Sábado 4 de Maio de 2024

Internacional

Itália

Os grevistas atropelam a burocracia

15 Feb 2004   |   comentários

As lutas dos trabalhadores dos transportes na Itália exigem uma nova radicalidade. Em 9 de janeiro os trabalhadores do transporte, organizados em coordenadoras e pelos chamados sindicatos de base (Cobas, Cub, RdB) e contra a vontade dos sindicatos tradicionais (CGIL, CISL e UIL), realizaram uma bem sucedida paralisação. Mais além das reivindicações dos trabalhadores (ver LVO 131), o grande fato político é que pela primeira vez em decênios se logra uma medida de força nacional exitosa em um setor chave da indústria e dos serviços, passando por cima dos burocratas sindicais. Isto coloca em questão a direção do movimento operário de uma das principais potências imperialistas.

Apenas há um ano e meio, Cofferatti, o ex-Secretario Geral da CGIL, organizava manifestações de vários milhões de pessoas e era apresentado como uma grande figura política. Porém, o que se viu atualmente nas mobilizações foi a vontade de luta da maioria da classe operária italiana, e não a política deste burocrata de turno. Hoje Cofferatti somente chega a candidatar-se como prefeito de Bolonha (longe de transformar-se no grande referencial para a “esquerda” reformista) e a CGIL está questionada em um dos pólos centrais da classe operária italiana. Não se descarta que isto possa extender-se como uma mancha de óleo.

A jovem classe operária italiana, que não está ligada organicamente aos “velhos sindicatos” nem aos “velhos partidos” (como esteve até a 15 anos principalmente ao PCI e a CGIL), e que está, sim, politizada, vê com simpatia e participa no movimento “antiglobal” , é quem hoje empurra o conjunto dos trabalhadores a lutar por suas reivindicações. Precarizados e mal pagos, sem referentes políticos e sindicais entre os dirigentes “oficiais” , os jovens trabalhadores são um dos elementos mais explosivos da situação política italiana atual.

As “greves selvagens” dos trabalhadores dos transportes se iniciaram em 1º de dezembro e se expandiram de Milão ao resto da Itália. Depois da paralisação de 9/01 se realizaram outras greves selvagens em Milão que duraram dois dias e terminaram com um aumento de salários para os trabalhadores dos transportes dessa cidade. Além da campanha iniciada pela imprensa burguesa, segundo as pesquisas do jornal A Republica, a maioria da população (52%) simpatiza com as medidas dos trabalhadores, em que pese que a centro-esquerda, a centro-direita e os sindicatos as repudiem. A justiça havia feito citações e ameaças aos trabalhadores milaneses dos transportes em greve, porém não foram respeitadas. Os chamados “serviços mínimos” que devem ser garantidos em determinados horários (algo que foi acordado entre as centrais sindicais e o anterior governo de centro-esquerda), foram violados pelos trabalhadores. O prefeito de Milão, que ameaçou com demissões massivas (as empresas de transporte na Itália são municipais), terminou por decretar um aumento de salário.

Não obstante este triunfo parcial (sobretudo porque é em nível local), a coordenadora de trabalhadores dos transportes convocou uma nova paralisação nacional para 30 de janeiro. As direções sindicais oficiais decidiram se calar e não criticam publicamente os trabalhadores dos transportes como fizeram em 1º de dezembro pelo importante consenso com o qual contam estes trabalhadores, e se dedicam a negociar alguma concessão das empresas de transporte, para tentar demonstrar que as coisas são “ganhas” na mesa de negociações, enquanto tentam acalmar a fúria dos motoristas. Mas há coisas que são óbvias. A edição do Il Manifesto de 15 de janeiro traz a manchete “Lutando se consegue” e explica em uma nota de capa que os trabalhadores não são nenhuns “selvagens” e se perguntam “aonde vai a CGIL?” (a velha central sindical “progressista” ) depois de haver sido atropelada pelos trabalhadores. Igualmente, o reacionário Corriere della Sera de 10 de janeiro reconhece que “Os Cobas já fazem parte da política nacional” depois do sucesso da greve de 9/01.

Nas importantes greves de hoje em dia, tanto na Alitália como entre os trabalhadores terceirizados da TIM e na educação, os dirigentes sindicais oficiais mantêm discursos “combativos” para evitar que se repita o panorama dos trabalhadores dos transportes. “Nunca como agora ’ responde Nannini da coordenadora da greve ’ registramos uma solidariedade de todas as partes” . Foi instituído um fundo de resistência, se multiplicam as ações de solidariedade, associações de consumidores lançam a “greve do bilhete de transporte” . “Parece difícil, mas não parece que esta revolta de base esteja próxima de apagar-se” , disse Francesco Picccioni no Il Manifesto de 21 de janeiro. É que a simpatia que esta luta gera está baseada em sua radicalidade, na decisão de ir até o final, no questionamento da burocracia sindical e no método democrático de ação decidido em assembléias e coordenadoras.

A crise dos sindicatos na Itália e o crescimento dos sindicatos “de base” coincidem com uma crise maior do reformismo no Velho Continente e com um crescimento da camada de “esquerda da centro-esquerda” . Isto que, na França, se expressa eleitoralmente nos votos da chamada “extrema esquerda” , na Itália, se deu através do movimento “anti-global” e pelos sindicatos “de base” . A Refundação Comunista, que se localizava à esquerda da centro-esquerda, hoje está preparando a aliança com a centro-esquerda de Olivo. Acaba-se de criar em Berlim uma corrente européia de todos os ex-PC stalinistas, que se preparam para fazer alianças com a social-democracia para que recuperar alguns governos (como seria o caso da Espanha e da Itália). No caso italiano, os sindicatos estão começando a ser questionados seriamente pela esquerda (no caso dos transportes, esse questionamento é de massas) e a juventude vem se politizando nos últimos anos no chamado “movimento dos movimentos” . Se a Refundação Comunista se joga muito em seu projeto de aliança com a centro-esquerda, haverá um importante setor de trabalhadores e jovens (particularmente entre a nova juventude operária) hoje em luta que podem perder o referencial político nos políticos “oficiais” . Os Cobas, Cub etc., apenas prometem ser mais “conseqüentes” do que a burocracia sindical em suas lutas, mas não propõem outra alternativa política que não seja “resistir” aos governos de turno e não lutar pelo poder dos trabalhadores. Não está descartado que, se instalando, se transformem em uma nova burocracia “de esquerda” com um discurso mais combativo. Para a paralisação de 30/01 chamaram a respeitar os horários “protegidos” pela lei antigreves (Il Manifesto, 21/1). É a estes trabalhadores e estudantes de vanguarda, que estão fazendo a experiência com a burocracia sindical e a centro-esquerda, que temos que propor uma alternativa política, um partido de trabalhadores revolucionário.

O Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) é a organização irmã da LER-QI na Argentina, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

Artigos relacionados: Internacional









  • Não há comentários para este artigo