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Nacional

Um tortuoso segundo mandato para Lula

10 Dec 2006   |   comentários

A vitória de Lula no segundo turno foi numericamente estrondosa. Os mais de 58 milhões de votos, que fizeram Alckmin comer poeira permitiram ao governo iniciar as negociações para o segundo mandato na ofensiva e conseguir costurar uma base governista mais ampla que no primeiro mandato. Prova disso é a aliança com o PMDB. Os caciques desse partido e o governo tentam criar uma ilusão de que a aliança é “programática” , mas é claro que não passa de um acordo em que o governo cede ministérios e o controle de empresas públicas (como os Correios, a Eletrobrás etc.) para a corrupção comer solta e, em troca, o PMDB apóia as votações no congresso.

Na mídia, Tarso Genro, ministro das Relações Institucionais, e Lula tentam criar um clima de coalizão ampla pelo crescimento económico e colocar a oposição na defensiva dizendo que “não está mais em jogo a disputa entre oposição e governo, e sim o ”˜programa para que o Brasil tenha 5% de crescimento no ano que vem”™” [1] O PSDB e o PFL, enfraquecidos pela derrota, não conseguem organizar uma oposição forte, mesmo porque uma importante ala (em especial Aécio Neves e José Serra [2] quer manter boas relações com Lula, de olho em um possível apoio para 2010, e uma outra ala encabeçada por FHC e Tasso Jereissati pretende uma oposição muito mais dura, na linha dos seus aliados do PFL.

Essas vitórias do governo no plano político podem levar o observador desatento a concluir que Lula estará muito forte no segundo mandato, mas são muitas as contradições que permeiam o governo.

Um voto de (des)confiança

A forte polarização política nacional no início do segundo turno levou Lula a utilizar uma retórica contra o corte de gastos e contra as privatizações, defendendo o contrário do que fez nos quatro anos de governo e do que pretende fazer nos próximos quatro. O fato desse discurso ter recuperado os votos perdidos mostra que as massas brasileiras, especialmente as camadas mais pobres, ainda guardam na memória os oito anos de governo FHC e seguem rechaçando o receituário neoliberal de “choque de gestão” e privatização.

No entanto, essa mesma votação massiva em Lula se deu sem o entusiasmo de 2002 e sem a mesma paciência para que se superasse a “herança maldita” dos anos FHC. Nesses quatro anos as diversas denúncias de corrupção minaram a base “ética” que trazia muitos votos ao PT entre as classes médias. Entre os trabalhadores, para quem houve pouco ou nenhum ganho efetivo no primeiro mandato, o PT e a CUT já não contam com o mesmo poder de contenção que no passado.

Prova disso foi a atuação da CUT e do MST, que pela primeira vez não fizeram campanha abertamente pelo governo Lula. Sentindo isso, o próprio presidente reeleito declarou que quer “começar o segundo mandato agindo de forma muito mais forte e ousada” , e prossegue: "o Brasil já fez todos os sacrifícios que tinha que fazer. O povo brasileiro precisa colher agora um pouco de benefício" [3]

Por trás do pacote de bondades, um saco de maldades

Tudo estaria muito bem para o governo se o “povo brasileiro” pudesse colher mesmo alguns frutos de seus sacrifícios. Mas aí entra em cena a necessidade de satisfazer o setor burguês que apóia Lula e com ela uma enxurrada de contradições.

Durante e antes da campanha a crítica mais firme feita por quase todos os setores burgueses do país foi ao baixo nível do crescimento da economia brasileira, ainda mais quando comparado com os outros países da América Latina. Se a estabilidade da economia mundial permitiu que Lula se reelegesse apesar de todos os escândalos de corrupção graças a um crescimento pequeno, porém estável, que deu uma boa margem de manobra para o governo, o temor de um abalo na economia mundial ou mesmo de um pequeno desaquecimento desta faz a burguesia brasileira ter muita pressa em aumentar os níveis de crescimento e com isso aumentar seus lucros.

No entanto, para fazer a economia crescer é preciso “baratear” a produção, o que significa atacar os salários e direitos dos trabalhadores. É por isso que as reformas trabalhista, sindical e previdenciária são tão cobradas pela patronal. Mostrando isso, a Fiesp [4]elaborou um estudo que defende “corte drástico nos cargos de confiança e reajuste salarial zero nos próximos dois anos para o funcionalismo” , além de uma “nova previdência social” e “redução de gastos públicos” “ [5] Para realizar cada um desses ataques, o governo terá de se enfrentar com resistências na própria máquina do estado e entre os trabalhadores. Mesmo agora, quando o governo anuncia o “pacote de bondades” e isenta as empresas de R$ 12 bilhões de reais em impostos, analistas da burguesia se perguntam de onde vai sair o dinheiro e dizem que “a parte dolorosa” ainda não foi feita. Ou seja, perguntam onde está o pacote de maldades com corte de gastos e ataques aos trabalhadores, afinal, esses R$ 12 bilhões têm que sair de algum lugar.

Um regime desgastado

Ainda que a economia se mantenha estável mundialmente, mantendo certa margem de manobra para o governo aplicar os “planos de crescimento” , isso se dará num regime muito mais desgastado. O segundo mandato começa ainda sob a sombra dos escândalos de 2005, que se estendem agora com CPI e mais denúncias contra PSDB e PT.

É, de fato, uma vitória do governo a aliança com um PMDB mais unificado, colocando na base governista a maioria no congresso. Também é alentador para Lula que a oposição do PSDB e PFL se encontre ainda na defensiva. Mas nesse processo eleitoral, os partidos da burguesia se mostraram muito pouco capazes de conter os interesses das inúmeras frações da burguesia. O próprio PMDB se encontrou dividido durante todo o processo e só se “unificou” agora frente à distribuição de cargos e ministérios, uma unificação muito precária que pode ruir frente às primeiras diferenças de interesses entre os setores que compõe esse saco de gatos que é o PMDB. Outra contradição importante se expressa no próprio PT, onde alguns setores lutam por mais espaço no governo, descontentes com a divisão de poderes entre os partidos da base aliada, que colocam em segundo plano o próprio partido do presidente. Também não se pode ignorar que a oposição conserva uma base de apoio nas regiões Sul e Sudeste, onde elegeram governadores e diversos parlamentares e onde Alckmin teve expressiva votação.

Um segundo mandato repleto de contradições

Longe de aparentar uma catástrofe certeira, o quadro que temos um mês depois das eleições mostra uma importante fortaleza do governo no plano das alianças políticas e do respaldo das massas. No entanto, as margens de manobra de Lula parecem se encurtar apesar da sua aparente força.

Se Lula buscar se apoiar na sua maioria no Congresso e no apoio dos setores burgueses para atacar o nível de vida dos trabalhadores, para “fazer o país crescer” , irá se chocar com um movimento operário que deu mostras iniciais de que está disposto a resistir a novos ataques. E ainda por cima, dessa vez há importantes contradições dentro da CUT e do MST, pressionados diretamente pela base, e que talvez não possam servir tão bem como rede de segurança a Lula em momentos cruciais. De outro lado, se Lula segurar as rédeas nos ataques, tentando preservar seu apoio popular, pode ver as alianças e os apoios na burguesia desaparecerem rapidamente. Isso daria um novo fólego para as alas do PSDB e para o PFL, que apostam numa oposição mais raivosa contra Lula.

Isso significa que apesar da “enxurrada de votos” o segundo mandato de Lula promete ser mais tortuoso que o primeiro.

[1Folha Online de 24/11/2006 citando o ministro Tarso Genro do PT.

[2Aécio, governador de Minas Gerais, e Serra, governador de São Paulo, são os dois nomes mais cotados para suceder Lula na presidência, inclusive apoiados por ele já que o PT não tem um sucessor.)

[3Lula na Folha Online de 24/11/2006.

[4Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

[5Fiesp e Iedi dão a receita para crescimento de 7%” . O Estado de S. Paulo, 24/11/2006..

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