Quinta 16 de Maio de 2024

Nacional

Escândalo do “mensalão”: PT sofre forte golpe e está “nas cordas”

Quem te viu, quem te vê: a crise de "representação" do PT

15 Jun 2005 | “Como se formam estas situações de contraste entre ‘representados e representantes’, que do terreno dos partidos [...] refletem-se em todo o organismo estatal...” Antonio Gramsci – Maquiavel, a política e o Estado moderno   |   comentários

Em fevereiro de 2004, o escândalo do Waldogate envolveu em corrupção um assessor direto do então ministro José Dirceu. As eleições municipais aumentaram a quantidade de votos do partido, mas lhe impós grandes derrotas em São Paulo, Porto Alegre e outras importantes cidades de concentração operária e de classe média.

Logo em seguida, em fevereiro deste ano, o partido e o governo foram derrotados nas eleições para a presidência da Câmara Federal. Assumiu Severino Cavalcante, do PP ’ partido do malfadado Maluf, agora componente da base governista de Lula. Uma derrota que abria uma conjuntura de crises recorrentes que fragilizavam o governo e o PT, visto que a oposição burguesa ’ principalmente o PSDB e o PFL ’ viu-se mais encorajada para iniciar uma ofensiva visando as eleições de 2006 e também a necessidade de impedir que o PT avançasse em seu domínio incontestável sobre os demais partidos e os organismos estatais ’ empresas e órgãos públicos.

De la para cá, disputas internas no partido se somaram a crises na relação deste com as frações burguesas que constituam a base governista e passavam a assumir uma disputa mais aberta em torno de espaços no governo ’ ministérios, cargos, controle de estatais, força no Congresso. A oposição burguesa tomava nota de todas as debilidades de maneira a ganhar terreno e enfraquecer o domínio petista.

Nessa nova conjuntura, aparecem sinais de abalos entre o governo e frações dirigentes do PT ’ ministro Gushiken, pró-Palocci, contra Dirceu e cia. ’, levando o próprio Lula a declarar que a fonte dos seus problemas era o seu partido e as disputas fracionais entre a sua direção e não somente com as correntes de esquerda, que estavam disciplinadas depois da expulsão dos “radicais” e aceitavam covardemente as ordens do partido e do governo, quando muito fazendo críticas pontuais.

Tensões foram se acumulando até a explosão no dia 14 de maio das denúncias de que o PT, além de repartir os cargos de direção de empresas estatais e órgãos públicos como mecanismo burguês de cooptação, organizara o pagamento de uma “mesada” de R$ 30 mil ’ “mensalão” ’ para dezenas de deputados de partidos como o PP e o PL ’ do vice-presidente José Alencar, que até agora “não deu sinal de vida” ’ em troca de apoio político nas votações favoráveis ao governo Lula, principalmente suas contra-reformas da previdência, universitária, sindical-trabalhista e demais medidas antipopulares. Este escândalo ’ denunciado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), ex-dirigente da “tropa de choque” do governo Collor e elogiado por Lula como um grande “parceiro” a quem daria um “cheque em branco” como demonstração de total confiança ’ significa um duríssimo golpe no PT, de profundidade histórica. O partido está “nas cordas” e a oposição burguesa ’ PSDB, PFL ’ se coloca na ofensiva, mas faz de tudo para preservar o governo Lula e evitar que a crise política fuja do controle e ameace a estabilidade do regime de domínio ’ Presidência, Congresso, Justiça etc.

Apesar de todas as tentativas de “blindagem” , por atingir o “partido do governo” , esta crise também golpeia o presidente, ainda que continue tendo sua imagem pessoal bem avaliada. Em pesquisas de opinião, a maioria absoluta dos petistas, 65%, acredita que existe corrupção no governo Lula e 77% desses crêem que Lula tem alguma responsabilidade nos casos de corrupção; 28% (antes eram 14%) definem que o governo “respeita mais os ricos” enquanto 51% (antes eram 70%) declaram que Lula “respeita mais os pobres” . A imagem do PT foi tão gravemente abalada que 48% dos próprios petistas opinam que o partido realmente pagava o “mensalão” e 43% afirmam que muitos políticos do partido estão envolvidos em casos de corrupção.

A direção do PT, com a conivência da esquerda petista, reage para “salvar” o partido

Caiu o ministro José Dirceu e a direção do PT confessou sua culpa ao definir a reação política sob o slogan “em defesa do PT e da democracia” , inclusive convocando um Ato político em São Paulo no dia 17 (2.000 pessoas), onde a “estrela” foi o ministro derrotado. Criou-se uma teoria de conspiração da direita (negam-se a falar em burguesia), de Bush, contra o PT e o governo. Esta “conspiração” é uma farsa porque fica difícil convencer até uma criança de que Bush ou a burguesia, que tanto ganham com o governo Lula e o PT, estejam dispostos a dar um “golpe” contra os seus “capachos” .

Essa reação da direção petista era a própria confissão de culpa, pois não podiam apenas “defender os dirigentes diretamente acusados” ’ Delúbio Soares, tesoureiro, e Silvio Pereira, secretário-geral. Assim, tendo que “defender o partido” a direção do PT assumiu que o partido ’ toda a sua direção, ou a maioria ’ estava envolvido. Acuada, a direção petista buscou um porto seguro que lhe permitisse ancorar até recuperar forças. Em nome da “defesa do PT” lançava o sinal para que a esquerda petista se alinhasse com a maioria e deixasse de lado a disputa eleitoral já iniciada para a mudança de direção em setembro ’ PED (Processo de Eleição Direta), onde concorrem sete chapas, e a direção petista tenta reeleger o envolvido José Genoino para presidente do partido.

A burguesia, Lula, senadores, deputados, dirigentes petistas da maioria e da esquerda exigiam a “cabeça” do tesoureiro petista Delúbio Soares e de Silvio Pereira, secretário-geral, responsabilizados pelo esquema de “mensalão” . Como se lê na Folha de S. Paulo do dia 19, “desafiando a opinião de várias correntes internas e mesmo de integrantes da cúpula partidária, os dois dirigentes petistas mais implicados no escândalo do ”˜mensalão”™ recusaram-se ontem [reunião do diretório nacional], em tom de ameaça velada, a deixar seus cargos” . Silvio Pereira chegou a confessar que “o que eu fiz foi decisão partidária” , envolvendo toda a direção e suas instâncias ’ o que não exclui a esquerda petista. José Dirceu, Genoino e a direção majoritária do PT ’ para não ficarem isolados ’ novamente recorreram à esquerda petista para costurar um acordo que evitasse a saída de Delúbio e Silvio sem comprometer as “partes” . Em reunião do Campo Majoritário, dia 17, se constituiu uma Comissão presidida por Paulo Ferreira ’ secretaria internacional do PT ’ para negociar com todas as correntes de esquerda a reunião do diretório nacional no dia seguinte, de maneira a evitar um confronto aberto entre a maioria e a esquerda. Foi um acordo que preservou a “imagem” de todos, garantindo que a esquerda apresentasse suas resoluções ’ que não seriam sequer discutidas seriamente ’, mas não se configurasse qualquer crise ou ruptura. Ao final, todos saíram “felizes” . Na realidade, a direção majoritária do PT, que temia a reunião do diretório e esperava alguma reação ofensiva da esquerda, saiu feliz e ciente de que realmente continua dominando o partido, mesmo numa crise como essa.

“As quatro principais tendências de oposição ’ as radicais [sic] Articulação de Esquerda, Democracia Socialista e Ação Popular Socialista e a moderada Movimento PT ’ chegaram a negociar uma resolução conjunta pelo afastamento de Delúbio e Silvio” e “também o afastamento do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e do ministro da Previdência, Romero Jucá” (Folha de S. Paulo, 19/06). Certamente, a esquerda petista vai tentar justificar sua capitulação com a velha desculpa de que “somos minoria” , mas ninguém obriga a minoria a aceitar os acordos com a maioria. Na Folha de S. Paulo de 22 de junho, aparece que “no sábado [reunião do diretório], o movimento PT e a esquerda pediram mais espaço. E redigiram um documento comum em que, além da reivindicação, recomendam a licença de Delúbio e Silvio. A pedido de Genoino, concordaram em poupá-los” . A prova da covardia política da esquerda petista está aí, pois concordou em poupar Delúbio e Silvio “a pedido” ’ não obrigada ’ “de Genoino” . Além de acatar e aceitar os “pedidos” da direção petista ’ os denunciados ’, a esquerda petista irá participar de uma Comissão Política “encarregada de administrar o partido durante a crise” e “cuidar da PED, da relação com o governo, com os Estados e com militantes” .

Quem esperava alguma ação mais séria, corajosa e ativa da esquerda petista, mesmo no interior do partido sofre mais uma decepção. Quem mantinha ilusões de que essas correntes de esquerda poderiam aproveitar essa crise histórica do PT para se colocar como uma alternativa real, rompendo com o partido e com a aliança de classes, se desilude e terá que conviver com essa esquerda ao lado de Genoino, Dirceu, Delúbio, Silvio e outros na defesa do governo Lula.

Haja covardia política e oportunismo!
O PT não será mais o mesmo, porque foi atingido em sua essência

A própria burguesia costumava apresentar o PT como o único partido “ideológico” , pela forte ligação e identidade como representante de amplos setores dos trabalhadores e das massas. Este termo “ideológico” significava que o PT havia alcançado a condição ’ autoridade ’ de “representante” desses amplos setores de massas que se sentiam “representados” por este partido. Aqui estava a essência do PT. Daqui derivava a força deste partido que se expressava não apenas em voto, mas no seu controle e domínio sobre os sindicatos, a CUT, o MST, a UNE, grandes organizações de massas e ONGs dirigidas ou influenciadas pelo PT, servindo como correias de transmissão de sua estratégia de conciliação de classes com a burguesia, a patronal e o imperialismo.

Mesmo depois de dois anos de governo petista em que se desmascaravam com o salário mínimo de R$ 300,00, o reajuste de 0,1% para os servidores públicos, a não reforma agrária e o corte nos gastos públicos, tudo para cumprir os acordos com o FMI e a burguesia em nome da “confiabilidade e da governabilidade” , este partido mantinha a confiança popular ’ sua essência. Agora foi o próprio PT quem se lançou na podridão da democracia dos ricos, mostrando de uma vez por todas que era um partido integrado ao regime, logo, agia no governo igual aos demais partidos, com os mecanismos de cooptação burgueses ’ a nomeação política, o loteamento de cargos, o “toma lá dá cá” , a liberação de verbas em troca de apoio político e a corrupção direta.

A atual crise política fere o PT justamente aí. O PT não será mais o mesmo, porque grandes massas já não o vê como antes. O PT vive uma crise superior que gera um contraste ’ desconfiança ’ com os seus “representados” ’ os trabalhadores e as massas ’ que já não mais o verá como antes, como o seu “antigo” partido ’ “ético” , “distinto” , “transformador” . Isso não significa que o “PT esteja morto” nem que sua hegemonia tenha sido derrotada. Infelizmente, a força da nefasta ideologia reformista deste partido continua e continuará por algum tempo na consciência das massas, e a perda de confiança não será generalizada, permitindo-lhe conservar base social suficiente para se recompor, porém não será mais o “velho PT” . A capacidade de recomposição deste partido será inversamente proporcional à energia dos setores classistas e da esquerda revolucionária para consolidar-se como uma real alternativa capaz de desmascarar essa direção traidora perante os milhões de trabalhadores que movem a economia capitalista (indústria, bancos, transporte, petróleo, comércio e serviços) e se organizam e referenciam na CUT e seus grandes sindicatos ainda dirigidos pelos burocratas ligados ao PT.

Provavelmente, a desilusão de muitos fortalecerá, num primeiro momento, os partidos burgueses; outros rejeitarão os partidos e a “política” em geral identificados como “sujeira e roubalheira em favor de uma minoria” ; uma pequena fração se inclinará à esquerda, estimulada pela ação consciente das correntes classistas e revolucionárias armadas de uma nova alternativa política que alimente a reorganização classista e revolucionária ’ anticapitalista e antiimperialista ’ de amplos setores das massas para avançar na experiência de ruptura com o petismo e a conciliação de classes. Daqui sairão os frutos de uma nova vanguarda que se posicione decididamente como uma nova direção armada com estratégia, programa e táticas para unir e coordenar os trabalhadores, empregados e desempregados, com os demais setores explorados e oprimidos pelo atendimento das demandas fundamentais das massas, em conjunto com um plano de ação capaz de enfrentar o capitalismo e os capitalistas com métodos combativos ’ greves, piquetes, ocupações de fábrica, democracia operária, organização independente dos patrões, expulsão da burocracia sindical petista e seus comparsas ’ que criem o caldo de cultura para transformar os atuais sindicatos e entidades em organizações a serviço da luta operária e da unidade das massas contra a exploração capitalista, não mais para esperar “reformas” e “mudanças” que nada mudam.

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