Quinta 25 de Abril de 2024

Internacional

Os jovens das “banlieues” disseram basta à repressão policial racista: Revolta nas periferias francesas

30 Nov 2005   |   comentários

Hoje as periferias parisienses se encontram em revolta. Desde 7 noites (contando da redação deste artigo, em 3 de novembro), importantes grupos de jovens dos bairros mais empobrecidos se enfrentam com a polícia. O estouro iniciou-se em Clichy-sous-bois, periferia situada ao norte de Paris, e na sexta noite se estendeu a grande parte da periferia norte da capital. Pelas noites, os jovens em pequenos grupos atacam com pedras e molotovs as forças repressivas, e as representações das instituições como as delegacias. Enquanto o presidente Chirac pede “calma” , o primeiro-ministro De Villepin disse na Assembléia Nacional que a prioridade do governo é a de “restabelecer a ordem política o quanto antes” . O governo está dividido entre a ala mais “europeísta” que faz alarde de ser mais “social” de Chirac e De Villepin, e o outro setor encabeçado pelo “neoliberal” “atlantista” e “duro” Nicolas Sarkozy. Ainda que alguns como o ministro Azouz Begag criticam o “discurso guerreiro” de Sarkozy, nada dizem da intervenção policial. Sobre este tema estão completamente de acordo: o governo recém se reuniu para tratar do tema, e tem anunciado que “não perderá o controle do território” , o que significa mais repressão. O qual não evitará a continuidade das revoltas. O que está se mostrando aos olhos de todos é a “outra França” , de milhões de pobres que vivem nas periferias das cidades, e que em geral têm origem africana. Mas agora vejamos as razões pelas quais tudo isto se desencadeia na França.

Na noite de quinta-feira, 27 de outubro, três jovens menores de 17 anos (de origem africana e turca) que, atemorizados tentavam escapar de uma das duras e habituais “rondas” de repressão da polícia na localidade periférica de Clichy-sous-bois, se esconderam numa central elétrica. Eles estavam jogando futebol com outros 10 amigos e ao avistarem a polícia fugiram, fundamentalmente porque vários deles não tinham “papéis” . Dois deles morreram e o terceiro (se chama Metin, e não tem papéis) ainda se encontra em estado grave. Isto não é obra da casualidade nem da “imprudência” destes garotos: isto é produto lógico da política de “tolerância zero” que consiste em reprimir e aterrorizar aos jovens dos bairros pobres e periferias das cidades francesas. Já em 2002 o atual presidente Jacques Chirac embasou a campanha para sua reeleição no reforço do aparato repressivo, e particularmente no aumento de polícias nas zonas mais degradadas, onde residem particularmente os imigrantes (seus filhos) originários em sua maioria de países árabes ou da à frica negra.

É óbvio que nestes bairros de prédios minúsculos e insalubres, o desemprego é o dobro da média nacional (10% na França, 20% nestas periferias) e a maiorias é de origem muçulmana (80% no caso de Clichy-sous-bois, segundo Le Monde). O mesmo saque dos países imperialistas aos países do chamado “Terceiro Mundo” provoca que milhões de africanos, árabes, asiáticos ou latino-americanos se vejam obrigados a emigrar aos países imperialistas. Na França, ex-potência colonizadora da à frica, residem vários milhões de estrangeiros (africanos ou árabes na maioria). Mas os filhos e netos dos imigrantes que chegaram em décadas anteriores seguem sendo “estrangeiros” , pela cor de sua pele ou condição social. A isto se soma o estigma que sofrem pelo fato de que a maioria deles é de religião islâmica, acusação redobrada a partir do 11 de setembro de 2001. O Islã é a segunda religião da França, já que conta com mais de 5 milhões de fiéis (cerca de 10% da população). Para eles encontrar um trabalho custa o dobro graças aos preconceitos racistas da patronal, além de que são os que acabam fazendo os piores trabalhos. Não esqueçamos tampouco que durante o verão europeu 3 edifícios habitados em sua maioria por africanos terminaram incendiados e morreram dezenas de pessoas, entre elas muitas crianças. Isto tampouco é casual: ou foram intencionais, ou a precariedade das instalações permite que se incendeiem facilmente, não era difícil saber que fim poderiam ter. Nesta mesma situação se encontram os habitantes das periferias que estão em revolta. Numa de suas tantas ações provocativas na semana anterior o ministro Sarkozy havia visitado um destes bairros periféricos e havia sido recebido com vaias e pedras por parte da população. Ele afirmou: “Vou fazer uma limpeza desta gentalha” . Mas o tiro está saindo pela culatra.

O ocorrido em 27 de outubro em Clichy-sous-bois não é tampouco um fato isolado: na França também existem os abusos policiais, particularmente contra os negros ou magrabíes. E normalmente, os jovens protestam contra esta situação lançando molotov e incendiando automóveis. Segundo Le Monde em 2004 se incendiaram 2400 automóveis, e isto é tomado como sintoma da conflitividade social. Estas explosões habitualmente duram somente uma noite. Mas esta noite disseram basta. Esgotados pela perseguição e humilhação a que são submetidos cotidianamente pela polícia saíram à noite a atacar a pedradas postos de polícia e a prefeitura. Os enfrentamentos continuaram por horas, e se incendiaram várias centenas de automóveis e houve feridos (entre eles policiais) e detidos. A comoção que se produziu em todo o país fez com que muitíssimos jovens se sentissem identificados com os “revoltosos” , já que sofriam diraiamente os mesmos males. Hoje a grande maioria da periferia Oeste e Norte (o departamento de Seine Saint-Denis) tem focos de enfrentamentos à noite. Quando o governo havia reforçado seu operativo policial em Clichy-sous-bois a revolta se estendeu a outras localidades.

Na noite de 31 de outubro a polícia lançou uma granada de gás lacrimogêneo numa mesquita, que neste momento estava repleta de fiéis, em pleno período de Ramadãn, e isto contribuiu para exaltar os ânimos. Na noite de 2 de novembro 20 localidades tiveram cenas de guerrilha urbana, e os ataques incluíram os centros comerciais. Desde o início da revolta a polícia já deteve dezenas de jovens, e um “julgamento veloz” (paródia de processo que existe na França) já condenou a dois jovens.

As reações da burguesia não se fizeram esperar. A Frente Nacional de Le Pen afirma que “Os franceses sofrem a invasão e a violência. E não podem se lamentar, sob pena de ser acusados de racismo. Esta é uma situação desconhecida em nossa história e é intolerável” disse Bruno Golnisch (número 2 do FN, famoso por ter muitos processos por racismo) em www.frontnational.com. Um sindicato de policiais, Action Police CFTC, pediu a instauração de um toque de recolher nos bairros em conflito e a intervenção do exército. Mas os partidos da “oposição” (a esquerda governamental) tampouco movem um dedo em defesa dos jovens reprimidos. “O Partido comunista condena a violencia, seja qual for sua origem. A calma deve retornar o mais rápido possível e cada um deve tirar suas lições... A polícia havia permitido progressos importantes, mas eles foram suprimidos... Faz falta outra polícia que atue sobre as causas, pela prevenção até a segurança de todas e todos, respeitando a lei da República” (Comunicado de Imprensa 1/11, www.pcf.fr). O Partido Socialista tem uma posição similar. “Os efetivos da polícia nas periferias tem diminuído, enquanto que todos os meios estão concentrados nos centros das cidades” (www.parti-socialiste.fr). Os prefeitos do PCF que em sua mayoría estão nas periferias falam da necessidade de “diálogo” , mas lamentam a “ineficiência” da repressão: “Fatos inaceitáveis” , denunciou Stéphane Gatignon, prefeita do PCF que não deixa de colocar em relevo que os efetivos de polícia não deixaram de baixar nos últimos anos: 120 em 2001 e 80 atualmente. “Como fazer um trabalho de prevenção e de proximidad numa cidade de 50000 habitantes que não tem ainda uma delegacia de polícia em exercício?” (L´Humanité, 2/11). Mas também tentam desarmar a revolta desde dentro. Em Clichy-sous-bios e Montfermeil os “grandes irmãos” (líderes dos bairros) muçulmanos faziam rondas pelas ruas chamando clama. O mesmo Sarkozy, em seu primeiro ciclo como ministro do Interior, havia criado o Conselho Francês do Culto Muçulmano, não só para “evitar o fundamentalismo” , como para que sejam os mesmos líderes islâmicos os que controlem a “banlineue” sobre o território. Ainda assim, não podem conter esta ofensiva generalizada destes jovens. Do lado oposto no intento de criar uma base social direitista, certos canais de TV não se cansam de mostrar as “vítimas” , ou seja, trabalhadores destes mesmos bairros que tiveram seus automóveis queimados ou comerciantes do bairro enfurecidos. Políticos ultra-direitistas como de Villiers (MPF), um dos líderes do “NÃO de direita” no referendo de maio ao Tratado Constitucional Europeu tentam pescar em águas revoltas fazendo campanha em Pinay e Villepinte, duas localidades tocadas pela revolta. Vendo que a revolta num princípio está contando com a simpatia de boa parte dos trabalhadores e das classes médias, a direita tenta polarizar assentando-se nos setores mais retrógrados da sociedade francesa.

Entretanto, o que estamos vivendo é uma rebelião complexa: a) fundamentalmente se trata de um levantamento anti-policial, b) as vítimas da repr5essão são pobres, em sua maioria desocupados, c) o racismo joga um grande papel no fato de que sejam desocupados e reprimidos e d) uma parte deles são imigrantes “ilegais” , o que agrava todos estes problemas. Tudo está entrelaçado, não se pode tratar um tema independente do outro. Os “revoltosos” são o setor mais golpeado e marginalizado da classe operária francesa. Por isso só a classe operária francesa pode dar um desfecho positivo a esta revolta.

Hoje o governo está dividido sobre como afrontar esta crise. O “opositor” Partido Socialista também se encontra dividido e não está em condições de oferecer uma alternativa burguesa ao UMP. Os sindicatos não disseram uma só palavra nesta crise. O regime de conjunto arrasta a crise pela derrota no referendo pelo Tratado Constitucional Europeu. Já não pode conter o conjunto dos trabalhadores e os pobres urbanos da França.

Em primeiro lugar as organizações operárias devem exigir primeiramente a retirada imediata da polícia e todos os corpos repressivos das periferias, e a imediata liberdade de todos os detidos das noites de revolta. Os trabalhadores têm muito a ganhar debilitando a polícia, já que seu objetivo principal é o de aplastar eventuais inimigos dos trabalhadores nas recentes lutar dos portuários e dos marinheiros de Marselha e Córsega, sobretudo quando num operativo de tipo militar com helicópteros atacaram aos trabalhadores da SNCM. Também se deve castigar severamente toda expressão de racismo, particularmente se vem da polícia. Sarkozy deve ir-se já.

Em segundo lugar há uma luta importante por “papéis para todos” , como se canta nas manifestações. Na “Europa Fortaleza” (da que faz parte importante na França imperialista” . Os imigrantes “ilegais” são utilizados como mão-de-obra barata para baixar de conjunto o salário dos trabalhadores franceses. Se fossem “legais” não se poderia submete-los a regimes de escravidão com o que tem, por exemplo, nas têxteis das periferias. A luta pela legalização vai em benefício de todos.

Em terceiro lugar há que lutar contra o desemprego. França é uma potência industrial com grande quantidade de pobres e desempregados. Isto é inadmissível. As organizações que se reivindicam do movimento operário devem levar adiante uma grande luta pela repartição das horas de trabalho entre ocupados e desocupados, mantendo o mesmo salário. Por outro lado, há uma grande quantidade de empresas que fecham com a desculpa dos “altos custos do trabalho” , ou que “deslocalizam” em direção aos países com menores salários. Nossos inimigos não são os trabalhadores do “Terceiro Mundo” , senão os patrões que nos exploram e depois nos dispensam. Há que lutar pela expropriação e colocar sob controle operário todas as fábricas que fechem ou demitam.

Estes pontos são básicos para unir aos trabalhadores (que hoje desenvolvem grandes lutas como os motoristas de metró e ónibus de Marselha, que levam 31 dias de greve) com os jovens oprimidos das periferias. Estas medidas não poderão ser aplicadas se não se levam adiante grandes lutas, como uma grande greve geral, que jogue baixo o governo direitista de Chirac-de Villepin-Sarkozy.

Na França existem importantes organizações que se reivindicam da classe operária, como Lutte Ouvriére, a Liga Comunista Revolucionária, o Partido dos Trabalhadores, e novos sindicatos que se reivindicam anti-burocráticos como o SUD. Estas estão em condições que iniciar uma luta por estes programa, já que dispõem de milhares de militantes e estão inseridos nas principais estruturas produtivas. Se não se fizesse desta maneira, a extrema direita, muito poderosa neste país, ofereceria um programa de choque para “restabelecer a ordem” contra os trabalhadores e os imigrantes.

O Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) é a organização irmã da LER-QI na Argentina, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

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