Sábado 27 de Abril de 2024

Movimento Operário

CRÔNICA

"Você já leu esse livro aqui?"

29 Sep 2011   |   comentários

Elisa trabalhava com Silvana. Um dia no trabalho Silvana lhe mostrou um livro que falava dela própria. Contava a história de uma luta das trabalhadoras terceirizadas da limpeza na Universidade de São Paulo. Contava que elas perceberam que não eram escravas e não poderiam ser tratadas como tal. E que era necessário lutar. Elisa se interessou e ficou com um livrinho. Não tinha muito costume de ler, mas levou pra casa, deixou em cima da mesa e foi dormir. No dia seguinte não encontrou o livro. Sua mãe, Inês, havia pegado. Ela se interessou porque também trabalha como terceirizada da limpeza, e na capa tinham duas moças com um uniforme parecido com o dela.

Elisa ficou quieta pra ver o que ia acontecer, se a mãe só ia folhear e depois devolver. Mas a mãe não largou o livro. Devorou. E foi trabalhar. No trabalho, como terceirizada da limpeza, já havia um pequeno conflito, um desrespeito forte, um assédio moral. A encarregada, agindo ao lado dos patrões, pensava que mandava nela. Mas aquele dia era diferente. Porque na noite anterior Inês havia tido contado com a luta das trabalhadoras terceirizadas da Dima – sem nem saber que depois vieram as lutas da União, da BKM e de outras que não conhecemos. E quando um trabalhador conhece o que outros trabalhadores fizeram isso pode ter um resultado explosivo. E é esse o medo que tem os patrões e a burguesia impondo aos trabalhadores que eles estão sempre começando do zero e impedindo que se vejam como parte de uma mesma classe, numa mesma luta.

Inês já havia dito para sua filha Elisa que depois de ler o livro percebeu que tinha o direito de fazer qualquer coisa. E foi o que fez. A encarregada quis transferi-la, num ato de assédio moral, e Inês, depois de tanto tempo com a cabeça abaixada, levantou a cabeça e disse não. Neste pequeno ato se concentrava a força das trabalhadoras da Dima, influenciando Inês. Ela disse que não e a encarregada não acreditava, não entendia. E então Inês lhe mostrou da onde vinha a sua força “Você já leu esse livro aqui? Pois bem, então fique quieta que você não sabe nada. Esse livro aqui me deu força pra dizer que não vou fazer o que não quero”.

**

Este relato verdadeiro, que ocorreu a algumas semanas na Zona Oeste da cidade de São Paulo, poderia ser somente mais uma história contada. Mas é expressão da força e do alcance que pode ter as experiências vivas da classe operária brasileira. Em pequeno, expressa a importância de teorizar sobre os processos da luta de classes, por menores que sejam. Na USP e no Sintusp estamos fazendo parte da história dos setores mais explorados da classe operária brasileira, pois já criamos uma memória de luta entre os terceirizados que viveram lutas como da Dima, União, BKM, entre outras e contam para seus familiares, contam para seus amigos, não se esquecem que é possível lutar.

Isto é parte de uma estratégia de atuação na luta de classes, que busca lutar contra a adaptação ao sindicalismo brasileiro, que impõe datas para lutar, que separa as demandas sindicais das políticas e que deixa de fora todos os setores de trabalhadores precários e terceirizados. Ao mesmo tempo, é parte da estratégia de impedir a divisão na classe trabalhadora, e de buscar apoio entre outros setores da sociedade, como os estudantes e intelectuais, que tão decisivos foram para cada um destes combates.

Este livrinho que fez uma trabalhadora ter força para dizer não a uma ordem patronal se chama “A precarização tem rosto de mulher” e foi organizado por mim junto às companheiras do grupo de mulheres Pão e Rosas e também militantes da LER-QI. Conhecer este tipo de relato – entre alguns outros que já conhecemos – nos enche de energia para continuar acreditando na classe operária, continuar acreditando que esse verdadeiro “exército silencioso” de mulheres trabalhadoras oprimidas e humilhadas será um batalhão da “linha de frente” na luta contra a exploração deste sistema capitalista, já questionado por uma crise que ele próprio criou.

De um pequeno “não” a um desmando patronal, até a verdadeira organização dos trabalhadores, que transcenderá os sindicatos - colocando a necessidade de se organizarem em instrumentos pela tomada do poder, como um partido revolucionário -, as experiências vivas das antigas gerações da classe operária são fonte de confiança para os trabalhadores de hoje. Uma pequena luta como a Dima tem esse poder de influência, o que dirá quando os trabalhadores e trabalhadoras brasileiras conhecerem o mais avançado da classe operária internacional, que chegou a tomar o céu por assalto. É uma tarefa dos revolucionários fazer chegar à classe operária a sua própria história. Avante!

Artigos relacionados: Movimento Operário , Gênero e Sexualidade









  • Não há comentários para este artigo