Sexta 26 de Abril de 2024

Internacional

A Espanha anuncia tempos turbulentos

20 Mar 2004   |   comentários

O brutal atentado de 11 de março em Madri e as dramáticas mudanças posteriores que levaram a uma inesperada vitória do PSOE, terão importantes conseqüências tanto para a Espanha como em nível internacional. A derrota do Partido Popular de José Maria Aznar é um golpe para a estratégia de George Bush que acaba de perder um aliado chave para sua política guerrerista, num momento em que sua presidência é questionada pelas manipulações e mentiras com que justificou a guerra contra o Iraque.

Os acontecimentos espanhóis só podem ser compreendidos no marco de uma situação mundial volátil e instável, marcada por giros bruscos e violentos, tanto no nível da economia como da política e da ação do movimento de massas.

Os atentados às torres gêmeas em setembro de 2001, aceleraram a decisão do governo de Bush-l que havia assumido como resultado de eleições fraudulentas e necessitava de legitimidade -, de lançar uma política imperialista ofensiva e unilateral, baseada no enorme poderio militar norte-americano, para redefinir o domínio dos Estados Unidos sobre o mundo. A guerra, primeiro contra o Afeganistão, e, sobretudo, a guerra contra o Iraque levaram a uma grande polarização em nível internacional, que se refletiu nas crescentes disputas entre as potencias imperialistas. Mas também na emergência de um movimento de massas inédito, com epicentro nos países aliados dos Estados Unidos - Grã Bretanha, Espanha e Italia - onde milhões saíram a repudiar esta guerra imperialista.

A derrota eleitoral do Partido Popular na Espanha não se pode explicar senão por meio da combinação destas enormes contradições internacionais e das que se desenvolveram no Estado espanhol durante os dois mandatos do direitista Aznar.

90% dos espanhóis haviam se oposto à participação na guerra contra o Iraque e milhões se mobilizaram em todo o país contra a decisão do governo espanhol de somar-se incondicionalmente ao bando norte-americano.

O selvagem atentado em Madri que custou a vida de 200 espanhóis e deixou mais de mil feridos, em sua esmagadora maioria trabalhadores e estudantes, foi um estopim para que estas contradições se expressassem nas ruas e no resultado eleitoral.

Imediatamente depois do atentado, se puseram de manifesto as mentiras descaradas do governo de Aznar que culpou a organização separatista basca ETA pelo massacre, pretendendo ocultar assim que era o responsável pelo povo espanhol ter pago as conseqüências de suas políticas imperialistas. A atitude do governo de pretender usar o terror da população para tirar vantagem eleitoral expós o controle governamental dos meios de comunicação e o servilismo destes que, como nos Estados Unidos com a mentira escandalosa de Bush das armas de destruição massiva, não hesitam em reproduzir as justificativas dos governos para levar adiante massacres como a guerra do Iraque. Mostrou a submissão do PSOE frente ao PP e inclusive à Esquerda Unida que fizeram eco à “unidade nacional” que Aznar tentou impor. Mas, sobretudo, deu lugar à ação de milhares que saíram as ruas, desafiando a proibição de campanha eleitoral e o uso que o governo pretendeu fazer dos mortos e dos feridos, e gritaram a toda Espanha e ao mundo sua indignação, cantaram consignas contra a ocupação do Iraque, exigindo o retorno das tropas espanholas, e finalmente no domingo, 14 de março, deram o triunfo eleitoral ao PSOE.

As contradições profundas que levaram à derrota de Aznar

Ainda que fosse evidente que o PP estava declinando lentamente e que se discutisse muito a possibilidade de que ganhasse, mas sem alcançar a maioria absoluta que tinha até agora, nada antes de 11M parecia indicar a derrota de seu candidato Rajoy. Na realidade, mais que o PSOE ganhar, perdeu o PP.

O partido de Rodríguez Zapatero e Felipe González, um partido de gestores do capitalismo, formado por políticos absolutamente corruptos, ainda que se chame “operário” e “socialista” , de nenhuma maneira poderia ter derrotado categoricamente o PP, na ausência de um acontecimento como o atentado em Madri e da reação inédita que gerou.

A perspectiva do triunfo do PP se apoiava, sobretudo, em uma base social direitizada que se beneficiou de suas políticas neoliberais. Durante seu governo, Aznar “tirou” a Espanha da crise económica que a havia levado a ter o mais alto desemprego da Europa, ao preço de liquidar conquistas operárias e de “flexibilizar” as condições de emprego e aproveitando os subsídios da União Européia. Com esta receita conhecida, gerou 4,5 milhões de empregos ultra-precários, e se beneficiou da mão-de-obra imigrante. O governo do PP afiou as garras de suas empresas imperialistas que de quase nada se transformaram em grandes multinacionais, como a Repsol ou a Telefónica na América Latina, processo que já havia começado sob o governo “socialista” de Felipe González. Este situação levou a uma crescente polarização social com o surgimento por um lado de uma nova classe media xenófoba e profundamente anti-operária, e por outro de uma massa de trabalhadores espanhóis e imigrantes mal pagos e “flexibilizados” .

O governo do PP constituiu o último capítulo de um processo de “modernização capitalista” que marcou a Espanha desde a saída do franquismo nos anos 70, que lhe permitiu se localizar entre as 10 principais economias do mundo. A democracia imperialista espanhola surgiu do Pacto de Moncloa, baseado no acordo reacionário dos partidos do regime, ao qual se somou o Partido Comunista, e do qual nasceu a constituição de 1978 que deu continuidade à monarquia e manteve como valor supremo a unidade do estado espanhol sobre a base da opressão e da renúncia à aspirações indepen-dentistas do País Basco e da Catalunha.

Mas este processo de “modernização” deu lugar a contradições e fissuras que foram agravadas nos últimos anos pela política do PP, um partido que tem suas origens das entranhas do franquismo, com sua reafirmação do “espanholismo” e sua campanha “antiterrorista” contra o ETA. As burguesias basca e catalã, que haviam aceitado o submetimento ao Estado em troca de suculentos negócios, agora começaram a rediscutir os termos de sua participação no Estado espanhol, reclamando, por exemplo, o direito a negociar de forma independente sua inserção na União Européia.

Do ponto de vista social, o caráter opressivo do regime espanhol com seu discurso monárquico e católico, vem sendo rechaçado majoritariamente pela juventude que se expressou massivamente nas greves estudantis e no movimento antiguerra.

Ainda que o movimento operário tenha sido golpeado e a burocracia sindical colaborado estreitamente na modernização “neoliberal” , no último ano se desenvolveram conflitos operários selvagens com enfrentamentos com a polícia que expressam uma Espanha operária e popular que ainda não irrompeu plenamente na cena política.

A estas contradições internas, Aznar agregou uma política exterior agressiva. Com o afã de negociar melhor sua participação como aliado menor dos EUA na América Latina, Aznar comprou para Espanha as contradições que Bush gerou em todo o mundo, participando na guerra e ocupação do Iraque contra a opinião da maioria da população. O atentado de 11-M atuou como catalizador, provocando uma mudança no estado de ânimo das massas que se expressou em um importante aumento na participação eleitoral e foi canalizado pelo triunfo de Rodríguez Zapatero.

Rodríguez Zapatero tentará amortizar as contradições mais agudas, no plano interno e externo. Mantendo o compromisso com a “luta antiterrorista” e o caráter centralizador e opressor do Estado espanhol, provavelmente tente uma política mais “dialogante” com as nacionalidades, e se as circunstâncias exigirem, conceder mudanças constitucionais menores para conter o máximo possível a situação e dilatar a tendência à decomposição da Espanha. Mas esta frente não será nada fácil de ser alcançada devido à nova fortaleza que adquiriram os nacionalistas, como mostra o fortalecimento eleitoral da Esquerda Republicana de Catalunya, desbancando os nacionalistas neoliberais e os conciliadores da Con-vergencia i Unió. Também não será fácil lograr a frente social da qual os setores mais golpeados pelas políticas do PP podem aproveitar o triunfo do PSOE para fortalecer suas reivindicações. Demais para um governo débil que tem dito que governará em minoria.

As conseqüências internacionais do 11-M

A imprensa internacional qualificou com razão o resultado eleitoral na Espanha como um verdadeiro terremoto político a nível mundial, já que aprofunda o isolamento de Bush e seus aliados Blair e Berlusconi, e fortalece o bloco imperialista europeu dirigido pela Alemanha e pela França. Isto abre a possibilidade de uma participação maior no Iraque das Nações Unidas e das potências que se opuseram à guerra unilateral dos Estados Unidos, que podem beneficiar-se de situações de crise.

A promessa de Zapatero de retirar as tropas espanholas do Iraque em 30 de junho “se não houver uma intervenção de conjunto votada pela ONU” , abre um momento de tensão e incerteza sobre o futuro da ocupação imperialista do Iraque, que vem sofrendo a ação da resistência local. Os sócios menores da coalizão militar imperialista, Polónia, Japão, Itália e Austrália, se verão submetidos a uma dupla pressão tanto de suas populações, que temen ser alvos de novos atentados; como dos EUA, que devem evitar que uma possível retirada espanhola se transforme em uma crise maior da aventura imperialista no Iraque. Esta situação aumenta o custo da ocupação do Iraque para a Grã-Bretanha e o governo de Blair, que tem uma aliança estratégica com os Estados Unidos.

Já Bush e os mais aferrados neoconservadores, saíram a responder a esta perspectiva, denunciando que a retirada das tropas do Iraque não seriam mais que uma capitulação à “chantagem terrorista” . O governo norte-americano tentará subir a aposta em sua “guerra contra o terrorismo” , colocando-se para o mundo e para o seu eleitorado norte-americano como o único que pode fazer frente a esta ameaça à segurança.

Neste marco não pode descartar-se que se acelerem os tempos de uma operação punitiva sobre o norte do Paquistão, onde aparentemente teriam se concentrado os seguidores da Al Qaeda e inclusive o próprio Bin Laden, logo após a guerra do Afeganisto.

Com as eleições norte-americanas pela frente e a perspectiva de uma derrota de Bush, se aponta para os próximos meses uma situação internacional tensa e instável, na qual a possibilidade de novos atentados e de mudanças bruscas estará na ordem do dia.

O Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) é a organização irmã da LER-QI na Argentina, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

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