Sexta 26 de Abril de 2024

Internacional

GRÉCIA

Uma entrega de soberania política e econômica sem precedentes na eurozona

28 Feb 2012   |   comentários

A Grécia viveu uma greve geral de 24 horas a 7/2, seguida por outra de 48 horas a 10 e 11/2 contra o novo plano de austeridade que se preparava para votar no parlamento. As ações, entendidas no âmbito da estratégia de paralisações isoladas e de pressão, foram convocadas pelas principais centrais sindicais, ADEDY (setor público) e GSEE (privado).

“Acaba-se de enviar aos nobres indolentes e facciosos da Grécia um altissonante desafio, que vai provocar sobressalto em suas almas adormecidas” [1]. Ainda que uma sentença escrita numa época em que os abalos nacionais não vibravam com vigor os fios que ligavam a atividade econômica dos diversos Estados, conserva o seu poder dramático na época imperialista e de crise econômica histórica do capitalismo. A Grécia viveu uma greve geral de 24 horas a 7/2, seguida por outra de 48 horas a 10 e 11/2 contra o novo plano de austeridade que se preparava para votar no parlamento. As ações, entendidas no âmbito da estratégia de paralisações isoladas e de pressão, foram convocadas pelas principais centrais sindicais, ADEDY (setor público) e GSEE (privado).

A 12/2, mais de 100.000 pessoas nas ruas, por três dias seguidos de greve, abateram uma crise de credibilidade do governo, embora não tenha sido capaz de barrar a votação. Chamas faziam arder cafés, bancos, prédios públicos e até um edifício que durante a II Guerra Mundial foi utilizado pela Gestapo nazista para torturas: esse era o cenário de “ajuste” que as massas gregas enfurecidas quiseram acertar com os parlamentares a 12/2, que com o voto de 199 dos 300 membros da Câmara deu seu passo em fazer o povo engolir o plano de “resgate” da Troika (UE, BCE e FMI), para suspender a possibilidade de perdas dos bancos franceses e alemães que são os mais expostos à dívida grega, de 130 bilhões de euros. Outro dos objetivos do plano é efetivar uma “quitação” da dívida equivalente a 100 bilhões de dólares, do total de 200 bilhões, que os bancos privados possuem de dívida pública do país.

O Ministro das Finanças Evangelos Venizelos dissera que “antes da abertura das bolsas na segunda 13/2, o parlamento grego devia enviar uma mensagem”; a de que estava disposto a provar aos banqueiros alemães seu voluntarismo em “fechar as lâminas da tesoura européia” e arruinar os trabalhadores e o povo pobre da Grécia com a supressão de 3,3 bilhões de euros do orçamento público, privatizações dos setores chave da economia, corte de 22% no salário mínimo, aumento de impostos e a demissão/suspensão de mais de 150.000 funcionários públicos (um quinto dos trabalhadores estatais gregos), com a extinção desses cargos, sob condições de desemprego que atingem 21% da população. Os trabalhadores na Grécia também quiseram deixar sua mensagem, de que está disposta a resistir à burguesia fantoche nacional e os agressores imperialistas alemães: tomada das ruas.

O quadro político das forças partidárias oficiais, e do próprio Governo de “unidade nacional”, também está em chamas. Dias antes da aprovação do conjunto de cortes, 8 dignatários do governo renunciaram a seus postos, por temor das consequências populares dos ajustes. Logo após a aprovação, 25 deputados do PASOK (Partido Socialista) e 21 deputados de Nova Democracia foram expulsos das respectivas organizações, por terem votado contra a pacote (contra a orientação dos partidos). O partido LAOS (extrema-direita) renunciou à aliança de governo.

A série de deserções e as eleições de abril criaram um espectro de insegurança para a “troika”. Isto fez com que a Alemanha depusesse seu “revólver diplomático” sobre a mesa para obrigar a Grécia a aplicar de uma vez os ajustes e ademais outras garantias especiais, antes de consentir na remessa do dinheiro, que não terá qualquer benefício sobre as condições de vida dos trabalhadores.

Foi uma ordem: a 21/2, mesmo depois de ter aprovado cada uma das condições impostas, o governo aceitou sacrificar parte de sua soberania fiscal, na forma de uma conta bloqueada para que o dinheiro arrecadado se destine ao pagamento dos juros e do principal de sua dívida, antes de por as mãos em um só euro para pagar salários e pensões (El Pais, 21/2). Ainda mais: admitiu a representação permanente de um comissário europeu que garantirá que os ajustes se cumprirão, ganhe quem ganhe as eleições. O acordo assenta uma cessão de soberania nunca vista entre países capitalistas avançados em tempos de paz. A criação da conta “especial” e a presença das instituições financeiras com poder de veto na política é um sinal de que não há consenso entre as potências sobre a possibilidade da saída de qualquer país da zona do euro (desconhecendo os impactos que uma saída teria sobre a zona de conjunto), e de que essa preocupação pode obrigar os carros-chefe do imperialismo europeu a promover maiores fricções internas nos países “resgatados”, visto como nenhuma das medidas do tipo das aprovadas poderá deter a recessão galopante na Grécia.

Com a austeridade premente que está destruindo a economia e a sociedade grega, o que é certo é que já não há qualquer pretensão de “ajudar” a Grécia, mas sim de assegurar que os bancos alemães e franceses minimizem suas perdas. “Para ser claro, um default grego não é de se preocupar. Em realidade, já está acontecendo: uma queda de 70% ou mais no valor líquido dos títulos do setor privado já é um pancada bem severa aos investidores. [...] É cada vez mais difícil visualizar uma situação em que os credores oficiais assumam uma perda nos títulos gregos, que é necessário para colocar a dívida grega em patamares sustentáveis, e também concordar em continuar financiando o país até que comece a ter um superávit primário. Default e saída estão se tornando inseparáveis” [2]. Uma quebra desordenada da Grécia – e o provável efeito contágio que teria sobre todos os países da eurozona – e sua saída da moeda única dificultariam os passos preparados pela burguesia internacional para que o país cumpra com suas obrigações de dívida. O laço exclusivo que une a Grécia à eurozona, para as instituições internacionais, pode ser portanto a de uma medida de garantia de que absorva as perdas do sistema financeiro.

Deterioração da situação econômica grega como reflexo do declive econômico mundial

A corrida para a aprovação de todas as medidas exigidas pelos organismos econômicos europeus, como condição para a concessão de um novo ramo do auxílio financeiro, foi produto de uma rápida mudança nos planos alemães, cuja motivação é oriunda principalmente dos dados conhecidos pela Comissão Européia de que doze países da União Européia (UE), entre eles Itália, Espanha, Reino Unido e França, estão sofrendo desequilíbrios econômicos significativos, que os deixam vulneráveis a mais choques [3].

Movimentos esses originados pelas contorções no organismo do euro. Os golpes sentidos pelos trabalhadores dos países em crise na hierarquia imperialista na Europa são expressões de classe, cuja chave deve buscar-se no esgotamento dos elementos que após a queda do Lehman Brothers em 2008 atuaram contra-tendencialmente à crise. O quadro de “recessão sincronizada” tende a parecer mais nítido e a prolongar-se no tempo, ante a presença de mecanismos de estímulo com muito mais dificuldade de lançar resultados positivos, e os próprios limites das medidas de contenção, já que a crise de dívida pública se tornou um grave obstáculo à continuidade do endividamento estatal.

Na França, a queda nos lucros patronais a partir da perda de uma fatia de mercado nas exportações mundiais começa a promover novos ataques aos trabalhadores [4]. Na Espanha, os mercados de dívida ditam os ritmos dos “tesourazos” do governo de Rajoy. Há algumas semanas passou um brutalíssimo ajuste que generaliza um custo muito mais baixo para as empresas que demitam (um “estímulo para demissões” num país com mais de 25% da população desempregada), que visa a extinção dos contratos coletivos, facilitam a justificação para demitir, donde bastará que a empresa “lucre ou venda menos” em três trimestres para que possa aplicar, sem necessidade de acordo sindical nem autorização administrativa, os benefícios de uma lei feita sob medida para a patronal espanhola. A situação de países do Leste europeu é ainda pior. A Romênia, um dos países mais pobres do Leste europeu e mais golpeados pela crise, viveu duras manifestações populares contra os cortes de convênios coletivos de trabalho, a supressão de 25% do salário do funcionalismo público e das aposentadorias (com mais de 200.000 demissões até agora), o que resultou na renúncia do primeiro-ministro Emil Bloc.

A expansão desses elementos de desagregação econômica, principalmente nos países do Leste que desbarataram, nas décadas de ’80 e ’90, os regimes de talhe stalinista para entrar de cabeça em desastrosos processos de restauração capitalista (que conduziram ao empobrecimento generalizado, privatizações, desemprego, emigração massiva), tem sua figura política no fortalecimento de correntes de extrema-direita. Além da Romênia, nos países bálticos, Bulgária, Hungria, Ucrânia ocidental e na Polônia vê-se a crescente manifestação de uma hegemonia política direitista que “parece estar retornando ao mapa político dos anos ’30, quando a região esteve dominada por regimes ultra-direitistas” [5].

Todos os impactos transmitidos subterraneamente pela crise econômica mundial dirigem-se um curso de ruptura da cooperação relativa entre os Estados (que esteve fundada sobretudo nos estímulos estatais), que poderia agravar as guerras comerciais e tendências mais isolacionistas, e contaminações nacionalistas, como vimos acima. Neste contexto, a Grécia é um elemento importante que pode apontar para onde se encaminharão os rumos da luta de classes mundial.

As contradições do reposicionamento de Berlim

Em um país como a Grécia, que está em recessão há 4 anos, essa combinação de medidas só pode enfraquecer sua estrutura econômica: entrando no 5º ano de recessão, o PIB se contraiu 15%, aumenta os trabalhadores desempregados sem moradia e o desemprego na juventude chega a 50%. A agressividade alemã é a expressão geopolítica da exceção que o país representa em meio à crise européia (a Alemanha é apontada pela Comissão Européia como um país que administra importante superávit em conta corrente), e esse reequilíbrio relativo da economia do principal imperialismo europeu capacita a chanceler Merkel e seu sistema financeiro a avançar em experiências de reconfiguração geopolítica no continente. Os últimos gestos de Berlim, na figura intervencionista do comissário, vão numa linha de tentar impor uma espécie de protetorado em Atenas.

Esta continuidade no giro imperialista da política alemã para o seio da UE se encontra determinada pela situação concreta da crise – que é o prolongamento das políticas europeístas de compromisso, como foi a Comunidade do Carvão e do Aço em 1951 e posteriormente o Tratado de Roma de 1957, que assentaram as bases da construção européia após a derrota alemã na II Guerra, junto ao Pacto de Maastrich para a criação do euro e o avanço que significou a unificação alemã de 1990 – constituindo uma política agressiva que desestabiliza as relações de força na Europa entre os mais fortes e mais débeis, mas também entre as potências (a França já não pode desempenhar o papel que lhe foi delegado no pós-II Guerra de potência de contenção de uma Alemanha dividida).

Mas estando sua política adaptada à influência que o agravamento da crise tem na abertura de novos flancos para conquista de posições internacionais, a Alemanha se vale da estabilidade do estado de ânimo político do proletariado europeu, que não muda automaticamente na mesma direção que a crise (nem há que lembrar o papel nefasto que cumprem as burocracias sindicais nesse atraso). Ainda assim, é uma estabilidade propensa a flutuações bruscas. A diferença é que é muito distinta a situação de uma desestabilização na relação de forças entre as potências européias no início da crise, e agora, quando estas potências (Espanha, Itália, Grécia em menor grau) estão fazendo passar sua classe operária pelo “regime de choque” da austeridade, sem retorno na melhora da estrutura econômica interna, pelos limites das medidas de contenção da crise. Esta situação, se ora beneficia relativamente o imperialismo, prepara giros decisivos no estado de ânimo das massas.

A crise exige uma intervenção consciente do proletariado contra os planos imperialistas

Desde 2010, os trabalhadores gregos e as massas populares vão às ruas contra as sucessivas investidas dos mercados de dívida. Mas isto se dá sob o jugo da burocracia sindical conciliadora, que desempenha papel destacado em conter um levante mais profundo das massas contra os pilares do estado capitalista. É a cantilena do início da crise da dívida, pela mesma “sinfonia da conciliação”: “os sindicatos farão todo o possível para pressionar por suas demandas... mas não têm nenhuma intenção de ajudar os especuladores que apostam contra o default grego” [6]. O PC Grego se limita a apoiar as medidas de pressão sindical, e o líder da Coalizão de Esquerda Radical chama uma consigna, sem qualquer corte de classe, de “unidade democrática e patriótica entre todos”. O PASOK, que encabeça a coalizão, emitiu comunicado em que dizia que “Nas cruciais votações parlamentares que temos adiante, o interesse nacional requer uma atitude responsável e o voto favorável de todos os deputados para que o país possa sair da crise de forma segura” (El Pais, 10/2). Como escrevia Trotsky em 1920, reafirmamos que os grupos políticos da social-democracia apodrecem em vida junto ao apodrecimento do capitalismo.

As massas trabalhadoras se mostram cada vez mais hostis e se colocaram em movimento, ainda que não tenham aberto um estágio de lutas francamente revolucionário. O recrudescimento da crise vai deixando mais evidente a necessidade da construção de um partido marxista revolucionário, trotskista. Um dos fenômenos mais avançados de auto-organização operária se deu no Hospital Geral de Kilkis, na Macedônia, que se encontra sob controle operário, com assembléias para determinar sua luta e seu auto-governo [7].

Se não surge uma alternativa de luta que supere os marcos da luta de pressão e coloque uma perspectiva operária de saída da crise, os setores nacionalistas podem hegemonizar o sentimento de ódio contra a ingerência interna das instituições européias para levantar um programa de resgate das classes dominantes gregas. Frente às alternativas que convergem na estratégia de resolver a crise preservando o sistema capitalista, é necessário lutar por uma alternativa de independência de classe dos trabalhadores gregos em aliança com os trabalhadores da Europa. É necessário convocar uma greve geral política para lançar abaixo o governo de coalizão; somente a auto-organização das massas trabalhadoras e a constituição de um partido marxista revolucionário, temperado nas lutas, para destruir os partidos burgueses e conquistar o poder pode dar uma saída progressista e abrir um exemplo para os trabalhadores alemães, franceses e europeus, para impedir que sejam eles os que paguem pela crise.

[1Shakespeare, “Tróilo e Créssida”.

[2The Economist, “Nothing to fear but the lack of fear itself”, http://www.economist.com/blogs/schumpeter/2012/02/greek-exit.

[3Valor Econômico, 15/2, http://www.valor.com.br/. Os países citados são Bélgica, Bulgária, Chipre, Dinamarca, Finlândia, França, Hungria, Itália, Eslovênia, Espanha, Suécia e Reino Unido. Países que estão recebendo ajuda (Grécia, Romênia, Portugal e Irlanda) foram excluídos. Enquanto o PIB francês cresce apenas 0,2% no 4° trimestre de 2011, o PIB da Alemanha cai 0,2% no marco de um crescimento magro, 3,1%.

[4Ver “Francia: ante los despidos em PSA Peugeot-Citroën”, em http://www.pts.org.ar/spip.php?article19988.

[5Ver Rafael Poch, “Europa del Este, ¿regreso a los años 30?”, http://sur.infonews.com/notas/europa-del-este-regreso-los-anos-%E2%80%9930.

[6"Greek civil servants stage strike", Financial Times 4/5/2010

[7“Grécia: greves e jornadas de protesto”, http://www.ler-qi.org/spip.php?article3394

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