Domingo 19 de Maio de 2024

Nacional

REVOLTA

Zona Sul se levanta reivindicando transporte público

09 Mar 2008 | Direto do local   |   comentários

Desde as 7 horas da manhã do dia 7 de março, mais de 500 trabalhadores se manifestavam fechando o entroncamento entre a Estrada do M’Boi Mirim e a Avenida Guarapiranga (zona sul). Por volta das 9 horas cerca de mil pessoas paralisavam o trânsito na região, a despeito do enorme operativo policial (força tática, tropa de choque, helicópteros, bombeiros) destacado para impedir o protesto. Enfrentando os ataques policiais com pedras e impedindo alguns ónibus que tentavam passar, os manifestantes impuseram o bloqueio das avenidas e o controle do território até as 12h30min. Informações obtidas no local indicam que houve sete manifestantes detidos.

De acordo com a SPTrans (empresa municipal que gerencia o transporte coletivo), 28 linhas de ónibus deixaram de transitar e aproximadamente 60 mil passageiros ficaram sem transporte. Trabalhadores abriram suas marmitas para denunciar que quando chegam ao trabalho, depois de horas perdidas pela falta de ónibus e os constantes atrasos, a comida está azedada, intragável.

A forte e decidida mobilização fez a prefeitura marcar uma reunião para o início da tarde de hoje, na Subprefeitura do M’Boi Mirim (há poucos metros do bloqueio), com uma comissão de manifestantes. Mostrando o descaso da prefeitura com o transporte público nesta região, foi determinada como “medida emergencial” maior fiscalização no corredor de ónibus, visto que os empresários do transporte têm mãos livres para encher os bolsos e fazer o que bem entendem com os serviços de ónibus, prejudicando os trabalhadores e moradores das regiões periféricas.

O caos no trânsito de São Paulo tem como irmão gêmeo o descalabro do transporte público, que foi piorando cada vez mais. Principalmente, com a privatização da CMTC em 1993, empresa municipal de transporte que respondia sozinha por 27% do transporte em ónibus, funcionando com 27 mil trabalhadores e 2.700 veículos. Os bairros mais pobres e distantes, que até esse ano eram servidos apenas pela CMTC (os empresários alegavam altos custos), hoje estão muito mais à mercê da vontade dos capitalistas e das negociatas dos prefeitos, secretários e vereadores.

A luta de hoje serve para reavivar que a classe trabalhadora nada pode esperar dos políticos patronais e dos capitalistas. Devemos nos levantar por nossas reivindicações, avançando para coordenar essas ações diretas com os motoristas e cobradores de ónibus, sem os quais o transporte não funciona. Para isso é imprescindível exigir que o sindicato dos motoristas e cobradores rompa sua conciliação com os empresários e a prefeitura, organizando junto com as associações de moradores e demais organizações de luta um programa de ação contra o elevado preço das passagens (um dos mais altos do mundo), por um controle efetivo do sindicato e dos usuários sobre o sistema de transporte urbano, lutando pela estatização de todo esse serviço, unificando ónibus, metró e trem para planejar uma infra-estrutura de transporte público de qualidade, com tarifas subsidiadas que atenda as necessidades de locomoção dos trabalhadores e melhores condições e salários para os trabalhadores do sistema. Um novo sistema, estatizado e sob controle dos trabalhadores de transporte e os usuários, é a única solução para o grave problema de locomoção da cidade. Um novo sistema deve ser subvencionado com impostos sobre as grandes fortunas e os lucros de todos os empresários, pois é para ser explorado em suas empresas que nos vemos obrigados todos os dias a enfrentar filas, atrasos, ónibus, metrós e trens lotados e insuportáveis.

A Zona Sul, retrato das mazelas capitalistas, retoma velhas tradições

A região onde ocorreu os protestos faz parte da zona sul, a mais populosa da cidade, com cerca de 2 milhões de habitantes. As avenidas bloqueadas dão passagem ao Jardim Ângela e bairros vizinhos, onde vivem, de acordo com dados da prefeitura de São Paulo, 245.805 habitantes. Juntamente com o vizinho Jardim São Luiz (com mais 160 mil habitantes), esta região tem cerca de 270 favelas, com 26% de sua população nelas residente e 4.882 domicílios distribuídos em 34 áreas de risco ’ grande parte dentro da área de manancial. As mazelas e a superexploração capitalistas sobre os trabalhadores se verificam no fato de que 46% dos chefes de família têm de 1 a 5 anos de estudo e 63,32% deles recebe até 3 salários mínimos. Conforme mostra o Mapa de Exclusão e Inclusão Social, 42,4% da população do Distrito do Jardim São Luis e 73,7% da população do Distrito Jardim Ângela estão no agrupamento classificado como alta e altíssima vulnerabilidade social [1].

Este é o mapa social dessa sociedade capitalista, na qual uns poucos parasitas se apropriam do produto do trabalho da maioria. Daqui nascem as revoltas populares como a de hoje, mostrando os rostos de trabalhadores e trabalhadoras, em sua maioria jovens e negros, que começam a superar a passividade imposta principalmente pela ação conciliadora das direções sindicais e políticas que dizem representar os explorados.

A zona sul, historicamente, acumula uma tradição de luta. Nos anos 1970, durante a ditadura militar, foi palco dos movimentos contra a carestia, da organização das fábricas pelos metalúrgicos em oposição ao sindicato pelego, ao PC, ao MR-8 e ao PCdoB. Foi próximo à Avenida Guarapiranga que a polícia assassinou o operário Santo Dias (em 1979), na fabulosa greve dos metalúrgicos que, com seus piquetes e arrastões, paralisou a região. Há apenas alguns metros do bloqueio de hoje, os motoristas e cobradores de ónibus impunham seus piquetes para impedir a saída dos ónibus das garagens da Viação Jurema (monopólio privado ) e da CMTC. Muitos dos bairros que hoje constituem essa região nasceram de lutas populares e ocupações de terrenos que serviam para a especulação imobiliária ou para o deleite da burguesia ’ nas mansões e marinhas às beiras da represa do Guarapiranga ’, enquanto a maioria dos trabalhadores viviam em condições miseráveis.
As lembranças desta tradição combativa dos trabalhadores e moradores da zona sul reavivaram a memória de quem viveu nestes bairros desde meados de 1960, participando efetivamente de algumas importantes lutas populares e operárias. Esse significativo levante que presenciamos e relatamos nos leva a afirmar que a zona sul retomará suas tradições de combate contra essa sociedade capitalista degradante.

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