Segunda 29 de Abril de 2024

Cultura

O caminho escolhido pelo Racionais MCs em 12 anos de hiato

16 Dec 2014   |   comentários

Desde 2002 deixando um grande público a esperar, finalmente o Racionais MCs lançou seu novo álbum de estúdio no dia 25 de novembro. Certamente esse trabalho não era somente aguardado pelos fãs do grupo ou do Rap em geral, mas por quem esperava ver e ouvir nas composições de Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay elementos que dialogassem com os acontecimentos que tem transformado a subjetividade no país durante esse grande hiato, em especial as (...)

Desde 2002 deixando um grande público a esperar, finalmente o Racionais MCs lançou seu novo álbum de estúdio no dia 25 de novembro. Certamente esse trabalho não era somente aguardado pelos fãs do grupo ou do Rap em geral, mas por quem esperava ver e ouvir nas composições de Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay elementos que dialogassem com os acontecimentos que tem transformado a subjetividade no país durante esse grande hiato, em especial as Jornadas de Junho de 2013 e as recentes greves deste ano.

“Cores & Valores” conta com 15 faixas, sendo as cinco primeiras extremamente curtas. Aliás, essa já é a primeira diferença clara a se notar no novo álbum, inclusive com algumas faixas se assemelhando a vinhetas. Não há grandes histórias como em todos os outros álbuns do Racionais e a influência da trap music é fortemente notada. É um álbum que destoa dos demais do Racionais, em especial os dois anteriores e quase unanimemente aclamados “Sobrevivendo No Inferno” e “Nada Como Um Dia Após O Outro Dia”.

Pobre é o Diabo! Eu odeio a ostentação?

A influência do Racionais MCs em todas as gerações que curtem Rap desde a década de 90 e seu peso no cenário musical brasileiro colocam o grupo em uma posição onde suas letras podem (ou poderiam, no caso) dar uma visibilidade ainda maior ao questionamento do regime político e às causas que levaram o país a grande quantidade de greves operárias esse ano. Particularmente por ser um grupo paulistano com raízes muito bem fincadas nas periferias da Zona Norte (Edi Rock e KL Jay) e da Zona Sul (Mano Brown e Ice Blue), era esperado que as contradições vividas pela população estivessem presentes nas composições do quarteto. Ao contrário disso, quase não se ouve crítica política nos aproximadamente 30 minutos do álbum e ao término das faixas o sentimento é de decepção.

O álbum começa com a faixa título “Cores & Valores”, que na verdade é dividida em três partes, sendo as outras duas a terceira e a sétima faixas (“Cores & Valores – Preto e Amarelo” e “Cores & Valores – Finado Neguin”). E já na primeira música, a letra dá o tom do que será o resto do curto álbum: ao mesmo tempo em que o grupo segue com uma linha forte contra o racismo, a suposta “solução” encontrada na maioria das letras é a ostentação.

Como já dito, as cinco faixas iniciais são muito curtas e se interligam, passando quase despercebidas. “Preto Zica” e “Cores & Valores – Finado Neguin”, que são as músicas seguintes, também não ajudam muito e são fragmentos nada comparáveis ao que o grupo já demonstrou há 12 anos com dois álbuns excelentes em sequência.

O ponto negativo principal do álbum vem com a música “Eu Compro”, que é a oitava faixa do álbum. Nela é colocada uma imensa contradição de conteúdo. A música começa falando que alguns moleques estão na frente do shopping pedindo esmola e questiona se alguns deles irão vencer. Após isso se inicia uma citação de marcas de motos, carros e vários artigos de luxo relacionados a uma suposta ambição. A faixa ainda aborda corretamente a questão do racismo nos versos a seguir: “À vista, mesmo podendo pagar / Tenha certeza que vão desconfiar / Pois o racismo é disfarçado há muitos séculos / Não aceita o seu status e a sua cor”, mas depois volta a se perder de vez, inclusive reivindicando a famosa frase “Fique rico ou morra tentando”, atribuída ao rapper americano 50 Cent. A partir daí fica parecendo que a aceitação do negro depende simplesmente em ter acesso às melhores marcas. Há 12 anos em “Vida Loka – Parte II”, mesmo que com um forte peso no discurso da ascensão social, Mano Brown cantava “Pobre é o diabo, eu odeio a ostentação / Pode rir, ri, mas não desacredita não”. Hoje a composição do mesmo Brown e Ice Blue reforça o “Eu quero, eu compro e sem desconto!” e que “O que todos almejam é patrimônio e riqueza / Pro favela é proeza ostentar a nobreza”.

Continuando na sequência, a próxima faixa é “A Escolha Que Eu Fiz”, ponto positivo do álbum que retoma um tema recorrente na história do grupo: a ascensão e queda na vida de um indivíduo no crime organizado. Após ela, “A Praça” relembra o show na Praça da Sé em 2007 durante a Virada Cultural, que se transformou em um cenário de guerra devido à violência da polícia. Esse episódio afastou o Racionais do evento por longos seis anos.

“O Mal E O Bem” vem em seguida e mesmo sendo uma faixa mais melódica é bem interessante, além de ser o outro ponto alto do álbum. A música trata da trajetória de Edi Rock e do grupo. Os primeiros EPs lançados pelo Racionais MCs na década de 90 (“Holocausto Urbano” e “Escolha O Seu Caminho”) são relembrados nos versos “Então vai, em 90 a cena ficou violenta / Brown e Blue com o pânico na zona sul / Escolha o seu caminho, negro limitado / A voz ativa de um povo que é discriminado”. Esse espírito carregado nessas músicas do passado reivindicadas pela canção de Edi Rock é um dos elementos que faltam a quase todo o “Cores & Valores”. Nessa mesma música é reforçada a luta contra o racismo e a questão da desigualdade social nos versos: “Contra o racismo, contra a desigualdade / A máquina, a fábrica que exporta criminalidade”.

Ainda na pegada de suas trajetórias específicas, após a fraquíssima e completamente dispensável “Você Me Deve”, o álbum prossegue com o single “Quanto Vale O Show?”, já lançado anteriormente e cuja autoria é de Mano Brown. A faixa de quase três minutos conta a história de vida do rapper desde sua adolescência na década de 80. O sampler da música Gonna Fly Now (tema de Rocky Balboa) empolga, mas se vê na composição de Mano Brown o peso da ostentação que afasta cada vez mais o Racionais MCs do que originalmente o movimento hip-hop se propõe através de suas letras mais contestadoras.

“Cores & Valores” termina com duas músicas contrastantes. “Coração Barrabaz” conta com efeitos muito exagerados. Quase um minuto e meio de duração onde a fraca mensagem da canção não fica compreensível. A música “Eu Te Proponho” encerra o álbum marcando bem a clara mudança do grupo, tanto em suas letras quanto na sua estética.

Caminho escolhido

Em 1992, no EP “Escolha O Seu Caminho”, a letra da música “Negro Limitado” dizia o seguinte: “Roupas caras de etiqueta não valem nada / Se comparadas a uma mente articulada”. Fato é que os autointitulados ‘quatro pretos mais perigosos do Brasil’ têm a mente muito bem articulada, mas também fizeram suas escolhas. A falta de um conteúdo político mais contundente em todas as letras desse trabalho recente demonstra isso.

Mesmo sem lançar álbuns desde 2002, ano da primeira eleição de Lula, Mano Brown já havia escolhido o seu caminho. A campanha para Haddad em 2012 e Dilma nas duas últimas eleições presidenciais demonstram o porquê de não citar ao menos as greves de rodoviários ou o problema com o transporte que também atinge inclusive o Capão Redondo, seu bairro de origem.

Esse plano de fundo político permite entender a mudança das composições do quarteto que, principalmente pela via do Mano Brown, manteve e mantém um forte discurso de ascensão social, reforçado pelos anos do lulismo, que através de um amplo crédito à população pintou uma imagem falsa de melhoria de vida.

O Racionais MCs, maior grupo de Rap da história do Brasil, hoje fica pra trás do cantor Criolo, um de seus próprios influenciados e com características muito mais midiáticas, que mesmo com um público relativamente diferente atingiu em cheio o cenário musical com um álbum que aborda diversos temas como greves, Copa, cotas e consumismo.

Após o lançamento de “Cores & Valores”, o Racionais já garantiu que o intervalo entre os álbuns de músicas inéditas diminuirá, além do fato de que vêm aí trabalhos solos de membros do grupo. Com a vitória de Dilma e a guinada à direita do governo, além de diversas situações que devem agitar 2015 como o prometido aumento das passagens, fica a pergunta: O caminho tomado pelo Racionais MCs é definitivo?

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