Segunda 6 de Maio de 2024

Nacional

DECLARAÇÃO DIANTE DA APROVAÇÃO DA "COMISSÃO DA VERDADE"

Por uma estratégia independente na luta contra a impunidade da ditadura

30 Sep 2011   |   comentários

Como já se esperava, na semana passada foi aprovada na Câmara dos Deputados a dita “Comissão da Verdade”, para supostamente apurar os crimes cometidos pelo Estado durante a Ditadura Militar. Ainda resta aprovar no Senado para que enfim entre em vigor, mas o certo é que com a aliança costurada pelo Governo Dilma com todas as Forças Militares, a direita tradicional herdeira da ARENA, partido oficial dos anos de chumbo, e os demais partidos da base aliada, a comissão seja aprovada sem nenhum problema. A prova de que esta "comissão da verdade" está tutelada pelos agentes da ditadura pode-se ver no fato de que o relator do projeto - deputado Edinho Araújo (PMDB-SP) - foi prefeito de Santa Fé do Sul, em 1976, pela Arena, ficando nesse partido até 1981. O cargo de relator foi, como está na imprensa, negociado com o DEM ("Arena modernizada"), que exigiu um parlamentar "confiável" de modo a não correr riscos na apuração dos crimes da ditadura.

Essa comissão foi negociada pelo governo e os partidos do regime, incluindo PT e PCdoB, para não permitir que o acesso aos documentos da ditadura sirva para julgar e punir os militares e civis responsáveis pelos assassinatos, estupros, torturas, sequestros e desaparecimentos cometidos durante o período de 1964-85. Mas, apresentada pelo governo através do PL 7376/2010, a chamada “Comissão da Verdade” acaba sendo uma farsa para manter impunes os criminosos da ditadura e ocultos os crimes e práticas cometidas, uma vez que propõe manter os arquivos de segurança nacional fechados por mais 25 anos (fora os 47 desde o dia 1 de Abril de 1964, dia do golpe), prorrogáveis por mais 25 e, mesmo quando se apurar os responsáveis, não deve haver nenhuma punição! É vergonhosa e absurda a posição do Governo Dilma, ex-guerrilheira que lutou contra a ditadura, que mantém a proposta feita por Lula, ainda presidente, em maio de 2010. Além disso, o governo Brasileiro se recusa a cumprir a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que determinou a punição dos responsáveis pelo assassinato de mais de 70 militantes na Guerrilha do Araguaia, fato que deixa evidente que Dilma/PT/PCdoB preferiram se aliar aos militares e civis criminosos, e à direita, para manter a estabilidade do “regime democrático”, novamente abalado por escândalos de corrupção desde os primeiros meses do novo governo. Ou seja, toda a negociata para essa comissão "da verdade" comprova que todos se uniram para garantir que a impunidade continue como "garantia de governabilidade".

Diante dessa situação os movimentos de direitos humanos, de presos e de familiares de desaparecidos resolveram se articular para "pressionar" no sentido de alcançar alguma participação nesta "comissão da verdade". Em São Paulo ocorreu o lançamento do comitê paulista na Câmara Municipal, no dia 5 de Setembro, que gerou um manifesto com palavras de ordem como: “Abertura Imediata dos Arquivos da Ditadura Militar, Punição aos Torturadores e pela conformação de uma Comissão da Verdade Autônoma e Independente”, bandeiras com as quais temos acordo.

Apesar disso, no interior dos comitês estaduais ainda estão presentes setores governistas dos movimentos sociais, de direitos humanos e do próprio PT e PCdoB, que atuam como ala do governo em seu interior para “negociar melhor” algumas migalhas que arranquem pelo menos uma declaração oficial de que o Estado cometeu crimes de “Lesa Pátria” e “Lesa Humanidade” nesse período, ou declarações oficiais que atestem responsabilidade ao regime militar pelas mortes, desaparecimentos e torturas ainda não oficializadas.

Para isso estão dispostos a ceder nos termos “radicais” que constam no manifesto do Comitê Paulista. O principal é que articulam a grande maioria de suas ações depositando ilusões de que é possível conseguir avanços através das instituições burguesas como o parlamento e a justiça, com emendas no PL 7376 e manobras políticas e jurídicas na Câmara, no Senado e nos tribunais, sem combater a estratégia do governo Dilma de manter o pacto de governabilidade-impunidade com os militares e a burguesia.

Para nós da LER-QI, se trata de avançar na polêmica de conteúdo dentro deste Comitê Paulista, e pontuamos nossa divergência estratégica com a idéia de que a abertura dos arquivos e a punição aos torturadores devem estar a serviço de “consolidar a democracia”, como consta na ultima versão do manifesto. Não concordamos com aqueles setores que acreditam que ao fim da ditadura passamos a viver um regime democrático que necessita ser “consolidado”, ou seja, fortalecido e estabilizado. Acreditamos que vivemos sob um regime democrático burguês degradado - democracia para os ricos, repressão, perseguição, prisão e tortura para os que lutam, @s negr@s, @s pobres e a juventude - que impôs uma transição pactuada do regime militar aos dias de hoje, com a conivência e participação dos principais partidos de esquerda na época (PCdoB e PCB que atuavam na frente burguesa MDB), que com a negociação da Lei da Anistia com os militares e a burguesia, deixou margem para igualar torturados e torturadores, o que dá as bases para o STF manter impunes nos dias atuais os militares e civis envolvidos nos crimes da ditadura.

Infelizmente, esses setores, ainda que falem em abertura dos arquivos e fim da impunidade, pretendem apenas ter "participação" nesta Comissão fraudulenta, sem contestar e combater a estratégia do governo e dos militares e, nesse sentido, não podemos concordar com este manifesto, pois estaríamos nos enganando e enganando a todos de que seria possível apurar seriamente, julgar e punir com essa Comissão tutelada pelos militares; sem exigir a revogação da Lei da Anistia que impõe que não haja nenhuma punição aos torturadores nem a abertura de todos os arquivos, imediata e incondicionalmente.
Por esses fundamentos, como ala minoritária da diretoria do Sintusp, não concordamos que nosso sindicato assine este manifesto, e nos espelhamos no caso da Argentina, em que pese as Mães da Praça de Maio terem se vendido ao governo, a luta pela apuração, juízo e castigo não se enfraqueceu precisamente porque vários setores combativos se unificaram pela independência em relação ao governo como premissa para buscar seus objetivos. Por isso estão conseguindo, apesar de todo o peso do governo e dos militares, impor julgamentos exemplares contra os assassinos daquele país.

Não haverá apuração nem punição com uma comissão moldada e controlada pelos militares, políticos, juízes e empresários ou representantes destes criminosos; não haverá apuração nem punição sem a abertura incondicional dos arquivos, sem investigação independente do governo. Queremos seriamente o fim da impunidade e conclamamos as organizações de direitos humanos, de ex-presos e familiares de desaparecidos, os sindicatos, partidos e centrais sindicais que se reivindicam classistas, de esquerda e democráticos, especialmente a CSP-Conlutas e os principais dirigentes do PSTU (como Zé Maria), a rever sua posição de assinatura do manifesto para, então, depositarem todas as suas forças nas ações independentes do governo para apurar, julgar e punir os criminosos, seus mandantes e apoiadores militares e civis, não permitindo que mais uma vez o pacto de governabilidade-impunidade se imponha contra a memória, verdade, justiça e castigo.

São Paulo, 30 de setembro de 2011

Assinam:

Domenico Colacicco, Claudionor Brandão, Diana Assunção, Marcelo "Pablito", Diretores do Sindicato de Trabalhadores da USP e militantes da LER-QI; e André Pansarini Diretor do Sintusp e militante da Corrente Luta de Classes.

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