Segunda 29 de Abril de 2024

Questão negra

"Capitalismo mais justo" não rima com Hip Hop de combate

20 Jan 2005   |   comentários

Há três anos, durante o Fórum Social Mundial em 2002, vários grupos e posses se reuniram na Praça Pór do Sol e discutiram a construção do Fórum Nacional de Hip Hop. Um momento raro como esse em que muita gente que faz Hip Hop se encontra num mesmo lugar é entendido em geral como uma importante oportunidade de discutir as ações e propostas para a organização do Hip Hop a nível nacional.

Foi nesse sentido que a iniciativa de construção do Fórum Nacional foi levada a várias partes do país, discutindo nos fóruns estaduais durante o ano de 2002 muitas questões que envolvem o Hip Hop. Desde a necessidade que temos de espaços para atividades culturais e políticas, passando pelas formas alternativas de produzir, divulgar, distribuir e se comunicar frente às imposições do mercado e da grande mídia. O Hip Hop como resistência preta, como expressão da juventude pobre e suas bandeiras de luta. Tudo isso fez parte das discussões que se acumularam nesse processo.

Em 2003 estivemos em Porto Alegre novamente, quando ocorreu o I Fórum Nacional de Hip Hop, contando com a presença de grupos de cerca de 15 estados do país. Discutimos propostas de mercado alternativo e o Hip Hop como movimento político, social e racial. Entre os pontos consensuais estava a defesa de lutas que persistem: contra a Base de Alcântara, o Banco Mundial, o FMI e a Alca, a reivindicação pelo feriado nacional de 20 de novembro, solidariedade ao povo palestino a africano, combate ao racismo e ao capitalismo.

Depois do I FNHH, quase todos os fóruns estaduais se desarticularam. Sem a permanência das discussões nos estados sobre os passos necessários para a consolidação do Fórum Nacional, durante mais de um ano, muita coisa ficou solta no ar. E com a volta do Fórum Social Mundial ao Brasil, alguns grupos proporam a realização do II Fórum Nacional de Hip Hop.

De 2002 pra cá muitas ações aconteceram por todo o país e algumas organizações nacionais foram formadas. Lula foi eleito e contou com o apoio e confiança de vários grupos que fazem parte do Hip Hop. A ilusão das massas de que o PT no governo mudaria as condições de vida dos trabalhadores se expressou também em grande parte da juventude do Hip Hop. E Lula já usou boné escrito “Hip Hop” , quando se sentou com algumas figuras do Hip Hop e formou-se a Frente Nacional ’ que diga-se de passagem, ninguém sabe o que está discutindo com o governo...

Pois bem, o II FNHH acontecerá num momento em que já se completam dois anos de governo Lula. E se a primeira idéia que vem à mente quando sentamos com manos do país inteiro é saber como estão suas quebradas, o que estão fazendo em cada bairro e cidade, então vem à tona uma questão: o que mudou nas vidas dos jovens de cada periferia desse país? Trampo, salário, educação? Não... Falam de “crescimento da economia” , continuamos desempregados ou recebendo salários de miséria. Cultura, lazer? Nossas rádios livres e comunitárias conti-nuam sendo fechadas pela polícia federal. E ainda temos que ver pelo “plin-plin” as tropas brasileiras chegando ao Haiti, pra segurar a revolta do povo.

Infelizmente, até agora a “Comissão de Correria” , que está organizando a plenária do II FNHH, não aceitou incluir o tema “Hip Hop e governo Lula” na programação, proposta que foi indicada mais de uma vez pelo Fórum de Hip Hop da Grande São Paulo. Pode-se pensar num primeiro momento que a “Comissão de Correria” não vê muita centralidade nessa discussão. Mas no projeto completo do “Cidade Hip Hop” que nem foi divulgado nas listas de organização do Fórum, está escrito que um dos objetivos do Fórum Nacional é “estabelecer os parâmetros de relacionamento e apoio ao governo Lula” . Mas o FNHH nunca definiu que apóia esse governo! Com tudo isso, existe a necessidade de ir muito além de “trocar experiências” . O Hip Hop, assim como os movimentos de trabalhadores, estudantis e da juventude, tem a necessidade de romper com a lógica do FSM, onde as “diversidades” se expressam e predomina a idéia de “um outro mundo possível” , sem confronto real ao governo e à burguesia. Nada disso é à toa. O Acampamento da Juventude, por exemplo, é organizado pela DS (Democracia Socialista), corrente do PT, que tem até ministro no governo. Chama a atenção que no Hip Hop os integrantes da DS nem dizem que fazem parte dessa corrente política... Seguem com um pé no governo e outro pé nos movimentos sociais. Pra fazer nosso rap, break e graffiti, enfrentamos barreiras de todos os lados ’ exploração no trampo, desemprego, nossas escolas sem estrutura alguma, repressão da polícia na rua, imposições do mercado e por aí vai. A organização do Hip Hop precisa partir das nossas reivindicações mais imediatas, mas caminhar na perspectiva de botar de pé um movimento que esteja lado a lado com a luta dos trabalhadores e povos oprimidos pela derrubada do capitalismo.

Para os organizadores do Fórum Social Mundial, nossas ações têm que estar voltadas para construir um mundo “mais justo” , coisas como “cultura de paz” e “economia solidária” . Em resumo, um capitalismo “mais humano” . Enquanto muitas ONG”™s recebem milhões de empresas e fundações como o Banco Mundial pra desenvolver projetos “pela paz” , os sem-terra continuam sendo assassinados no campo, nossos irmãos continuam sendo mortos pela polícia nas grandes cidades.

Como pode ser mais humano um sistema baseado na exploração de bilhões de trabalhadores no mundo? Um sistema que mata milhões em guerras e mais outros milhões de fome? E quando os povos se rebelam, mais armas e bombas são lançadas.

Sendo assim, não podemos falar só em “organização do Hip Hop” . A questão é: a gente vai se organizar pelo quê? Nossa arte será de combate ou de legitimação desse sistema? Tenho certeza que muitos manos dedicam suas vidas pra que ela seja de combate!

Nesse combate, só podemos ser fortes se somos independentes da burguesia e temos na classe trabalhadora o nosso principal aliado. A luta maior pra derrubar a burguesia exige que a nossa organização não dependa dela e que estejamos lado a lado com as lutas dos trabalhadores e dos povos oprimidos. É exatamente essa a questão: de que lado estamos ’ dos exploradores (que inclusive criam as mais variadas farsas de um “capitalismo mais justo” ) ou dos explorados, que podem se levantar contra esse sistema e destruí-lo.

É por tudo isso que hoje está colocada a necessidade de lutar contra o governo Lula, um governo a serviço da burguesia e do imperialismo. Em 2005 mais ataques estão sendo preparados, com as reformas trabalhista, sindical e universitária. Fazer de conta que isso não tem nada a ver com o Hip Hop é abrir mão de construir um Hip Hop de combate e revolucionário, é também não lutar concretamente contra as condições de exploração e opressão que vivemos.

Firmeza na ação e na fala, faixa grafitada
na passeata, na assembléia, na ocupação de fábrica
Democracia dos ricos é ditadura pras massas
Ser massa de manobra pra burguesia já basta
Guerreiro, guerreira, o combate prossegue
no show de rap pelo fundo de greve!

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