Sexta 26 de Abril de 2024

Questão negra

CURSO LIVRE NA FUNDAÇÃO SANTO ANDRÉ

Sociologia do Negro no Brasil

31 May 2008   |   comentários

Depois de mandar reprimir os estudantes em luta em 2007 [1], a Reitoria de Odair Bermelho, exonerado do cargo nesta semana, fechou quase todos os cursos da Faculdade de Filosofia e Letras no início deste ano. Estudantes e alguns professores tiveram, então, a iniciativa de criar um curso livre, aberto a todos que querem estudar e são impedidos pelas altas mensalidades e agora também pelo fechamento de turmas.

A partir dessa iniciativa, introduzimos uma discussão entre os estudantes sobre a importância de questionar o currículo dos cursos, ao invés de somente reproduzir a grade curricular do curso oficial ’ que no caso da FSA, tem o mérito de apresentar programas com presença de estudos do marxismo, mas não desenvolve debates sobre processos da luta de classes no país [2] e coloca-se completamente alheia às elaborações que dizem respeito ao povo negro, que constitui a maior parte da população brasileira. Por isso, criamos uma disciplina no curso livre de Ciências Sociais: a Sociologia do Negro no Brasil.

Depois de cerca de cinco séculos de colonização da à frica, mais de três séculos de escravização dos africanos no continente americano e a manutenção até os dias atuais da opressão sobre o povo negro, não são raras as visões, mesmo no senso comum, de que as condições a que está submetido o povo negro são conseqüências de um processo “natural” . No entanto, como escreveu Karl Marx: “Um negro é um negro. Somente em determinadas condições ele se torna escravo” . Com essa citação, teve início a primeira aula, buscando traçar entre as perspectivas do curso a necessidade de compreender as relações sociais em seu desenvolvimento histórico, entendendo a luta de classes como seu motor fundamental.

Um primeiro desafio do curso é abrir um debate entre estudantes e professores sobre o problema que é praticamente nulo na FSA: o estudo sobre o povo negro e as relações raciais. Sabemos ainda que esse fato reflete a realidade da maioria das universidades do país. Comprovamos isso inclusive através dos números: segundo dados de 2003, menos de 1% das teses de doutorado abordam temas referentes à população negra; e são também menos de 1% os doutores negros que se formam a cada ano no país [3].

Até mesmo depois da aprovação da lei federal 10.639 em 2003, que institui o ensino de História da à frica e Cultura Afro Brasileira nas escolas, não houve uma mudança significativa, já que o governo aprovou a lei mas não tem um projeto efetivo para a formação dos professores nesta temática. Mesmo nas poucas universidades em que existe, por exemplo, a disciplina de História da à frica, seguem aberrações como o caso de uma professora na PUC-SP que há pouco mais de um ano afirmou em sala de aula que a AIDS se propaga na à frica devido à “promiscuidade” dos africanos, advinda das suas religiões. Seguem formando-se professores a partir de concepções racistas, que em seguida são reproduzidas nas escolas, condenando as crianças negras a um “ensino” que lhes nega a sua história e os subjuga.

O estudo sobre a Sociologia do Negro no Brasil passa necessariamente pelo processo histórico a que estiveram ligados os autores que destacamos para leitura. É fundamental entender o contexto em que se encontravam e os interesses sociais, políticos, económicos que defendiam. Assim, as teorias racistas desenvolvidas no fim do século XIX e início do século XX (que afirmavam que os negros eram inferiores biologicamente), um dos primeiros temas a que nos colocamos a estudar, estavam diretamente em sintonia com um projeto de Estado para o extermínio do povo negro e o embranquecimento da população brasileira.

O combate às teorias racistas ganha uma importância ainda maior se levarmos em consideração que, apesar de completamente superadas cientificamente, continuam sendo propagadas até os dias atuais. No último JPO denunciamos o racismo do ex-coordenador de Medicina da UFBA, Antonio Natalino Manta Dantas, que afirmou que os estudantes baianos têm “baixo QI” . Mas este não é um caso isolado e nem restrito ao Brasil. No ano passado, Heiner Rindermann, professor da Universidade Magdeburgo (Alemanha), afirmou em uma entrevista que a inteligência varia de país a país, devido a diferença do grau de inteligência entre as raças. Também no ano passado, o cientista James Watson, Prêmio Nobel, declarou que as pessoas de origem africana são menos inteligentes que as de origem européia. Essas pseudo teorias só podem servir para legitimar ações e políticas racistas, reacionárias e precisam ser combatidas seriamente.

Além do estudo crítico sobre teóricos racistas como Nina Rodrigues, Sylvio Romero e Oliveira Viana, o curso também já passou pelo estudo sobre os abolicionistas negros e agora segue abordando a imprensa negra, que teve papel destacado no início do século XX, na organização do movimento negro. Sem dúvida, essa é ainda uma pequena iniciativa frente à tarefa de questionar a universidade elitista e racista e avançar em estudos e elaborações marxistas comprometidos com a libertação do povo negro. Convidamos a todos que compreendem essa necessidade para participar, colaborar e divulgar essa iniciativa.

Contato: [email protected]

[1Na Fafil, protagonizamos uma greve de mais de 50 dias que teve com estopim o aumento de mensalidades e logo no primeiro dia de mobilização foi fortemente reprimida pela Tropa de Choque.

[2No caso de uma universidade localizada no ABC, é incongruente que não exista nenhuma disciplina que estude e debata o último ascenso operário (dos anos 70), que contou com grande importância do movimento operário do ABC, região que inclusive se tornou berço do petismo.

[3Dados extraídos do artigo “A formação de pesquisadores negros” , de Henrique Cunha Jr, publicado em www.comciencia.br

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