Sexta 3 de Maio de 2024

Questão negra

13/11 - SEMINÁRIO: A CLASSE TRABALHADORA, A QUESTÃO NEGRA E A OPRESSÃO RACIAL

Para libertar os negros da opressão e da exploração é necessária uma estratégia revolucionária

15 Nov 2012   |   comentários

O seminário sobre a questão negra no Sintusp ocorre em meio à uma das maiores ofensivas repressivas da PM de São Paulo nos bairros, favelas e periferias, em que o alvo prioritário é a juventude pobre e negra. A cada noite são novos números de assassinatos promovidos pela PM ou pela ação de grupos de extermínio que têm transformado a cidade em um campo de guerra. Para aqueles que têm qualquer dúvida sobre o papel social da PM, confundindo-os inclusive com trabalhadores, esta mostra uma vez mais que seu motivo de existir é a manutenção da ordem social de exploração em que vivemos agindo como um braço armado a serviço de manter a propriedade privada dos meios de produção e os interesses da classe dominante e que para os trabalhadores e a juventude reserva apenas a exploração e subjugação do desemprego, do trabalho precário, das milhares de mortes provocadas pelos acidentes de trabalho e da humilhação. E esta ordem que permite tornar-se comum milhares de trabalhadores como Januário, trabalhador da USP, em 2008 fosse violentamente agredido (teve sua mandíbula quebrada em frente à sua mulher e filhos) pela segurança de um supermercado de origem francesa porque era suspeito de entrar em seu próprio carro.

Os lucros destes capitalistas são assegurados pela repressão policial aos trabalhadores que lutam, aos pobres e negros se e pelo governo Dilma que, neste momento busca um convênio com Alckmin para supostamente combater o tráfico de drogas e a criminalidade em São Paulo. Na verdade buscam fazer uma verdadeira ocupação militar das favelas como São Remo e Paraisópolis, estendendo a São Paulo o que já ocorre no Rio de Janeiro onde as favelas foram militarizadas e o governador Sérgio Cabral (PMDB) falava em 2007 a favor da legalização do aborto sob o argumento de que as mulheres pobres que engravidam eram fábricas de marginais. Certamente o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que se elegeu em aliança com Paulo Maluf, reconhecido pelo slogan “Rota na rua” certamente prestarão bons serviços junto ao PSDB na tarefa de conter os pobres sob as botas da PM. Como não poderia deixar de ser: na classificação da maior parte das mortes dos chamados “autos- de resistência” o catálogo policial não falha na definição da cor dos mortos: “cor padrão”.

Em um cenário de crise econômica, que já começa a dar seus primeiros sinais no Brasil, e onde os negros serão os primeiros atingidos, esta ofensiva repressiva prepara o terreno para novos e profundos ataques ao conjunto da classe trabalhadora. É desta forma que os capitalistas vão buscar descarregar sobre as costas dos trabalhadores os custos de sua crise, bem como assegurar a especulação imobiliária que tem patrocinado anonimamente as dezenas de incêndios criminosos nas favelas e prepara o despejo de milhares de famílias em toda grande São Paulo.

No Brasil, que em seu passado foi o principal destino dos milhões de homens, mulheres e crianças sequestrados de sua terra para tornarem-se escravos, ainda hoje é o maior país negro fora do continente africano (em 2009, segundo dados do Dieese mais da metade da população (51,2%) entrevistada na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) declarou-se negra ou parda. O “país do futuro” de hoje não consegue apagar a marca de ser o último país do mundo a abolir formalmente a escravidão negra que sobrevive na brutal exploração sofrida pelos negros e negras condenados a morrer nas enchentes, sobreviver no trabalho precário, e nas chacinas policiais nas favelas e periferias. Aqui a justificação da escravidão e da brutal exploração e opressão aos negros não se deu apenas através do racismo científico do século XIX, “fundamentado” em aspectos culturais e biológicos, com base nos quais se alegava a superioridade dos europeus e a inferioridade dos negros que teriam características psicológicas próprias de sua raça como a agressividade e utilizado para dar justificação teórica à acumulação primitiva capitalista e à dominação imperialista do continente africano que foi retalhado pelas potências europérias na Conferencia de Berlim de 1885.

Dos argumentos que permitiam à elite colonizadora portuguesa na África afirmar que lá existiam “Raças não só diferentes, mas cientificamente inferiores à nossa” foram se criaram outros argumentos para perpetuar o racismo de forma velada sob o manto da chamada teoria da democracia racial, ou seja, a teoria de que no Brasil os negros e seus opressores viveriam forma harmônica, sem conflitos decorrentes de discriminações ou a segregação imposta em países como os EUA, e de que o Brasil seria um país onde são todos mestiços em que estariam em iguais condições.

Ao contrário de uma democracia entre as raças, o que vimos durante o governo Lula, por exemplo, que levava como slogam “um país de todos”, é que enquanto os negros se iludiam com o avanço gradual e evolutivo do pais, e o governo alardeava a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, este mesmo governo liderava a ocupação militar do Haiti, o pais mais pobre da América Latina fazendo um ótimo serviço ao imperialismo norte-americano e europeu e aprofundava o trabalho semi-escravo terceirizado e precarizado nas obras do PAC. Foi durante a era Lula que se constatou que, no que se refere á violência policial em todo o país cresceram os assassinatos contra os jovens negros: “entre os jovens, esse processo de vitimização por raça/cor foi mais grave ainda. O diferencial (índice de vitimização) que em 2002 era também de 46% eleva-se para 78% em 2005 e pula para 127% em 2008. Neste mesmo ano se constatou que morreram 103% mais negros que brancos”, e em alguns estados como a Paraíba comparativamente morrem 1.083% mais negros do que brancos. No governo Dilma que aprovou recentemente lei de cotas raciais, as mulheres continuam amargando uma realidade em que pelo menos 70% das mulheres negras que trabalham estão em trabalhos precários. Estas mulheres também são aquelas que preenchem as maiores estatísticas do desemprego entre todos os grupos de trabalhadores do país (13,08%) ganhando a menor renda média nacional. No emprego doméstico, dos 7,22 milhões de ocupados, 93% são mulheres, a maioria, negra.

Segundo dados do Dieese, em 2009, as pessoas pardas ou negras ganhavam em torno de 70% dos rendimentos das pessoas brancas com 12 anos ou mais de escolaridade, mesmo com o mesmo nível de escolaridade e mesmo sendo a maior parte da população economicamente ativa os negros ocupam os maiores índices de desemprego e os negros ocupam os maiores índices nos empregos sem carteira assinada 18%, enquanto entre os brancos 13,8%.

Ainda no que se refere à repressão, o governo que criou a Comissão da Verdade e vai manter impunes os torturadores que seqüestraram, torturaram e assassinaram jovens e trabalhadores que lutavam contra a ditadura os ideólogos da classe dominante deixam transparecer o medo da classe dominante às respostas que a juventude e a classe trabalhadora brasileira podem dar à esta sociedade de exploração. Em recente estudo do Núcleo de Estudos da Violência afirmam que durante a ditadura a modalidade de violência policial predominante era de “contenção politica”, enquanto na transição democrática seria de “contenção social”, o grande problema desta segunda seria que:

Os casos de violência policial, (...) alimentam um sentimento de descontrole e insegurança que dificulta qualquer tentativa de controle e pode até contribuir para a escalada de outras formas de violência. (...) Estes problemas, se não forem solucionados, particularmente em democracias emergentes como o Brasil, podem gerar problemas políticos, sociais e econômicos sérios e podem contribuir para a desestabilização de governos e de regimes democráticos."

Isso significa que os analistas acadêmicos a serviço da classe dominante sabem e calculam que em um país tão profundamente desigual, em que a maior parte de seu povo vive em precárias condições de vida e de trabalho, em que os negros são parte dos setores mais explorados é inevitável que as contradições da sociedade de classes se expressem em explosões sociais e políticas, pois a resposta à repressão pode questionar diretamente o governo. É por isso, que uma burguesia como a brasileira, espremida historicamente entre o imperialismo e a população negra, que compõem majoritariamente o proletariado brasileiro utiliza da repressão policial e a concessão de pequenas migalhas para conter esta imensa força social e o fantasma da revolução, pois têm consciência de que sem a repressão e o racismo, a luta do povo negro poderia passar ao questionamento do próprio capitalismo e à “desestabilização de regimes democráticos”. Esta afirmação é o que desmascara a suposta divisão da atuação da policia, já que a “contenção politica” e a “contenção social” estão completamente ligadas. A ação da Guarda Nacional em Jirau, a repressão aos operários das obras do PAC, são a demonstração de que o ataque ao direito de greve implementado pelo governo Dilma e a manutenção desta ordem social só podem ser exercidos através do braço armado do “Estado democrático de direito” que na verdade é uma ditadura dos ricos sobre os trabalhadores e o povo pobre.

Por todos os temas levantados é possível concluir que, ao contrário do que alguns setores dentro do próprio movimento operário chegam a defender a idéia absurda de que debater a questão negra seria dividir a classe trabalhadora, é necessário entender que através da opressão racial a própria burguesia aumenta muitíssimo a exploração sobre os negros e, por esta via à classe trabalhadora como um todo, pois é rebaixando os salários e atacando as condições de vida dos setores mais explorados desta classe que a burguesia consegue rebaixar, dividir e enfraquecer a enorme classe trabalhadora brasileira, a expressão mais direta desta divisão ocorre na naturalização de que existam trabalhadores de 1ª. e 2ª. categoria, efetivos, temporários, terceirizados, e desempregados onde, como foi mostrado, se concentram a ampla maioria dos negros.

A única forma de responder a esta divisão imposta pelos patrões, pelo governo e corroborada até hoje pelas centrais sindicais, é levantar uma política que unifique as fileiras da classe trabalhadora e que os sindicatos e organizações da classe operária assumam a defesa da equiparação dos direitos e salários para todos os trabalhadores terceirizados e precarizados, a divisão da jornada de trabalho sem redução dos salários e a unidade das fileiras operárias, assumindo para si a demanda dos setores mais explorados para derrotar os capitalistas e libertar o conjunto dos trabalhadores das correntes do trabalho assalariado. Isso significa que a perspectiva de atender as principais necessidades dos negros não pode existir por fora, como defendem setores do movimento negro, mas como uma tarefa fundamental da própria classe trabalhadora brasileira.

Em um cenário politico internacional cortado pela crise econômica capitalista internacional e, logo após a reeleição de Obama nos EUA, nem de longe isso significou uma melhora nas condições de vida dos negros, imigrantes e mulheres que votaram amplamente em Obama, ao contrário a decadência capitalista prepara a países como o Brasil consequências catastróficas, atingindo em primeiro lugar os negros e aprofundando brutalmente sua exploração através do desemprego, do despejo, da fome e da miséria. Em vários países a resposta da burguesia à crise já aponta neste sentido, com o aumento da exploração, do desemprego, das leis anti-imigração, fechando suas fronteiras nacionais, dividindo os trabalhadores e semeando o ódio entre nativos e estrangeiros para manter a dominação imperialista sobre as semi-colônias. Quando os negros se levantam contra sua exploração a história e fatos recentes como a greve dos mineiros na África do Sul, em que o governo e a policia promoveram o maior massacre desde o apartheid, demonstram que a burguesia responderá da forma mais reacionária com a guerra civil e brutal repressão. Esta greve demonstra que nesta época de decadência do capitalismo, as saídas reformistas não podem libertar os negros e tampouco acabar com o racismo e a miséria, e que a perspectiva em que precisamos nos preparar á para o confronto entre duas perspectivas estratégicas: a barbárie capitalista ou a revolução operária, socialista e internacional, a única perspectiva que pode dar uma saída progressiva à barbárie capitalista. Em países como o Brasil, que têm uma burguesia nascida no campo e submissa ao imperialismo as saídas reformistas apresentadas por partidos como o PSOL, que fala em socialismo e na prática faz coro com o PT e Dilma pedindo cooperação entre as policias para aprofundar a repressão policial, ou Marcelo Freixo que pede UPP´s “sociais” e em Belém fazem uma frente eleitoral com o apoio do PT e PDT, para não falar em Macapá que se elegeram com o apoio do PSDB, PPS e DEM, com sua campanha financiada pelas empresas estão ainda mais fadadas à falência e exige dos negros que compõem a maior parte da imensa classe trabalhadora brasileira uma estratégia fundamentada na independência de classe, na sua auto-organização para colocar de joelhos a classe dominante. Exige que os explorados, oprimidos e humilhados devem ser os maiores interessados em preparar a derrota do capitalismo e da burguesia imperialista através de uma saída operária e socialista que exproprie os capitalistas, contra a ditadura dos ricos imponha um governo operário e popular que planifique a produção a serviço dos interesses da classe trabalhadora e do povo pobre, assumindo um lugar destacado na revolução brasileira, pois como dizia Leon Trotsky, aqueles que mais sofreram com o velho são os que lutarão com mais força e abnegação pelo novo.

Ações afirmativas: o mínimo pela metade

Um outro tema bastante debatido, sobretudo com a aprovação das cotas raciais pelo governo Dilma e que permeou as discussões sobre o acesso à educação em todo o país é o tema das cotas raciais. Diante de uma educação superior tão elitista, o movimento negro têm, em sua maioria feito concentrado suas reivindicações nas chamadas ações afirmativas ou de reparação e em uma estratégia de pressão ao governo para a implementação das cotas raciais nas universidades, como se o atendimento desta demanda significasse a solução de todas as necessidades dos negros e negras, o que consideramos um completo equivoco.

Partimos de que as cotas raciais são demandas mínimas do povo negro, que tal como foram formuladas até hoje pelo Estado não respondem às necessidades da maioria esmagadora dos negros que seguem vivendo em condições de miséria. Para além disso, partimos de que esta demanda deve estar ligada a um programa que levante o fim do vestibular, mais verbas para a educação e para que a utilização desta seja democraticamente decidida pelos estudantes, professores e trabalhadores a partir de organismos democráticos e de uma Estatuinte Livre e Soberana que dissolva o poder de organismos reacionários como o Conselho Universitário e a reitoria. Por outro lado esta demanda não pode estar desassociada e a estatização das universidades privadas, tampouco pode solucionar o problema do acesso à educação da maioria da juventude que está segregada do lado de fora das universidades brasileiras.

Ainda assim, apesar de ser uma demanda mínima que beneficia apenas uma pequena parcela dos negros, o racismo da elite branca brasileira e seu medo da maioria negra querer se afirmar com os métodos da luta de classe é tão grande que mesmo a mais mínima concessão tem o potencial de gerar crises importantes, colocando o problema da opressão histórica ao povo negro em pauta, questionando a naturalização do racismo proporcionada pela ideologia da “democracia racial”. É o que vimos acontecer quando as cotas começaram a ser implementadas em algumas universidades e fomentaram a ação de grupos racistas de cunho fascista, ou ainda em recente debate no C.O. da USP, criada em 1934, com o intuito de formar uma elite intelectual e politica paulistana, que defendia a “seleção dos mais capazes” através do exame vestibular desde 1911, quando foi criado, significa um filtro social que permitia o ingresso apenas dos filhos da aristocracia fundiária, e ainda hoje mantém para fora dos muros da universidade cerca de 149.603 pessoas todos os anos.

Uma política de cotas minimamente justa deveria partir de ser proporcional à quantidade de negros de cada estado, e não percentuais aleatórios de acordo com o que for possível conciliar com as elites mais ou menos racistas de cada região. Para que as ações afirmativas se constituam como demandas mínimas que ajudem os negros a avançarem em sua organização independente em aliança com a classe trabalhadora, devem estar ligadas à luta por emprego, moradia, saúde, cultura e lazer dignos para a maioria esmagadora da população, que é explorada e oprimida, e que sabemos ser na sua maior parte negra. Ou seja, é inadmissível que diante da profundidade da exploração e opressão que vive o povo negro, setores do movimento negro reivindiquem as cotas raciais como um fim em si mesmo e como se esta demanda elementar poderia solucionar toda a opressão racial e a opressão racial com algumas migalhas. Ao contrário, é necessário debater abertamente no movimento negro que as cotas são a única resposta parcial e degradada que o capitalismo brasileiro pode conceder, posto que é um sistema de superexploração que para garantir os lucros patronais e o saque imperialista não pode sequer desenvolver o país, massificar e universalizar a educação pública e gratuita tanto no nível básico, médio e superior e garantir um nível de desenvolvimento social capaz de integrar o povo negro como “cidadão” digno. Que enquanto houver capitalismo haverá racismo, mas que o movimento sindical, a esquerda e os revolucionários devem se colocar na linha de frente da luta pelas demandas do povo negro, ainda que sejam parciais como as cotas e ao mesmo tempo desmascarar como o capitalismo não tem nada a oferecer aos negros a não ser as correntes de sua exploração e opressão, e, por isso é necessário uma estratégia revolucionária que busque constituir uma verdadeira aliança classista e revolucionária entre operários brancos e negros para encarar o combate à super-exploração dos negros e a violência racista e policial como parte da estratégia de combate ao conjunto do Estado capitalista e seu sistema econômico de exploração, a única perspectiva que pode levar à emancipação do povo negro, subordinando as lutas parciais pelas reivindicações mínimas a essa estratégia.

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