Segunda 29 de Abril de 2024

Nacional

LUTA CONTRA IMPUNIDADE AOS TORTURADORES E ASSASSINOS DA DITADURA MILITAR

A Luta por uma estratégia independente, democrática e massiva para a Comissão da Verdade da USP

10 Jul 2012   |   comentários

Após um primeiro e importante ato realizado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que contou com a presença de professores como Fábio Konder Comparato, Jorge Luiz Souto Maior, Deise Ventura e Bercovici; todos eles intervindo fortemente a favor da instalação de uma Comissão da Verdade da USP, cerca de 500 pessoas entre estudantes, funcionários e professores, lotaram o auditório 5 FEA no dia 12 de junho para acompanhar o lançamento oficial da Campanha por uma Comissão da Verdade da USP; iniciativa impulsionada pelo Fórum Aberto pela Democratização da USP que participamos através do Sintusp, junto a Adusp, o DCE, centros acadêmicos, militantes do movimento estudantil e independentes.

Falaram na mesa de abertura a professora Marilena Chauí da FFLCH, que ligou a atual gestão do Reitor João Grandino Rodas ao “caldo de cultura em que se formou a Ditadura Militar”, o professor aposentado Paul Singer da FEA e a professora Vera Paiva do Instituto de Psicologia, todos eles ratificando a necessidade de se averiguar o passado recente da USP, a ligação da instituição como um todo ao período da Ditadura, a herança que deixou aos dias de hoje e a “necessidade de buscar a verdade para corrigir o presente”, como concluiu Paul Singer.

A Comissão da Verdade da USP (CVU) tem óbvia inspiração na recém-criada Comissão Nacional da Verdade que também tem estimulado a criação de outras comissões desse tipo em nível estadual e municipal em todo o país. A USP, agente e vítima da repressão ao mesmo tempo, proporcionou quadros como Gama e Silva e Alfredo Busaid para comporem a direção do país junto aos militares, mas ao mesmo tempo tem em sua história por volta de 40 ativistas e militantes que foram perseguidos, torturados e mortos, muitos dos quais tidos como desaparecidos políticos até os dias de hoje.

Consideramos extremamente positiva essa iniciativa, não só pelo debate aberto em nível nacional, que tem deixado os setores conservadores da elite militar e civil ouriçados com a (remota) possibilidade de verem os crimes que cometeram desnudados aos olhos da população, mas também pela conjuntura repressiva interna da USP e a estreita relação entre essa ofensiva da gestão João Grandino Rodas com o passado ditatorial que também atingiu em cheio a universidade.

Nós, militantes da LER-QI que somos ala minoritária da direção do Sintusp, temos participado deste fórum desde o início, junto com as organizações de direitos humanos e familiares de mortos e desaparecidos, além de setores democráticos de estudantes e professores, representações da Adusp, do DCE e CA’s, militantes organizados e ativistas independentes; com o claro objetivo de avançarmos para por abaixo a impunidade da ditadura de ontem que vive nos crimes ocultos, nos mortos e desaparecidos que nunca foram sequer “rememorados” pela USP, como é o gritante caso da Professora Ana Rosa Kucinski, sequestrada, torturada, morta e depois “demitida” pelo Instituto de Química na década de 70 por “abandono de emprego” um ano após seu “sumiço”, como se nada tivesse acontecido; para resgatar a história e exigir justiça contra os assassinos do Professor da ECA e diretor editorial da TV Cultura Vladmir Herzog, assassinado no DOPS e dado como suicida; além de exigir cadeia ao torturador militar Brilhante Ustra, recentemente condenado a indenizar os familiares do estudante Luis Eduardo Merlino, também assassinado nas dependências do DOI-Codi, entre tantos outros casos.

Entretanto, também lutamos para por abaixo a ditadura de hoje viva na estrutura de poder arcaica e antidemocrática que não permite sequer o elementar voto direto para eleição dos órgãos diretivos da universidade, concretizado na consigna “diretas pra reitor”. Não acreditamos que o simples sufrágio universal possa democratizar radicalmente a universidade tendo em vista que ainda manteríamos um único indivíduo, ou seja, um professor doutor, como figura máxima das decisões da universidade.

O que nós defendemos para por fim à impunidade permitida pela transição pactuada com os militares em nosso país é a punição dos delatores, torturadores e assassinos de dentro e fora da universidade, a revogação da Lei da Anistia de 1979, que permite a impunidade dos agentes e mandantes dos crimes cometidos pelo Estado brasileiro no regime militar, igualando torturados à torturadores. Do ponto de vista da luta pela democratização da Universidade, defendemos em primeiro lugar o fim de todas as perseguições políticas expressas na demissão de Claudionor Brandão, na expulsão de 8 estudantes e nos processos abertos contra dezenas de trabalhadores e estudantes. Ao mesmo tempo defendemos a dissolução do Conselho Universitário, órgão que permite a uma casta minoritária da burocracia acadêmica, eleita por menos de 1% da comunidade uspiana, gerir o bilionário orçamento da USP a favor de si própria, da burguesia paulistana e dos políticos de plantão. Defendemos a instalação de uma Estatuinte livre e soberana imposta pela mobilização daqueles que estudam e trabalham na universidade, para criar um governo tripartite com maioria estudantil, além do livre acesso do ensino médio ao ensino superior com o fim do vestibular e a estatização das universidades particulares.

O que a Comissão da Verdade da USP não deve repetir

Apesar da importância (tardia) de se impulsionar uma Comissão Nacional da Verdade, esta se deu sob a “benção” dos militares mais reacionários do país uma vez que foi costurada desde o início com aqueles que não têm interesse nenhum em apurar a verdade e o direito à memória daqueles que tombaram lutando contra o autoritarismo do regime militar. Menos ainda punir os culpados e seus mandantes civis e militares, muitos dos quais ainda impunes e bem vivos, presentes no parlamento, na administração das empresas nos nomes de ruas, praças, estradas e avenidas e, sobretudo, nos órgãos de repressão e inteligência do Estado que se mantiveram desde a Ditadura até hoje, apenas com nomes diferentes.

Logo após nomear os membros da CNV, iniciou-se um falatório por parte dos militares da ativa e principalmente da reserva que, do alto da soberba que sustentam fruto da impunidade que lhes conferiu a Lei da Anistia de 1979, começaram a colocar suas ainda manchadas fardas, sujas com o sangue dos tombados da ditadura mídia a fora, querendo com isso inibir ainda mais a pactuada comissão que nem bem nasceu e já se mostra completamente incapaz de realmente apurar e desnudar os crimes da ditadura, quem os praticou e a mando de quem.

Às vésperas do 48º aniversário do golpe (1º de Abril) neste ano, o Clube Militar da Marinha, no RJ, realizou pomposa cerimônia aos milicos, no centro da cidade, e aproveitou a festa da vergonha com a farda da impunidade para lançar a sua própria “comissão da verdade” que tem por objetivo resguardar juridicamente (e a força, claro) todos aqueles militares que forem convocados a prestar depoimentos, mesmo a CNV assegurando que não haverá responsabilidade jurídica a nenhum dos criminosos, mesmo assegurando a manutenção da impunidade e a manutenção da Lei da Anistia de 1979 que tem permitido desde então o perdão e o esquecimento dos criminosos civis e militares que agiam em nome da mesma elite política-burguesa também impune e ainda governante.

Recentemente, o torturador, ex-General e ex-Presidente Jorge Rafael Videla, foi condenado a mais 50 anos de prisão pelo rapto de bebês como parte de um plano sistemático executado durante o último governo militar na Argentina (1976-1983). Essa condenação se soma às outras duas de prisão perpétua que o mantém preso desde 2010 por outros crimes cometidos durante a ditadura argentina.

No Brasil, mesmo confessando que ativistas chegaram a ser incinerados em usinas de açúcar, como relata depoimento do livro do ex-delegado do DOPS Cláudio Guerra, ou mesmo confessando a existência da “Casa da Morte” em Petrópolis (RJ), por onde passaram alguns militantes que foram sequestrados e mortos como diz o macabro nome dado ao local, a Presidente Dilma vem a público, faz importantes denúncias das torturas das quais ela própria foi vítima, mas em seguida defende que o mais importante é “revelar a tortura” e não o torturador, como se esses atos fossem cometidos por entidades sobrenaturais inexistentes; mais uma garantia de que a CNV não cumprirá com a obrigação de exigir da justiça brasileira a punição dos torturadores ainda vivos.

Não à toa o Governo Dilma/PT corrobora com a impunidade dos militares e civis. O PT é fruto da transição pactuada que desviou a potencialidade revolucionária do último ascenso operário e popular que lutava pela queda revolucionária da Ditadura Militar. O PT se transforma, nas últimas três décadas, em um partido da sustentação da ordem burguesa, aliando-se aos setores mais conservadores da elite brasileira como Sarney, Renan Calheiros, Collor e até do reconhecido agente da ditadura militar, o caricato Paulo Maluf, que além de apoiador do governo Dilma, acaba de conformar uma espúria aliança com o candidato Fernando Haddad do PT/SP para a disputa municipal deste ano. Exatamente por isso que a CNV, que tem na sua composição membros como o ministro do STJ, Gilson Dipp, e o ex-ministro José Carlos Dias, porta vozes diretos daqueles que querem apurar “os dois lados”, ou seja, imputar crimes àqueles que resistiram e lutaram contra o golpe, boicotar o acesso a documentos sigilosos, criar depoimentos fechados, em suma, impedir qualquer acesso à verdade e muito menos a justiça.

CVU independente ou “espelho” da CNV?

Mesmo assim, setores quem impulsionam a Comissão da Verdade da USP defendem que os resultados da investigação dos crimes cometidos na universidade sejam submetidos e atrelados à CNV.

Apesar do tom geral que foi dado na grande maioria das falas que compuseram o lançamento da Comissão da Verdade da USP, de que é necessário averiguar e punir os envolvidos com a Ditadura Militar dentro da universidade, não consta no abaixo assinado da campanha pela CVU essa fundamental bandeira, a única capaz de romper o utópico e reacionário pacto de “reconciliação nacional” que a CNV pretende fazer, mantendo impunes os barões da oligarquia brasileira e seus cães de guarda militares que torturaram e assassinaram no passado sob a alegação de luta contra o comunismo e que hoje seguem torturando e matando nas chacinas do campo e das cidades, em nome do “Estado Democrático de Direito”, para seguir perpetuando a gigantesca desigualdade social que vive nosso país.

Além disso, é embasado em decretos do período da Ditadura Militar que se assenta até os dias de hoje boa parte do estatuto da USP, sobretudo o decreto-lei que instaurou o Regimento Disciplinar de 1972 que fundamenta toda a perseguição política existente na USP, responsável pela expulsão de seis estudantes no final do ano passado e por toda a criminalização dos movimentos sindical e estudantil que visa eliminar dezenas de outros estudantes e demitir boa parte da diretoria do sindicato e, portanto, uma demanda elementar é a revogação deste decreto persecutório.

É fato que, se conseguimos impor pela força de nossa mobilização o reconhecimento da CVU pela burocracia universitária, mantendo sua autonomia e independência frente à administração central para apurar todos os crimes cometidos, damos um grande passo para desmascarar a atual gestão repressora de João Grandino Rodas e, como consequência, lutarmos pela democratização da USP através de uma Estatuinte livre e soberana. Entretanto, não devemos esperar que essa administração legitime a criação da CVU para que possamos iniciar a luta democrática pela abertura dos arquivos da ditadura, para que façamos ações unificadas de estudantes, funcionários e professores que se aproveite de toda discussão nacional que tem existido em torno desse tema, e colocar em prática a CVU ligando-a à necessidade de se democratizar a USP dos dias de hoje.

Nesse sentido, achamos utópico acreditar no governo de Dilma/PT, que não pretende punir os criminosos da Ditadura como evidenciam todas suas ações, nem tampouco democratizar o acesso e a estrutura de poder das universidades federais, como demonstrou a brutal repressão aos estudantes em greve da Unifesp, e como vem demonstrando a total intransigência com as 53 greves das universidades federais de todo país que Dilma e o PT se recusam em negociar.

Defendemos, portanto, que a Comissão da verdade da USP se constitua de maneira autônoma e independente da CNV e também da burocracia acadêmica representada pela figura do Reitor João Grandino Rodas e do Conselho Universitário, se constituindo através das representações dos estudantes, funcionários, professores e suas entidades de base, pela abertura total dos arquivos da Ditadura Militar dentro e fora da USP e pela punição dos agentes e mandantes responsáveis pelos assassinatos e torturas cometidos nos anos do regime militar.

São os resquícios da impunidade em seu estatuto e em sua antidemocrática estrutura de poder que permite a reitoria e ao governo do PSDB manter viva a Ditadura nos dias de hoje e, é sob a perspectiva aqui apresentada, que lutaremos ao lado daqueles que querem apurar e punir os criminosos de ontem e impulsionar na USP uma Estatuinte livre e Soberana para democratizá-la efetivamente nos dias de hoje, combatendo também contra as tentativas de auto-reforma que a reitoria e a burocracia universitária volta e meia buscam implementar para esconder debaixo do tapete a reacionária estrutura de poder das universidades brasileiras e da USP em particular.

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