Sábado 27 de Abril de 2024

Nacional

O papel da CUT no governo Lula-Alencar

A estratégia da conciliação de classes e defesa do capitalismo

05 Mar 2003   |   comentários

A CUT, que neste ano completará 20 anos, continua mantendo sua “marca” de “central de esquerda” , “combativa” , “classista” . Esses termos são muito utilizados pela esquerda cutista, principalmente o PSTU, para reafirmar a CUT como uma central antipatronal, antigovernamen-tal e anticapitalsita, ao contrário da Força Sindical, criada em 1990 diretamente como uma central governista, patrocinada por Fernando Collor de Mello, a patronal e o imperialismo, na época, para garantir um braço sindical a esse governo que lhe permitisse impor a abertura das barreiras comerciais e da economia nacional aos grandes capitais e grandes monopólios imperialistas, como parte do plano de reformas “neoli-berais” . De fato, a Força Sindical nasceu e cresceu como braço sindical do governo Collor, depois de Itamar e FHC, inclusive tendo seus principais dirigentes diretamente nos partidos patronais.

Essa localização da Força Sindical e o fato de que os trabalhadores brasileiros ainda mantinham suas forças íntegras, tanto assim que Lula quase ganhou de Collor, davam as bases para que a CUT ainda aparecesse como uma central “comba-tiva” . Porém, o giro à direita das direções burocráticas, adaptando-se aos planos “neoliberais” e ao discurso de que o “capitalismo venceu” , também atingiu a direção burocrática da CUT. Os anos 90 iriam desmascarar o papel burocrático e pró-patronal da direção da CUT, onde seu “giro” definiu os anos de ataques aos trabalhadores e à nação que marcou essa década em que os planos “neoliberais” foram implementados pelos diversos governos pró-imperialistas brasileiros (Itamar e FHC) sem enfrentar grandes crises e conflitos.

No governo Lula-Alencar, a direção da CUT avançará em sua estratégia de conciliação de classes, pactos e tréguas em defesa do governo

A direção da CUT, rompendo com toda e qualquer posição classista, pretende manter os trabalhadores numa falsa consciência de que se “os patrões se derem bem, os trabalhadores ganharão” , ou seja, iludindo-os de que os interesses dos traba-lhadores são compatíveis (e não antagó-nicos) aos interesses dos patrões. Para essa direção cutista, o estado burguês e o regime de domínio ’ a democracia burguesa ’ não são as formas da ditadura das classes dominantes contra os trabalhadores e as massas oprimidas, isto é, a democracia dos ricos, como falava Lenin. Com essa estraté-gia de pacto e negociação, a direção ma-joritária da CUT procura a “ampliação da democracia” ’ a democracia dos ricos, onde os ricos ficam mais ricos e oprimem mais e os pobres ficam mais pobres e oprimidos ’ e a “inclusão social” [1] ’ manter a estrutura económica capitalista de exploração dos trabalhadores, onde nem sequer o “direito de trabalhar” , como o único elemento de verdadeira “inclusão social” , é garantido.

Agora, com Lula-Alencar, a CUT se aproveitará das ilusões e perspectivas que os milhões de trabalhadores, camponeses, pobres e classe média depositam no governo Lula-Alencar para avançar em sua estratégia de conciliação de classes ’ aliança entre trabalhadores e patrões ’, pactos e tréguas, para impedir que os trabalhadores possam atuar de forma independente e com seus métodos próprios ’ greves, piquetes, manifestações ’ em defesa das justas reivindicações e exigências para garantir sua sobrevivência diante do aumento do custo de vida, das perdas salariais e dos ataques patronais. Ao invés de explicar, educar e estimular os trabalhadores para retomar as tradições, confiar em sus próprias forças e atuar independentemente com os métodos combativos da classe, a direção majoritária da CUT, comprovando seu reformismo, não reserva qualquer papel aos trabalhadores a não ser “deixar” que “suas entidades representativas” tenham a exclusividade para “opinar e participar, na busca de viabilizar o programa com o qual o atual governo se elegeu” [2] . A própria direção burocrática da CUT não esconde que em sua estratégia os trabalhadores nem sequer podem “opinar” direta e livremente.

Para essa direção, o governo Lula-Alencar deve estabelecer “mecanismos adequados de diálogo para a negociação” [3]. Coerentemente, a direção majoritária da CUT aprovou a sua integração e participação no “novo mecanismo de diálogo e negociação” criado pelo governo Lula-Alencar ’ o Conselho de Desenvolvimento Social, constituído com 82 pessoas, sendo 41 empresários e 13 sindicalistas. Esse Conselho é a expressão efetiva do pacto social com o qual o governo Lula-Alencar pretende “negociar” seu “programa” com toda a “sociedade” . A constituição desse Conselho mostra que, para o governo Lula-Alencar, “toda sociedade” significa maioria de patrões e minoria de trabalhadores, como se vê pelos números acima. A direção majoritária da CUT, coerente com sua estratégia de pactos e tréguas da última década, defende e participa efetivamente, mesmo em minoria absoluta, de um Conselho que servirá para “moralizar e avalizar” as “reformas” que a burguesia exige e o governo Lula-Alencar dará continuidade para cumprir seu plano de “conciliar” as classes ’ burguesia e trabalhadores ’ em torno de um projeto de “desenvolvimento” económico que fortaleça o chamado “setor produtivo” dos capitalistas brasileiros e os interesses imperialistas. Assim como, na década de 90, a direção majoritária da CUT patrocinava as câmaras setoriais (pactos sociais restritos a setores empresariais e categorias de trabalhadores), agora, no governo Lula-Alencar se propõe a desenvolver um “programa de governo” que ajudaram a “construir” .
A direção majoritária da CUT pretende fazer acreditar que, mesmo participando do pacto social nesse Conselho criado pelo governo, estaria mantendo a “independência e autonomia em relação ao governo” [4] . Onde está a “independência e autonomia” da CUT se a central integra e avaliza o pacto social no Conselho de Desenvolvimento Social (criado pelo governo)? Onde está a “independência e autonomia” quando, nas eleições de outubro passado, foram eleitos “quatro senadores, 50 deputados federais e 61 deputados estaduais” em sua grande maioria eleitos no partido do governo, o PT? Onde está a “independência e autonomia” quando a direção da CUT se vê obrigada a aprovar “um remanejamento na composição da Executiva Nacional em função da saída de vários dirigentes para ocuparem cargos nos governos federal e municipal de São Paulo” [5] ? Como se vê, quando a direção majoritária da CUT fala em “independência e autonomia” em relação ao governo procura esconder sua estratégia pró-patronal e pró-governamental.

Construir um pólo independente, combativo e classista pela independência de classe

Diante do novo governo Lula-Alencar, dirigido por um operário metalúrgico em aliança com os capitalistas, as correntes sindicais e políticas ou todo ativista do movimento operário precisa reavaliar e rever, à luz da nova situação nacional e internacional, as estratégias para atuar para que os trabalhadores retomem as lutas contra a miséria, desemprego e fome da crise económica capitalista num patamar político que avance para unir e coordenar trabalha-dores empregados e desempregados em defesa de um programa operário de reivindicações comuns com o povo pobre e os setores oprimidos e um plano de ação independente, democrático, combativo e classista.

Os sindicatos não podem continuar apenas em campanhas salariais anuais, reivindicando e negociando a reposição de perdas passadas e a acumulação de perdas futuras até a próxima data-base. Os sindi-catos só podem servir verdadeiramente aos trabalhadores se resolverem tomar a única posição concreta e realista: organizar todos os explorados (empregados, desempregados e oprimidos) contra o sistema capitalista. Isso significa dizer a verdade aos traba-lhadores. Ou seja, cada reajuste salarial ou reivindicação que se conquista nas datas-base se começa a perder no mês seguinte, pois enquanto continuar o fantasma do desemprego, a divisão entre os trabalhadores e o controle da produção nas mãos dos capitalistas, esses somente vão ceder o que podem tirar novamente, com o meca-nismo da inflação, das demissões, das flexibilizações etc. Resumindo, os sindicatos, para lutar pelas mínimas necessidades dos trabalhadores e explorados, só pode recor-rer à estratégia de organizar a luta “política” contra o próprio sistema capitalista, seus planos económicos, suas instituições e seus governos. Ou seja, os sindicatos devem “fazer política” contra esse estado e sistema e não apenas “reivindicar” , que é neces-sário e básico, desse estado e sistema.

Enfrentando empresas capitalistas monopolistas centralizadas e completamente ligadas ao poder do Estado, através do qual determinam os diversos modos de controle e repressão (leis, polícia, justiça) sobre os trabalhadores e suas instituições, os sindicatos de trabalhadores “vêem-se obrigados a adaptar-se ao Estado capitalista” para “competir por sua cooperação” [6], ou seja, buscar refúgio no próprio Estado (patronal) para “se proteger” contra a força dessa patronal ’ a principal força é o controle que os patrões exercem sobre a produção, compra e venda de mercadorias, incluindo a força de trabalho. Ao buscar “proteção” no Estado patronal (suas leis e instituições), os sindicatos obrigatoriamente têm que assumir, cada vez mais, posições reformistas, ou seja, “posições de adaptação à propriedade privada” .

” Isto significa uma luta cujo objetivo é converter os sindicatos em órgãos das amplas massas exploradas e não em órgãos da aristocracia operária” [7], ou seja, de uma pequena parcela dos trabalhadores, normalmente os que têm maiores salários. Os sindicatos para serem “órgãos das amplas massas” devem romper com a atual estratégia corporativa, unindo e coordenando tanto os empregados como os desempregados, os efetivos e os contratados ou terceiri-zados e precarizados, rompendo efetivamente com a divisão imposta pela “força patronal” que, com demissões, precarização e informalidade, divide os trabalhadores e utiliza os desempregados como “arma” para que os empregados “aceitem” as exigências patronais. Unir e coordenar os trabalhadores não deve ser encarado como apenas uma tática de “unidade” (reunião de sindicatos ou “categorias” ) para “fortalecer” a luta, mas essencialmente como a estratégia efetiva contra a divisão e o corporati-vismo imposto pelo sistema económico, única forma de ameaçar ativamente os interesses patronais com a reorganização e centralização das forças dos trabalhadores, conquistando, realmente, uma estratégia de independência total diante do Estado e suas instituições, onde os sindicatos sejam livres das leis e normas capitalistas, respeitando apenas as decisões de seus trabalhadores, ou seja, a real democracia sindical.

Todavia, essa estratégia impõe uma condição fundamental: a democracia operária, isto é, a autodeterminação dos trabalhadores, o verdadeiro poder dos que lutam, ao contrário do “poder dos dirigentes” e “correntes” que tudo definem e “negociam” . Os sindicatos devem retomar as velhas tradições operárias, livrando-se dos métodos “parlamentares” atuais, onde os dirigentes são como deputados, com seus mandatos e autoridade sagrados, mesmo quando traem os trabalhadores, e “plenários” onde os trabalhadores não podem estar presentes. Chega de dirigentes sindicais que mais parecem deputados, pois se distanciam completamente das bases e reaparecem em épocas eleitorais. Os eleitos devem estar diretamente vinculados às bases. Livre eleição e revogação de todo e qualquer mandato eletivo ou representativo, de acordo com a vontade dos trabalhadores. Assembléias unitárias e amplas que determinem as posições dos trabalhadores e as responsabilidades dos mandatados em defendê-las. Organização independente dos trabalhadores nas empresas e locais de trabalho, sob controle e funcionamento democrático dos trabalhadores. A democracia operária, também, deve ser compreendida como o método unitário que permita aos trabalhadores conhecer todas as posições políticas dos partidos e correntes operárias para que possam decidir democraticamente para garantir a unidade e centralização.

Enfim, devemos retomar a estratégia revolucionária nos sindicatos, compreendendo que “as condições objetivas não deixam nenhum espaço para qualquer reforma séria, duradoura. O papel dos sindicatos em nosso tempo é, pois, o de servir como instrumento secundário do capitalismo imperialista para a subordinação e o disciplinamento dos operários e para obstruir a revolução, ou, ao contrário, o sindicato pode converter-se no instrumento do movimento revolucionário do proletariado” 8 para derrotar o sistema capitalista e seu estado burguês, na perspectiva da revolução operária e socialista, um estado operário sem opressão e exploração, onde os trabalhadores, em aliança com os camponeses e o povo pobre, dirijam uma verdadeira democracia baseada no controle coletivo da propriedade e da produção no interesse da maioria explorada e oprimida.

[1Resoluções da Executiva Nacional da CUT ’ 11 e 12/02/03.

[2Idem.

[3Tese para o VIII Congresso Nacional da CUT.

[4Resoluções da Executiva Nacional da CUT ’ 11 e 12/02/03.

[5Idem.

[6Leon Trotsky. Os Sindicatos na época de decadência imperialista.

[7Idem.

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