pobre do campo e da cidade, com representantes de base e mandato de suas assembléias, para adotar um plano de ação baseado em medidas com as assinaladas, para abater a reação com os métodos das massas e impor solução para as demandas inadiáveis dos trabalhadores e do povo! Uma grande reunião convocada nessas condições poderia ser o ponto de partida para colocar de pé uma verdadeira Assembléia Popular, uma representação democrática das massas em luta, inspirada no exemplo da assembléia dos anos 70, que possa concentrar a força e a decisão das massas.

Em um cenário de crise como o de hoje, entre o confronto e a busca por acordos reacionários entre o MAS e a direita, é mais urgente do que nunca que os trabalhadores não fiquem limitados por suas direções nas lutas parciais e à margem dos grandes problemas nacionais, mas que possam contar com uma expressão política própria, de classe. A direção da COB, em prol de seus acordos com o MAS, enterrou há tempos as resoluções para impulsionar um Instrumento Político dos Trabalhadores. Apesar das cúpulas dirigentes aliadas ao governo, é necessário retomar essa tarefa e impulsionar a construção de uma ferramenta política da classe operária para dar a batalha em todos os terrenos, tarefa na qual os setores avançados do movimento operário tem que tomar a iniciativa.

Retomar o caminho de Outubro

O caminho de colaboração de classes com a burguesia que o MAS pratica já é conhecido e somente pode levar a derrotas e frustrações. É necessário reabrir o caminho de Outubro, isto é, o caminho da luta por uma solução operária e camponesa, pela via revolucionária, para a crise nacional.

A única garantia para romper com a submissão ao imperialismo e conquistar as demandas operárias, camponesas, indígenas e populares, isto é, para solucionar as grandes tarefas nacionais, democráticas, agrária e anti-imperialistas sem as quais é uma mentirosa utopia falar de “refundar o país” e acabar com a pobreza e a opressão, é avançar para um governo operário e camponês, baseado nas organizações de luta das massas e defendido pelo punho armado dos trabalhadores. Mas para sustentar esta perspectiva é preciso forjar um “terceiro campo” independente, o da classe trabalhadora, buscando em torno de si a mais ampla aliança com os explorados e oprimidos do campo e da cidade.

Por isso, os socialistas revolucionários, ao mesmo tempo que impulsionamos com todas nossas forças a mobilização das massas para derrotar e abater a reação burguesa e pró-imperialista, chamamos a não depositar nem um pingo de confiança política em Evo Morales e seu projeto político, a confiar somente nas próprias forças e métodos das massas e a seguir o conselho revolucionário de “golpear juntos, marchar separados” na hora de enfrentar a direita, mas sem deixar de denunciar a política de pactos e conciliação em a burguesia do MAS e a burocracia sindical.

Colocamos nossas modestas forças à serviço de um reagrupamento da vanguarda detrás de uma política e um programa dos trabalhadores, única garantia do triunfo, na convicção de que para assegurar esse triunfo, é necessário construir uma poderosa ferramenta: um partido revolucionário dos trabalhadores.

Traduzido por Clarissa Lemos

A Liga Obrera Revolucionaria por la Cuarta Internacional (LOR-CI), é a organização irmã da LER-QI na Bolívia, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

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