Quarta 8 de Maio de 2024

Cultura

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A arte fora da cerca

16 Feb 2008 | Esse texto abre uma seção do Jornal Palavra Operária que pretende discutir as perspectivas da arte na atualidade a partir do debate com as distintas posições sobre a produção e reflexão em seus diversos campos.   |   comentários

Na sociedade regida pelas leis do capital, a arte é uma área de acesso restrito. Apenas uma ínfima minoria tem condições parciais, tanto do ponto de vista económico e de acesso, quanto do ponto de vista da compreensão, de desfrutá-la. E isto não é novidade, basta andar pelas ruas de qualquer cidade para observar que, tudo aquilo que a sociedade capitalista produz com seus avanços tecnológicos e culturais é para poucos, incluindo-se aí a arte da época atual e aquilo que coexiste de épocas passadas. Não há que se iludir em pensar que por um punhado de centros culturais, fundados por bancos e multinacionais, o acesso à produção cultural de importância para a vida e a sensibilidade humana é amplo, irrestrito. A separação da arte com o público é profunda e de longa data, e é um problema posto em uma sociedade onde a exploração do trabalho visando o lucro é objetivo primeiro, colocando todos os seus frutos ao restrito acesso de sua classe dominante.

As movimentações nos diversos campos da arte, insurgentes no início do século passado, buscaram superar este isolamento, e instituíram como ação comum aos diversos grupos a retirada das academias, museus, galerias...Depararam-se, inevitavelmente, com as fronteiras contraditórias da sociedade em que se inseriam e por isso mesmo tiveram e tem sua importância: produziram destrinchando as formas de dominar e subjugar presentes na nossa vida cotidiana e ressaltaram a necessidade de mudar. Isso em um contexto efervescente, entre guerras e revoluções, no momento em que a ordem do capital mundial carecia de estúpidas vestimentas para encobrir suas contradições, papel hoje cumprido por mitos como a democracia representativa burguesa.

Entretanto, há pelo menos 20 anos que se fala, em crise da arte, arte pós-moderna, morte da vanguarda...É fato que, como fenómeno da relativização estéril da época em que vivemos a idéia de “arte pós-moderna” parece ter um leque tão grande de significados que supera a “diversidade” da produção artística dos últimos tempos. Para não nos perdemos neste conceito de “pluri-significados” , consideramos arte pós-moderna no sentido de delimitação histórica, especialmente daquilo que se forjou depois da década de 70. Isso porque, se tomamos a arte produzida no período anterior, podemos falar de um conjunto de movimentos com alguns traços em comum; enquanto que na arte posterior a década de 70 predomina a produção individual, sem necessariamente movimentações conjuntas dos artistas.

A produção artística posterior à década de 70 não caracteriza necessariamente uma ruptura com a arte modernista, como ocorreu muitas vezes na história da arte, frequentemente esta arte dita pós-moderna incorpora elementos do modernismo e de outras épocas. As referências modernistas, entretanto, não constituem o mesmo referencial hoje como a 50 ou 60 anos atrás. O desenho essencial das primeiras vanguardas modernas era a proposição de projetos que apontavam ou visavam a transformação radical da arte e da sociedade, mas o fazer artístico por si mesmo não pode transformar radicalmente a sociedade: modificar profundamente as bases económicas, políticas e sociais que sustentam esta ordem social imposta passa necessariamente por uma revolução social protagonizada por aqueles que a reproduzem e movimentam ’ a classe trabalhadora. Assim, com o refluxo dos processos revolucionários, a ofensiva neoliberal que se seguiu nos últimos anos e a incorporação do modernismo pelo capital e suas instituições (cobrando o preço de neutralização do efeito das proposições artísticas que souberam questioná-lo) começam a se desarticular movimentações, seja de indivíduos ou grupos, que apontassem os limites da sociedade e todos os traços das amarras que cerceiam nossa vida. Portanto, depois da institucionalização da arte moderna, utilizá-la como um referencial em parâmetros de estilo (do “estilo cubista ou construtivista” !) significa ao mesmo tempo um retrocesso para a arte contemporânea e um esvaziamento do sentido da produção de muitos artistas modernos.

É das mudanças e da escassez de produções artísticas que visem um efeito de profundidade ao serem dispostas ao público, seja qual for o meio utilizado para alcançá-lo, que começou aqui e ali se proclamar a morte da arte, a morte da vanguarda ou simplesmente a crise da arte.

É fato que, estando os artistas e sua produção inseridos na sociedade, não se pode imaginar que passam como fantasmas ilesos ao tempo em que vivem. O que ocorre é justamente o contrário; sem dúvida devemos considerar outros aspectos que influenciam nos objetivos e resultados que os artistas atingem através da produção de suas obras ’ como traços culturais, psicológicos, etc. ’ entretanto, não por acaso as vanguardas modernas eclodem no princípio do século XX: aquele que se dispõe a produzir uma arte autentica tendem a desenvolver uma compreensão sensível da época em que vivem e os aspectos dos avanços e retrocessos da mesma ’ de seu desenvolvimento tecnológico até o político ’ impactando a produção artística produzida no período corresponde.

Vivemos na fase imperialista do capitalismo, onde justamente porque a sociedade fundada sob a reprodução do capital atingiu seu ponto mais alto abrindo, desde o século passado, seu período de decadência. Remarcada pela atual crise financeira norte-americana, vivemos em uma época onde dia a dia se aprofunda a cova das contradições económicas e culturais entre a burguesia e o proletariado ’ onde a reprodução real do capital, condição essencial para sustentar a ordem dentro da qual sobrevivemos, passa a ser muito inferior ao necessário. E um período decadente traça uma tendência à decadência da produção artística e cultural, portanto não é destoante imaginar que a produção atual no campo das artes enfrenta problemas para se renovar e desenvolver em contraposição a ordem social que lhe cerca.

Mas não é porque a época é decadente que vamos logo decretando a morte da arte e esperando sentados que em algum momento ela ressuscite. A arte autêntica, no sentido do trabalho desafiador de forma e conteúdo nas obras, tem condições de se desenvolver apesar das limitações que esta sociedade nos impõe, inclusive para colocar a nu tudo o que está em suas entrelinhas ’ ainda que a arte não transforme a sociedade por si só, por vezes ela antecipa o anseio à mudança. E não há para uma nova arte um caminho, uma fórmula, cabe àqueles que a fazem, os artistas, criarem estes traços. Apenas uma questão está posta: ou a produção artística se coloca em perspectiva de questionamento e superação da sociedade capitalista ou está atada a sua decadência histórica e atrocidade diária.

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