Quinta 16 de Maio de 2024

Nacional

Um primeiro balanço ante o segundo turno das eleições

30 Oct 2006   |   comentários

Superando as pesquisas de intenção de voto divulgadas até um dia antes das eleições, o tucano Geraldo Alckmin teve 41,6%, contra 48,6% de Lula e conseguiu empurrar as eleições para o segundo turno. A terceira colocada foi Heloísa Helena com 6,85% e o quarto foi Cristovam Buarque do PDT, com 2,45%.

O crescimento dos tucanos na reta final se deve à classe média de São Paulo, do Sul e do centro-oeste do país. A classe média, principalmente paulista, que votou em Lula em 2002 acreditando na possibilidade de mudanças, frente ao continuísmo e a corrupção do governo Lula, sinalizou uma volta aos seus representantes tradicionais do PSDB. Neoliberalismo por neoliberalismo, vê em Alckmin a possibilidade de um governo “responsável” e “eficiente” . Os votos que quase levaram Lula à vitória no primeiro turno se concentram no norte e nordeste do país, nos estados do sudeste à exceção de São Paulo e nas faixas de menores salários em São Paulo e nos estados do Sul, onde Alckmin ganhou. Essa votação expressiva se deve ao programa “bolsa-familia” , que atinge mais de 11 milhões de famílias, a maioria do nordeste, a programas sociais de baixo alcance como o “Universidade para Todos” , mas de grande repercussão, além de ter investido dinheiro do governo federal numa região sempre relegada como o nordeste.

Os extremos do espectro político nacional saíram debilitados. De um lado o PFL perdeu peso nos estados e amargou uma derrota histórica para o PT na Bahia, tradicional feudo político do coronelista António Carlos Magalhães. Ao mesmo tempo a “bancada da bala” [1] diminui no Congresso nacional. De outro lado, a esquerda também diminuiu. Na bancada petista ganhou peso a ala direita do partido em detrimento da “esquerda petista” que perdeu 6 deputados federais. O PSOL, ainda que conquistou uma considerável votação, não atingiu as expectativas geradas e passou de sete representantes que tinha no Congresso nacional, eleitos ainda pelo PT, a três. O PSTU, dissolvido na Frente de Esquerda praticamente não apareceu como partido e saiu debilitado. O PCO, que já vinha tendo uma política de isolamento da vanguarda, teve a sua candidatura à presidência impugnada numa medida ultra reacionária da burguesia brasileira, e impotente para responder a este ataque, obteve uma votação ínfima, aprofundando seu isolamento.

Voto nulo no segundo turno

A agenda de Lula os trabalhadores já conhecem. Em seu segundo mandato este buscaria aprofundar as reformas neoliberais: a aprovação da segunda fase da reforma da previdência, a aplicação de uma reforma trabalhista, de una reforma tributária e manter uma política favorável aos grandes bancos e multinacionais. Parte importante desta ofensiva patronal é compartilhada por Alckmin. Os trabalhadores não temos nada a ganhar de nenhum destes dois candidatos. Mas objetivamente um triunfo de Alckmin fortaleceria a política imperialista para a América Latina e seria um giro da tendência (iniciada no começo da década) a mudança dos representantes governamentais na região por variantes mais reformistas para um governo dos partidos e variantes tradicionais da burguesia, com conseqüências nacionais e a nível regional pela importância do Brasil.

Lula aplicou seus planos neoliberais se equilibrando entre os distintos setores de uma fracionada burguesia, se apoiando em organizações de massas como a CUT e o MST e acenando com medidas demagógicas ou assistencialistas e no seu carisma e origem social para governar o país. Alckmin se apoiaria muito mais no imperialismo norte-americano, e numa política interna de maior repressão. Seria um aliado estratégico do imperialismo na região para combater governos como o de Chavez e Evo Morales. Na negociação da Petrobras com o governo boliviano, por exemplo, Alckmin já expressou que teria uma linha ainda mais dura que a de Lula.

Na disputa entre Lula e Alckmin, não se trata, para os trabalhadores de escolher o mal menor. Chamamos a votar nulo porque a tarefa que temos pela frente é fazer um setor da poderosa classe operária brasileira avançar na sua independência de classe e preparar assim o terreno para a resistência aos ataques que virão, sejam aplicados por tucanos ou por petistas.

O PT e o movimento operário

O PT conservou os votos na maioria de sua base operária, mas mudou qualitativamente sua relação com ela. Definitivamente não é mais um partido de militância, o que podemos constatar com a ausência de ativismo de organizações como o MST e a baixa votação de importantes sindicalistas da CUT. Isso também se expressa em uma votação mais desconfiada em Lula e no PT e na redução do número de parlamentares da “esquerda petista” . Esse espaço a esquerda no movimento operário que já vinha se mostrando nas eleições sindicais na qual a Conlutas obteve boas votações se confirmou nos processos de luta. Na Volks, por exemplo, cerca de 40% dos operários votou contra o acordo entre Sindicato e patronal em torno das demissões voluntárias. Na atual campanha salarial de bancários, em vários estados os trabalhadores deflagraram greve à revelia do comando nacional dirigido pelo PT.

Infelizmente, esse desgaste petista que abre um espaço claro de influência para a esquerda dentro do movimento operário não se expressou nas eleições.

O que foi a Frente de Esquerda e a candidatura Heloísa Helena?

Se é verdade que a Frente de Esquerda não foi composta diretamente por setores burgueses conformando uma Frente Popular, foi profundamente hegemonizada por setores pequeno-burgueses oportunistas, com o PSTU se diluindo ao não dar uma batalha efetiva por uma Frente Classista. O exemplo mais gritante dessa passividade foi se negar a votar no CONAT um programa e uma política classista para as eleições, como propusemos os trabalhadores de nossa organização para levar a vanguarda expressa nesse congresso à luta pela hegemonia das posições classistas em uma eventual frente contra as posições pseudo anti-neoliberais.

Mas quando começa a campanha é que Heloísa Helena começa a frustrar a expectativa de amplos setores da vanguarda e da militância do próprio PSOL e do PSTU. Optou pelo intelectual desenvolvimentista César Benjamin como vice, buscando a confiança de setores empresariais e acenou a cada aparição pública para a classe média com um discurso moralista de “ética na política” . Longe de partir de se apoiar na pouca base que tinha em setores de vanguarda para buscar criar alguma relação orgânica com setores do movimento de massas e se apresentar como uma verdadeira alternativa para os trabalhadores, Heloísa Helena se descolou o máximo possível desses setores para se apresentar como alternativa....para a classe média e a burguesia “progressista” .

É o que se expressa de maneira dramática para os setores classistas e combativos da Frente de Esquerda com o apoio do burguês corrupto Garotinho, que nem mesmo Alckmin consegue convencer o PSDB sem crises internas de aceitar seu apoio no segundo turno. Depois de dizer-se surpresa, Heloísa Helena afirmou que agradecia “humildemente” porque “todos os apoios são bem vindos” (Folha Online, 28/07). O candidato a vice Cesar Benjamin disse na Folha de S. Paulo (28/07) “acolho e respeito o apoio dele” . Mas essas foram somente algumas das declarações nesse sentido. O mais lamentável é que o PSTU insistia em dizer que “inúmeras respostas foram dadas por Heloísa e outros companheiros, recusando qualquer tipo de acordo com o ex-governador. Somamo-nos a esta recusa” .

Nesse sentido, ao Heloísa Helena colocar como eixo de sua campanha a “redução da taxa de juros” e a “ética na política” , insistia em pouco se diferenciar das candidaturas burguesas de Alckmin do PSDB e Cristovam Buarque do PDT. Tentou apresentar esse programa “viável” para ser implementado nos marcos desse regime carcomido e desgastado pelos escândalos de corrupção. Repetiu mil vezes que iria governar nos marcos da atual Constituição, com esse Congresso de corruptos, que segundo ela se tornaria mais “ético” e permeável à sua capacidade de “diálogo” . Em todas as oportunidades em que foi comparada pela burguesia a Chavez ou Evo Morales, fez questão de se diferenciar....pela direita, não sendo conseqüente sequer com seu perfil “anti-neoliberal” . Para completar, se apresentava como uma candidatura da “mãe cristã” , se colocando inclusive contra a legalização do aborto.

Diante das dramáticas 3600 demissões na Volks de São Bernardo, Heloísa Helena se localizou à direita do governo Lula, da burocracia da CUT e de setores da própria burguesia nacional, criticando a suspensão temporária do empréstimo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social) a esta empresa, defendendo uma política de investimento público para os chamados “setores produtivos” . Em sua proposta para o salário mínimo, chegou a defender dobrar seu mísero valor em 12 anos !!!!

Como se não bastasse, Heloísa Helena pregava uma reforma agrária “pela lei” , como forma de acabar com as ocupações de terra e acalmar os latifundiários, pisando na “bandeira histórica” do movimento camponês que sempre lutou pela reforma agrária “na lei ou na marra” . Defendeu uma “repressão implacável” como medida emergencial para a segurança pública. Por fim, num país onde vivem 6 milhões de árabes, calou-se diante do massacre de Israel contra o povo libanês e palestino.

Não à toa, ao ter como eixo se dirigir somente à pequena burguesia anti-Lula, segundo as últimas pesquisas, dos seus 6,5 milhões de votos, 3,9 milhões vão para Alckmin.

Um PSOL obscurecido

A realidade passou longe dos devaneios de Heloísa Helena de ir para o segundo turno. Contudo, Heloísa Helena teve uma votação expressiva se tornando uma figura pública nacional e o PSOL se projetou nacionalmente. Ainda que o espaço eleitoral de Heloísa Helena seja muito superior ao do PSOL como partido, por exemplo, a votação nacional para deputados federais foi de apenas 1,27%. Pelo caráter pequeno-burguês de sua direção e seu programa, sequer buscou transformar o espaço eleitoral de Heloísa Helena em relações orgânicas com os setores mais avançados do movimento operário.

A campanha hegemonizada pelos setores mais oportunistas do PSOL fortaleceu principalmente correntes reformistas como a APS (Ação Popular Socialista ’ ex-PT). É o que se expressa na crise aberta frente ao segundo turno no posicionamento do partido com esses setores defendendo abertamente o voto em Lula. De outro lado, o MES de Luciana Genro e a CST de Babá, ainda que se adaptaram completamente durante a formação do PSOL e na escandalosa campanha eleitoral de Heloísa Helena, neste momento defendem o voto nulo. Isso demonstra a falência desse tipo de partido que pretende unificar reformistas e correntes que se proclamam revolucionárias, o que no fim fortalece os primeiros. É o que se pode concluir da resolução aprovada por esse partido de “neutralidade” , ao invés de voto nulo. Ou seja, Heloísa Helena nega-se a chamar o voto nulo para não enfrentar-se com Lula e o PT nem com setores de seu eleitorado que agora vai votar em Alckmin. É neste sentido que aponta a escandalosa resolução publicada pela Executiva Nacional do PSOL em 04 de outubro que simplesmente proíbe seus militantes de se pronunciarem sobre o 2º turno. Segundo esta: “A posição do P-SOL é para os filiados do P-SOL. Nossos filiados, na urna, têm o direito de fazer o que quiserem. Publicamente não podem. Não pode o deputado, a senadora, nem o vereador nem o dirigente sindical. Para estas figuras públicas esta regra é ainda mais importante, porque declarações na imprensa por um lado ou outro serão caracterizadas como campanha, e isso nossa resolução tem caráter proibitivo [2]” . Simplesmente chocante que o partido dos expulsos do PT, que se auto-proclama o “exemplo de pluralismo” tão rapidamente mostre sua verdadeira cara.

PSTU: a inconseqüência na luta por uma política de classe

Nas eleições de 2002 o PSTU chegou a apresentar Lula como candidatura classista [3] e no segundo turno votou na Frente Popular de Lula-Alencar. Hoje, essa inconseqüência na luta por uma verdadeira independência de classe se repete com Heloísa Helena.

É lamentável que a direção do PSTU no Jornal Opinião Socialista, nos discursos e nas dezenas de milhares de panfletos de seus candidatos, no artigo assinado pela LIT do dia 25 de setembro sobre a Frente de Esquerda e na TV apresentava Heloísa Helena como “alternativa para os trabalhadores” , ao mesmo tempo em que para os pequenos círculos na vanguarda através do Opinião Socialista fazia críticas corretas que se levadas a sério liquidavam a política do PSTU de apoio à Heloísa Helena.

Afinal de contas, qual é a posição do PSTU? Acredita que Heloísa Helena é uma pequeno burguesa oportunista e não diz a verdade para a vanguarda e as massas para justificar sua adaptação à Frente de Esquerda, ou acredita que de fato ela é uma “alternativa para os trabalhadores” ? O que significa então uma alternativa para os trabalhadores? Uma “caricatura piorada do Lula” como muitos militantes do PSTU dizem? Poderiam apresentar então para a vanguarda ao menos um bom argumento do porque Heloísa Helena é essa alternativa? Se ela é uma alternativa para os trabalhadores, porque respondeu às críticas do PSTU dizendo que “os incomodados que se retirem” . O mínimo que a direção do PSTU deveria fazer depois de ter ajudado a projetar Heloísa Helena como uma das principais figuras públicas nacionais, seria responder a essas questões sem tergiversações...

Como resultado dessa política, o PSTU praticamente desapareceu como partido durante o período eleitoral, condenando a Conlutas a um papel testemunhal na situação. Nem mesmo com sua adaptação à Heloísa Helena e ao PSOL, o PSTU elegeu sequer um parlamentar nem conseguiu projetar alguma figura pública a nível nacional. O PSTU não se construiu na campanha eleitoral e sua marca “contra burguês, vote 16” desapareceu dando lugar à Heloísa Helena “Coração Valente” como “alternativa” . Os dados dessa eleição acabaram castigando a direção do PSTU por sua diluição na Frente de Esquerda [4].

É preciso abrir a discussão de construção de uma partido revolucionário de trabalhadores

Apesar da forte votação em Lula os últimos meses demonstraram que o giro a direita do PT e de Lula desde 2002 abriram uma oportunidade para a construção de um partido revolucionário em setores de vanguarda dos trabalhadores. O que as eleições demonstraram é que nenhuma das organizações que se reivindicam revolucionárias no Brasil está hoje em condições de organizar esse setor de operários que tem se expressado nos processos de mobilização e de reorganização em ruptura com o petismo. Mais do que nunca é urgente que se abra na vanguarda de trabalhadores e da juventude a discussão da necessidade de formação de um partido revolucionário de trabalhadores. A falta deste partido fez com que nas eleições os operários que a partir da experiência com o governo Lula iniciaram um lento deslocamento à esquerda, não tivessem nenhuma via para se expressar com independência de classe.

[1Deputados federais ligados aos órgãos de repressão da política militar e do exército, que expressam a ala mais linha dura da burguesia brasileira e que atuam não só no PFL, mas inclusive em partidos de centro-esquerda como o PDT.

[2Na íntegra: www.psol.org.br

[3O PSTU publicou no próprio Opinião Socialista um artigo na campanha eleitoral de 2002 no qual reivindicava a aprovação de uma resolução do Congresso dos metalúrgicos de Minas Gerais que definia o voto em Lula e Zé Maria como duas candidaturas classistas.

[4Em 2002, o PSTU obteve para deputado federal 159 mil votos, e agora apenas 58 mil. Para senador em 2002 obteve em 19 estados 490 mil votos, agora, em 15 estados, meros 203 mil votos. Em São Paulo, seu candidato ao senado caiu de 113 mil em 2002 para 81 mil

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