Sábado 4 de Maio de 2024

Internacional

As novas medidas do governo de Chávez

09 Feb 2007   |   comentários

Chávez anunciou “os cinco motores constituintes” para seu novo mandato: uma nova lei de habitação; a reforma da Constituição; a jornada “moral e luzes” ; a nova geometria do poder sobre o mapa nacional; e a chamada explosão do poder comunal. Este anúncio, combinado com o chamado à re-nacionalização de parte do setor de telecomunicações e de eletricidade, bem como com o avanço na criação das empresas mistas junto às transnacionais petroleiras nas associações estratégicas na Faixa do Orinoco, constituíram o início de seu novo mandato que deve estender-se até 2013. A Assembléia Nacional não só promulgou imediatamente a Lei de Habitação que concede plenos poderes a Chávez (a” mãe das leis” , como ele afirma), que lhe dará o direito de legislar via decretos durante um ano e meio em onze áreas distintas. Entre 50 ou 60 leis serão decretadas somente na primeira fase, enfatizou Chávez em sua primeira entrevista coletiva, porém esclarecendo que aqui nada será expropriado: “em 8 anos não tomamos nada. Esse é um discurso que vem do século passado. Desde 1999 dizem que atacarei propriedades e isso é falso. É uma guerra suja de idéias” [1].

A ampla maioria dos trabalhadores e trabalhadoras e do povo têm visto com grande simpatia o anúncio das “nacionalizações” . Este sentimento do povo, depois de tantos anos de neoliberalismo vendo uma boa parte das riquezas do país serem entregues nas mãos das corporações privadas estrangeiras e nacionais, não é sem sentido. Porém não devemos nos enganar: depois de 8 anos de governo, Chávez lança esta medida que, como já havia declarado, “não se trata de uma medida de expropriação, as empresas estratégicas serão compradas” . Chávez pagará àqueles que foram presenteados com estas empresas pelos governos entreguistas e que durante mais de uma década roubaram a nação levando todas as riquezas para engordar os bolsos das grandes corporações internacionais.

A primeira medida deveria ser o confisco pleno e integral, sem indenização e sob controle dos trabalhadores e dos usuários de todas as empresas privatizadas (e não apenas de algumas), no caminho de expropriar sem indenização todas as grandes empresas, os bancos e as indústrias estratégicas como as do petróleo e do gás. Mas não, Ficam fora do plano de nacionalizações empresas chaves como a Sidor; e em vez dos trabalhadores controlarem as empresas que serão nacionalizadas, as transnacionais são chamadas a serem sócias nos negócios do Estado, como no setor petroleiro, e inclusive permitindo a participação acionária de setores privados no setor elétrico e no das telecomunicações.

O povo também tem visto com simpatia os discursos sobre a “nova etapa para o socialismo do século XXI” , pois realmente quer mudanças reais e quer que se cumpram suas demandas fundamentais depois de 8 anos de governo. Porém, novamente Chávez remarca que não se tocará na propriedade privada. Por isso, se para alguém ainda não ficou claro: na “via venezuelana para o socialismo” se respeitará “o direito” dos ricos de sempre, a continuar vivendo do trabalho, suor e sangue dos trabalhadores e do povo pobre. Poucas palavras bastam. “Na Venezuela estamos construindo um modelo próprio: um modelo de economia mista. Não negamos a propriedade privada” enfatizou Chávez em seu programa dominical “Aló Presidente” . Ou seja, os setores empresariais continuarão, como tem sido historicamente, sendo donos dos grandes meios de produção e de circulação; os mesmos que durante toda a história de nosso país tem vivido da exploração dos trabalhadores e trabalhadoras, da espoliação dos camponeses e semiproletários do campo e condenando à miséria o povo pobre. E para enfatizar ainda mais, Chávez reiterou que os setores empresariais estão convidados a participar da construção do “socialismo do século XXI” . E atendendo ao chamado, o presidente dos Empresários pela Venezuela (Empreven), Alejandro Uzcátegui, lançou a criação da Confederação de Empresários “Socialistas” da Venezuela, e que será integrada, além da Empreven, pela Câmara Venezuelana da Construção (CVC) e pela Confederação Nacional de Agricultores e Pecuaristas (Confagan), entre outras tantas associações empresariais [2]. É por isso que a burguesia venezuelana não será afetada economicamente pelos anúncios da “via venezuelana ao socialismo” . Estranha revolução é esta onde os exploradores de sempre continuam com seus negócios normalmente, e mais, tem prosperado em seus lucros [3].

A nova Lei da Habitação que foi aprovada na Assembléia Nacional concede plenos poderes a Chávez, concentrando assim todas as decisões do Estado em seus diversos âmbitos, tanto para legislar como para executar. O que significa tudo isto? Significa que, durante um ano e meio, Chávez governará por decreto, aumentando a centralização de todas as decisões em suas mãos. O que tem a ver tudo isso com a chamada “explosão de poder comunal?” Absolutamente nada, trata-se exatamente do contrário. Se já antes existia uma total exclusão “dos de baixo” da marcha real dos assuntos do país, hoje isto se reforça ainda mais, e será pior ainda agora que o chamado “poder comunal” estará submetido a uma “comissão presidencial” sob a ordem do vice-presidente do país. Vemos quão distante é a retórica da “explosão do poder comunal” da crua realidade, onde os explorados de sempre não tem nem terão nenhum poder de decisão.

Como viemos escrevendo, a implementação de certas “formas democráticas” por Chávez ao longo de seu mandato - como foi em seu momento a criação dos Conselhos Locais de Planificação Pública em nível municipal e agora os Conselhos Comunais, os referendos, a outrora assembléia constituinte - dão ao governo uma fachada de participação popular. Mas na realidade são o oposto, já que o que se busca com os novos mecanismos é o controle do movimento de massas a quem Chávez nega qualquer poder de decisão nas questões políticas centrais do governo. Com a nova Lei de Habitação isso se reforça e se confirma, estando esta ligada a criação do PSUV [4] , com o objetivo de controlar qualquer sombra de independência de classe, e não de, ao contrário dotar de maior poder de decisão os trabalhadores e trabalhadoras. O que busca Chávez com sua nova política de concentração de poderes, é o que os marxistas chamamos, uma maior bonapartização do regime e do governo, tentando “elevar-se” por cima das classes para arbitrar entre as disputas entre as mesmas, buscando atenuar e prevenir as profundas contradições entre os explorados e a classe economicamente dominante. E como já sabemos, quem sempre perde com isso são os trabalhadores e o povo pobre.

Ligado a isto está a reforma da Constituição que prepara Chávez, sobre a qual apenas tem expressado algumas generalizações, mas enfatizando como uma das reformas urgentes a da tão mencionada “reeleição indefinida” do presidente da República. A questão implica em buscar os mecanismos jurídicos da constituição bolivariana que dariam espaço para uma espécie de “bonapartismo plebiscitário” , no qual acontecem eleições nas quais “a maioria pobre” vota recorrentemente em Chávez, mas onde não se realizam mudanças substanciais nem se resolvem os problemas estruturais dos trabalhadores, dos camponeses e do povo pobre, como tem-se visto ao longo dos últimos oito anos. Chávez nos fala do “poder constituinte” , mas não está disposto sequer a abrir um “processo constituinte” revolucionário, e lança uma reforma constitucional por cima, alegando um suposto “poder originário” concedido a ele pelas eleições. Mas, onde está então o chamado “poder popular” e a “explosão do poder comunal?” Nas mãos de Chávez e daqueles que o rodeiam, mas não realmente nos explorados e pobres do país, que são os que tudo produzem. Chávez, que utilizando o argumento da burocracia corrupta quer enterrar qualquer elemento de independência de classe, avança assim cada vez mais na bonapartização de seu governo.

De tudo isso, apesar da retórica do Presidente e de algumas concessões que vem fazendo pela via das Missões [5] , pouco podem esperar os trabalhadores e o povo pobre, a não ser reformas que tentam arranhar os males do país que são produto da divisão de classes. A resolução dos problemas do país não está em reformas, mas sim em acabar de uma vez por todas com a exploração do sistema capitalista, na expropriação de todos os meios de produção, de circulação, das terras e na nacionalização de todos os bancos sob o controle direto dos próprios trabalhadores e do povo. Como todos estes anos tem demonstrado, a chave é, insistimos, que nós trabalhadores devemos confiar somente em nossas próprias forças e nas formas de organização e de luta que vamos construindo; só assim poderemos realmente ser donos do governo e de nossos próprios destinos. A verdadeira “explosão do poder comunal” só pode vir do surgimento de organismos de autodeterminação dos trabalhadores, na dinâmica que expressou recentemente o povo de Oaxaca e sua Comuna, que apesar de todos os seus limites, apontava para desenvolver um organismo de poder e de democracia direta, a APPO [6], nascida do combate dos trabalhadores do magistério e dos explorados do povo. O surgimento de organismos de democracia direta das massas em luta são os únicos que podem realmente conquistar um “poder popular” dos explorados e oprimidos, mas para desenvolver estas potencialidades é necessária a ação de um partido revolucionário que lute por uma estratégia política e um programa claramente revolucionários, tarefa colocada hoje mais do que nunca em nosso país, e que tenha como objetivo estratégico a luta por um governo dos trabalhadores e do povo pobre.

Socialismo do Século XXI?

A perspectiva do “socialismo do século XXI” que coloca o governo de Chávez, se limita a uma estatização burguesa em alguns setores da economia, com indenização dos grupos parasitários que durante décadas encheram os bolsos às custas da fome e da miséria de milhões, permitindo que setores burgueses nacionais e importantes empresas imperialistas continuem fazendo negócios milionários em outros setores da economia e inclusive na principal indústria venezuelana, a do petróleo. Para Trotsky, a quem se referiu Chávez em seu discurso, a chave para o êxito era vincular as expropriações com a perspectiva de derrubada do capitalismo e, para tanto, era preciso completá-las com a “expropriação dos bancos e o estabelecimento de um só banco nacional” e com “a conquista do poder pela classe trabalhadora” . Entretanto, para Chávez sua “via venezuelana ao socialismo” passa pela convivência com o capital privado tal como o demonstra seu chamado ao empresariado nacional a somar-se a seu projeto.

Ao contrário, nós socialistas revolucionários lutamos pela expropriação sem indenização e sob controle dos trabalhadores e dos usuários de todas as empresas privatizadas, no caminho de expropriar todas as grandes empresas, os bancos e as indústrias estratégicas de hidrocarbonetos e o estabelecimento de um governo da classe operária, a única classe que pode planificar o conjunto da economia de forma racional e a serviço das grandes maiorias operárias e populares e acabar definitivamente com a espoliação imperialista das riquezas de nosso continente.

A Juventud de Izquierda Revolucionaria (JIR), é a organização irmã da LER-QI na Venezuela, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

[1Programa Aló Presidente 264.

[2Agência Bolivariana de Noticias. 02/02/07.

[3Como explicamos no artigo “A ”˜revolução bolivariana”™ e o mito do ”˜socialismo do século XXI”™” , o conjunto do empresariado e setores transnacionais tem obtido imensos benefícios económicos e financeiros nos últimos anos.

[4Partido Socialista Unido da Venezuela. Organização política que impulsiona Chávez como partido único da “revolução bolivariana” .

[5Programa social que é o carro-chefe do governo Chávez, e abarca questões como moradia, saúde, etc.

[6Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca. As direções conciliadoras que estavam a frente da APPO impediram que se transformasse em um verdadeiro organismo de democracia direta dos explorados e oprimidos que elaborasse um programa operário e popular.

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