Quinta 2 de Maio de 2024

Internacional

América Latina sob o domínio de Washington

O falso discurso da "soberania nacional"

15 Feb 2004 | Desde a V Reunião Ministerial em Cancun, em setembro do ano passado, passando pela Conferência Ministerial em Miami, em novembro, e a Cúpula das Américas em Monterrey, em janeiro, até a recente reunião do Comitê de Negociações Comerciais em Puebla, países como Brasil, Argentina e outros, vêm tentando rediscutir os termos das relações comerciais com os países centrais, o que está levando a certas tensões externas e internas. Porém estes governos continuam em essência com a mesma política econômica e o padrão de acumulação capitalista que aumentou a miséria e submissão dos países pobres, como se observa com Lula, cuja ortodoxia na política econômica continua restrita às imposições do FMI, o que não significa outra coisa que continuar garantindo os interesses imperialistas.   |   comentários

A pressão imperialista e os governos de “regateio” nas relações comerciais

A América Latina tem sido uma das regiões onde mais tem se questionado a ofensiva neoliberal, que teve uma ampla gama de apoio em todos os setores durante a década passada. Esta situação se manifesta no convulsivo cenário surgido no continente em repúdio aos planos económicos que lançaram milhões à miséria e desemprego, e que também se expressa em mudanças na superestrutura política, levando a variantes como o PT de Lula e o peronista Kirchner, na Argentina, a assumir a gerência do Estado. A enorme regressão social que levou diversos países a enfrentarem crises agudas sufocando sua base social interna, produto das políticas neoliberais, junto à enorme pressão imperialista, leva os novos governos a tentar encontrar algumas margens de manobras com relação ao imperialismo. Como alguns analistas já alertam: “Os Estados Unidos, que antes vinham olhando a maioria das nações latino-americanas como aliados dóceis e de confiança, está agora frente a um crescente ressentimento... As lideranças latino-americanas dizem que agora são pragmáticos nas suas relações com os Estados Unidos. E que não têm medo de confrontar Washington, inclusive frente a uma considerável pressão” [1]. A renomada revista inglesa The Economist tomou nota desta situação: “Lula parece um ardente defensor de uma antiga idéia, que esteve em voga no movimento dos países não-alinhados, nos anos 70, segundo a qual países pobres podem desafiar os ricos e alcançar o desenvolvimento pela cooperação mútua” , em alusão aos pactos que Lula já firmou com países como a à ndia e a à frica do Sul. “O receio de Lula em negociar com os EUA é compreensível, especialmente diante da falta de progresso nas negociações comerciais globais... Mas isso não torna [a política] mais inteligente” , conclui a revista recomendando não sair do redil das potências. [2]

Isto é o que se observa nos diversos encontros internacionais e nas reuniões multilaterais, que estão manifestando as dificuldades que têm os países centrais para se impor como em outros tempos. A manifestação disto se observou na V Reunião Ministerial da OMC que se realizou em Cancun, México, que terminou num extraordinário fracasso devido a disputa entre o bloco formado pelos EUA e a União Européia e outro dos países do chamado “terceiro mundo” agrupadas para solicitar às potencias que reduzissem seus subsídios à produção e às exportações agrícolas. Também é o que se expressou no “impasse” na reunião em Puebla, que continuará em março, e que ironicamente chamaram de “recesso” , por não terem chegado a um acordo entre o chamado grupo G-14 liderado pelos Estados Unidos e o grupo articulado pelo Brasil e Argentina. Ambos os casos são uma expressão clara de como diversos governos da periferia tentam “regatear” nos termos de intercambio comercial, procurando maiores espaços e/ou nichos de mercados, como é o caso para os produtos agrícolas, uns dos pontos centrais da discórdia. Porém da área da “discórdia” nos subsídios agrícolas, começa se avançar a outros setores da atividade económica num crescente protecionismo.

O papel de amortecedor político, para tirar vantagens nas negociações com Washington

Pelo peso que ocupam na região, países como o Brasil e a Argentina, utilizam sua capacidade de amortecedores políticos na convulsiva região sul-americana, para tirar vantagens nas negociações com Washington, que num marco regional difícil para seus interesses, prefere a estabilidade que lhe garantem estes governos. Por isso no campo político todos concordam em sufocar qualquer indício de mobilização radical que coloque em xeque a “governabilidade” em qualquer país, para poder garantir governos que possam dar continuidade aos objetivos da Casa Branca. Nas diversas reuniões internacionais, por exemplo, discutem como avançar em uma agenda que lhes permita “enfrentar os desafios políticos, económicos e sociais para fomentar a credibilidade e a confiança cidadã nas instituições democráticas” , colocando à disposição todas suas forças para minar qual-quer indício de mobilização independente, coordenando “ações imediatas quando a democracia corra perigo em qualquer de nosso países” [3]. Isto se observou na ofensiva Brasil-Argentina no caso dos acontecimentos revolucionários na Bolívia em outubro do ano passado, onde estiveram dispostos até intervir militarmente, ou na intervenção de Lula nas crises políticas da Venezuela.

Também, no plano económico, existe um acordo entre todos estes governos por preservar o “livre comércio” . Os países como Brasil e Argentina, já haviam pactuado a negociação da Alca conforme os prazos impostos pela Casa Branca. A declaração de Monterrey diz claramente: “Acolhemos os avanços conseguidos até a data para o estabelecimento de uma à rea de Livre Comércio das Américas (Alca) e tomamos nota com satisfação dos resultados equilibrados da VIII Reunião Ministerial da Alca realizada em Miami em novembro de 2003. Apoiamos o acordo dos ministros sobre a estrutura e o calendário adotado para a conclusão das negociações para a Alca nos prazos previstos” [4]. Por isso, não passam de discursos ao estilo de “palanque eleitoral” , como quando na Cúpula das Américas, por exemplo, Lula falou sobre os “grandes males” das políticas neoliberais como o responsável dos grandes tragédias da região, quando ele mesmo continua aplicando a mesma política.

Observemos que o atual impasse na reunião de Puebla, foi porque Washington tinha mudado sua política, produto de seu crescente protecionismo com respeito ao que se tinha discutido em Miami, onde países como o Brasil haviam acordado com os Estados Unidos os termos de uma Alca que chamaram de “light” que permitiria acordos “plurilaterais” ao estilo dos tratados com o México e o Canadá, ou com os países da América Central. “Houve algum movimento no sentido de eliminar os subsídios às exportações, mas os EUA condicionaram-no a um mecanismo para contrabalançar e/ou dissuadir as importações de produtos agrícolas subsidiados provenientes de países não-membros da Alca... Traduzindo: os norte-americanos não querem que os europeus, cujos subsídios são pesados, se beneficiem da eliminação dos subsídios nas Américas.” [5] Em poucas palavras, os EUA se recusam a reduzir seus subsídios enquanto a Europa puder continuar a adotá-los, porém trata de se valer do seu poder de domínio para aprofundar a dependência dos países latino-americanos e reduzi-los aos interesses de suas corporações.

Por isso é importante assinalar, com relação aos “questionamentos” que vem se observando nas relações comerciais, frente a crescente pressão imperialista, são tentativas para negociar em melhores condições para seus empresários locais, os recursos de cada um dos países. Isto é o que observamos no Brasil, onde os “questionamentos” de Lula no exterior são para regatear algumas concessões, mas que beneficiam aos grandes capitalistas locais associados ao grande capital internacional, quando não são as próprias empresas transnacionais que atuam no país, enquanto continua levando a população a uma contínua miséria.

Frente a isto, os trabalhadores e o povo pobre dos países latino-americanos não pode mais que confiar nas suas próprias forças para frear definitivamente a imposição das medidas que só levam a mais miséria e mais exploração, em benefício de uns poucos. Só os trabalhadores, camponeses pobres e setores populares, organizados democraticamente, podem enfrentar a estes governos capachos e suas políticas pró-imperialistas. O ensaio geral revolucionário em outubro de 2003 na Bolívia, as jornadas revolucionárias argentinas em 2001, são mostras da fortaleza dos trabalhadores para impor suas decisões e assinalam o caminho a seguir para liquidar de uma vez por todas a miséria e a exploração.

[1NYT, 14/01/04

[2NYT, 14/01/04

[3Declaração de Nuevo Leon, Monterrey, México, 13/01/2004.

[4Declaração de Nuevo Leon, Monterrey, México, 13/01/2004.

[5FSP 08/02/04.

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