Sexta 26 de Abril de 2024

Internacional

Rússia: a queda do rublo coloca Putin em rota de colisão

20 Dec 2014 | A queda do rublo na Rússia é um dos principais sintomas da crise econômica mundial nas últimas semanas. Ainda que o enfraquecimento de rivais regionais seja vantajoso para os Estados Unidos, trata-se muito mais de uma "nova etapa da crise" que acerta em cheio as "economias emergentes" que vinham atuando como contratendência ao aprofundamento da crise, em meio ao afastamento das condições de lenta melhora nos EUA e a desaceleração ou recessão nos restante da economia mundial. Entramos numa nova fase da crise?   |   comentários

O presidente russo Vladimir Putin defendeu, em sua conferência anual em Moscou, a atuação do Governo e do Banco Central frente às turbulências econômicas que fizeram o rublo despencar, perdendo 25% de seu valor em dois dias (num acumulado de 50% de queda frente ao dólar norteamericano).

O presidente russo Vladimir Putin defendeu, em sua conferência anual em Moscou, a atuação do Governo e do Banco Central frente às turbulências econômicas que fizeram o rublo despencar, perdendo 25% de seu valor em dois dias (num acumulado de 50% de queda frente ao dólar norteamericano). Estas declarações contrastam com a atitude anterior de Putin, que criticou a conduta do Banco Central, que no marco de fortes tensões financeiras elevou a taxa de juros de 10% para 17%, a maior subida desde 1998 com Boris Yeltsin. Ainda assim, a autoridade monetária não conseguiu frear a queda da moeda russa, que gira ao redor de 63 unidades por dólar, e de 90 unidades por cada euro.

Como mostras de divisões internas no Governo, Putin fora criticado pelo Ministro do Desenvolvimento Econômico, Alexei Uliukayev, por não ter feito as reformas estruturais necessárias a fim de diminuir a dependência da Rússia diante das receitas petrolíferas.

Segundo o Ministro, a Rússia estaria se encaminhando para a “tormenta perfeita”: a combinação da queda dos preços mundiais do petróleo, as sanções que o Ocidente aplicou às exportações russas por seu envolvimento na crise da Ucrânia e a desaceleração da demanda mundial, que imprime um ritmo menor na busca por matérias-primas energéticas.

Apesar de ter cedido 20% de suas reservas, o Banco Central russo ainda não pode controlar o valor do rublo. A esta queda vertiginosa, respondem dois perigos. O primeiro é o perigo de uma “fuga bancária”, em que os correntistas tirem uma quantidade massiva de rublos das contas bancárias para convertê-los em outras moedas, para não ver diminuído seu patrimônio. Apesar das medidas anunciadas de controle de capitais, estima-se uma saída de aproximadamente 120 bilhões de dólares anuais.

O segundo risco é o valor da dívida em moeda estrangeira para as empresas russas: as empresas petrolíferas ligadas ao estado tiveram de ser resgatadas pelo banco Central, a fim de serem capazes de cumprir o pagamento de dívidas em dólares. A gigante petroleira Rosneft recebeu 7 bilhões de dólares das arcas públicas esta semana, e o conjunto das empresas russas terá de fazer frente a vencimentos de 30 bilhões de dólares em dezembro.

Toda esta situação, que nas palavras do próprio Putin “só deixará a Rússia em 2017”, eleva as possibilidades de um ajuste orçamentário, como o já anunciado corte de 10% nos gastos públicos. Isso, junto às medidas do BC, empurram para os trabalhadores o custo da crise do petróleo, combinando uma elevada inflação dos preços com a desvalorização do salário e as dificuldades de crédito para os trabalhadores, o que pode desatar conflitos de classe no país.

A dependência do petróleo como fator primordial da queda do rublo

A Rússia é um dos países, junto à Venezuela, mais afetados pela queda nos preços do petróleo. Esta queda, como discutimos, está relacionada ao aumento da oferta – principalmente o incremento da produção de petróleo de xisto nos Estados Unidos e a manutenção dos altos níveis de extração nos países da OPEP – e as decrescentes perspectivas de demanda por parte da Europa e Japão, praticamente em recessão, e da desaceleração chinesa.

Fundamentalmente, a expectativa de um crescimento mundial mais fraco do que o esperado faz com que a crescente oferta de petróleo bruto se torne tendencialmente excessiva e que seu preço decaia.

Para a queda do valor do rublo, conta primordialmente o fato de que o petróleo tenha perdido 40% de seu preço mundial em 5 meses, ficando abaixo dos US$56 o barril. Fruto da conduta dos sucessivos governos russos, assim como dos herdeiros das empresas estatais, a economia pós-soviética foi grandemente desindustrializada e reconvertida numa economia primária, baseada nas exportações de petróleo e gás natural. Assim, a extração e exportação dos produtos energéticos representam mais de 50% das receitas estatais, além de compor parte importante das relações comerciais da Rússia com as potências da Europa ocidental, como a Alemanha.

Seguindo a tendência de queda, a economia russa terminaria o ano de 2014 em recessão, perdendo 4,8% do PIB se os preços do petróleo se estabilizam ao redor dos US$60. O The Economist já havia mencionado que a queda do rublo afeta o pagamento das dívidas em dólares do Governo Putin, de US$90 bilhões no primeiro semestre de 2015. Além disso, a Agência Internacional de Energia prevê um preço médio do petróleo em US$83 o barril em 2015, bem abaixo dos US$90 de que necessita a Rússia para escapar da recessão.

O jogo nada harmônico de disputas por porções de mercado cada vez maiores para o seu petróleo, entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita, as sanções econômicas e a pressão sobre o rublo por parte do Ocidente e dos países da OPEP tendem a elevar as tensões geopolíticas, já que esta corrida de preços se inscreve num contexto em que os conflitos interestatais entre a Rússia e os Estados Unidos são os maiores desde o fim da Guerra Fria.

Perigos da queda dos emergentes: uma nova fase da crise

Segundo a agência de qualificação de dívida, Moody’s, a situação atual dos preços do petróleo “incrementa significativamente os riscos de default” (calote da dívida) por parte de distintos países dependentes de exportações energéticas, como a Rússia. Apesar das tentativas de estabilizar o rublo, os investidores internacionais observam o “urso russo” com desconfiança cada vez maior, o que pode significar para Moscou um aumento nos custos dos empréstimos internacionais.

Estas dificuldades econômicas da Rússia não apresentam apenas vantagens para seus competidores.Ainda que as relações comerciais entre EUA e Rússia estejam em um nível baixo, crescem dinamicamente: segundo o Deutsche Bank, desde o ano 2000, as exportações norteamericanas à Rússia cresceram 22% em média anual, enquanto as exportações russas aos Estados Unidos cresceram 19%. Mas os efeitos indiretos são maiores: a economia da União Europeia depende excessivamente do petróleo e do gás russos para funcionar (que tem 45,8% de suas exportações destinadas à UE), principalmente a economia alemã, que atingiu um volume comercial com a Rússia de US$73 bilhões em 2014. Sanções à Gazprom diminuíram significativamente as remessas de gás natural à Europa, debilitando a economia da Alemanha e da União Europeia, por sua vez uma das maiores parceiras comerciais dos EUA.

Apesar de que um enfraquecimento parcial do principal rival norteamericano na Europa possa ser benéfico para sua penetração no Velho Continente, a Alemanha representa o motor industrial da União Européia (suas exportações e importações para a UE representam, respectivamente, 16,7% e 17%). Estima-se que 300.000 empregos alemães dependam de suas relações energéticas com a Rússia. Uma cadeia de defaults (calotes) – nem falar de quebras – das gigantes estatais energéticas na Rússia incendiaria a luta de classes no coração do imperialismo europeu, e os Estados Unidos necessita de uma Alemanha domesticada, não em depressão econômica (cresceu apenas 1,1% no último trimestre).

Ou seja, um colapso da Rússia seria sentido por toda a economia europeia, que ruma para sua terceira recessão, e também para a zona de influência da ex-URSS (incluindo países como a Ucrânia que dependem da ajuda ocidental), o que agravaria a brecha existente entre a aceleração econômica dos EUA (previsão de 3% para 2015) e a retração da Alemanha e do Japão (1,1%) e a desaceleração chinesa (prognóstico de 7% para 2015). Isto certamente representaria efeitos negativos para as exportações e a recuperação norteamericanas.

Geopoliticamente, a escalada retórica de Putin, acusando os Estados Unidos de querer “tirar a pele do urso russo e pendurá-lo na parede” em sua ofensiva para o Leste, aproxima o Governo de Moscou da China, da Alemanha e de outros adversários norteamericanos. Não à toa, os Estados Unidos realizou em dois dias movimentos que debilitam dois centros nevrálgicos de oposição ao governo Obama: Rússia e Venezuela.

A queda do rublo não é apenas uma debilidade russa, mas é expressão contundente da continuidade da crise econômica mundial, sobre um conjunto de “países emergentes” que não pode servir mais como contratendência à enorme queda depressiva dos anos 2008/2009. Por sua vez, uma nova crise nestes países semicoloniais e dependentes terá impacto importante. As desvalorizações monetárias, a fuga de capitais, a queda do crédito, o freio aos investimentos, o aumento da inflação e a incapacidade das empresas e governos para financiar a dívida anterior não são preocupações das “estepes russas”, mas também dos abutres imperialistas do Ocidente.

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