Sexta 17 de Maio de 2024

Movimento Operário

França

Trabalhadores da França lutam contra reforma de Chirac

06 Jul 2003 | "A vida no século XXI será uma vida feliz (...). Não há saída: há de se trabalhar mais e melhor se quisermos manter nossos direitos sociais e nossa posição no mundo". (François Fillon, ministro do Trabalho e da Previdência da França)   |   comentários

A afirmação do ministro resume a atitude do governo francês após um ano das eleições presidenciais de abril-maio de 2002: exigir sacrifícios da classe trabalhadora como se tais sacrifícios fossem indispensáveis e a única garantia do bem-estar futuro dos mesmos trabalhadores.

A atitude do governo é a conheci-díssima fórmula do "morder e soprar", atacando a classe trabalhadora com furor ao mesmo tempo em que faz algumas concessões de pouca importância.

Para entender essa conduta, é necessário voltar às eleições do ano passado, bastante atípicas para uma antiga democracia burguesa.

O fortalecimento do governo: as eleições atípicas e a guerra do Iraque

Nas eleições presidenciais de maio-junho de 2002, após um 1° turno atípico, com um candidato da extrema-direita chegando ao 2° turno (Jean-Maria le Pen), uma verdadeira histeria anti-le Pen se estabelece no país [1].

O resultado é que Jacques Chirac, candidato desacreditado por inúmeros escândalos de corrupção e que só tinha obtido 19% dos votos no 1° turno [2] , foi eleito por acachapantes 82% no 2° turno, com uma participação do eleitorado muito maior.

Junta-se a isso a vitória do seu partido (UMP) nas eleições legislativas que se seguiram (também em junho de 2002), que garantiram uma maioria esmagadora ao partido na Assembléia Nacional.

Surge ainda uma oportunidade de ouro para o presidente: a guerra do Ira-que. Todos sabem qual foi a atitude de Chirac: opor-se ao unilatera-lismo americano, propondo como solução dar mais tempo aos inspetores da ONU para buscar as armas de destruição em massa no território iraquiano, uma atitude aprovada pela população [3].

Com tudo isso, o governo saiu fortalecido para seus ataques contra os trabalhadores.

O rolo-compressor do governo
Baseado nessa força, o governo fez uma aposta: começar imediatamente os ataques em diferentes frentes.

A imigração

O primeiro setor afetado foi o da imigração. Tema delicadíssimo num país que está convencido de viver uma insegurança insuportável [4] , que é insidiosamente relacionada à imigração - clandestinos ou não, os imigrantes viriam "roubar" os empregos dos franceses, o que levaria os mais desesperados ao crime - ele foi atacado sem demora e sem cerimónia pelo novo governo, numa luta capitaneada pelo ministro do Interior Nico-las Sarkozy.

Em verdade, a iniciativa tinha dois objetivos: dar uma "satisfação" aos eleitores, já que o tema da insegurança tinha sido central durante as eleições, e recuperar a simpatia do eleitorado Le Pen, cuja fixação são justamente os estrangeiros, responsabilizados por todos os males do país.

O resultado foi a retomada dos vóos charter com imigrantes ilegais, vóos que levam de volta aos países de origem pessoas que fogem da miséria ou da guerra. Para tal, não se mediram esforços, inclusive amarrar os imigrantes dentro do avião para evitar "problemas" [5] .

A descentralização

Outra frente foi a da descentrali-zação: este complexo projeto visa diferentes objetivos. O setor mais exposto foi o da educação, centralizada na França desde o século XIX. O Primeiro-Ministro, Jean-Pierre Raffarin, fez deste tema uma de suas prioridades, buscando o deslocamento de todo o pessoal da educação para diferentes regiões do país.

A revolta foi geral: desde o início de 2003 professores e funcionários protestam contra o projeto, que eles julgam visar basicamente a flexibilização e a privatização do setor. O ministro da Educação, Luc Ferry, tentou acalmar os ânimos enviando uma "carta aos que amam a educação", na verdade um panfleto de propaganda do seu projeto. O efeito foi inverso: o ódio aumentou, exemplares do livro sendo rasgados durante as manifestações.

O governo, face à crise social da primavera, decidiu recuar e adiar a discussão do projeto para o ano escolar seguinte (que começa em setembro próximo), mais uma pequena concessão para acalmar os ânimos.

A reforma da Previdência

Mas o grande problema social foi o da aposentadoria. Num país onde os idosos são numerosos e exigem uma condição digna de vida, tentar atacar esse ponto é, no mínimo, perigoso, quando não fatal [6].

O projeto atual do governo visa, em termos gerais, elevar o tempo de contribuição do setor público de 37,5 para 40 anos agora - em 1993 outro projeto de um governo de direita havia realizado tal aumento para o setor privado -, elevando o tempo para ambos os setores para 41 anos em 2008 e para 42 anos em 2020. Além disso, apesar da recusa do governo em admitir este ponto, o valor das aposentadorias também diminuirá, progressivamente. Resumindo: pede-se aos trabalhadores para trabalhar mais e ganhar menos.

Obviamente a oposição foi enorme: manifestações imensas sacodem o país, começando desde o dia 1° de fevereiro (aproximadamente 100 mil pessoas em Paris, sob neve). Isso tudo sob um clima de descontentamento social em razão da multiplicação das demissões em massa por falências de empresas em todo o país, sem que o governo tomasse qualquer medida.

Mas o grosso das manifestações ocorre na primavera: sete dias de mobili-zação geral seguidos de alguns dias de ação local - quase sempre por iniciativa das bases sindicais, já que as direções sindicais chamavam à greve por um só dia.

O primeiro dia foi 3 de abril, com participação de 32% do setor público. Um início promissor.

O ápice ocorre no dia 13 de maio, com 57,5% do setor público em greve, além de uma parcela significativa do setor privado [7]. Os metrós e os trens param. Nos dias 14 e 15 de maio as bases e algumas direções sindicais locais prosseguem o movimento, apesar da oposição velada ou não das direções nacionais, com relativo sucesso, sobretudo no setor de transportes, os metrós e os trens funcionando mal.

O dia 19 de maio funciona como seqüência do dia 13, com uma participação, no entanto, um pouco menor: 34,5% do setor público.

No dia 25 de maio, um domingo, apesar de não haver um apelo à greve, há uma manifestação colossal no país, com 500 mil pessoas em Paris e centenas de milhares em outras cidades. Muitos empregados do setor privado participam das passeatas, que somam mais de 2 milhões de pessoas em todo o país.

O dia 3 de junho também é um sucesso: 30,7% do setor público cruza os braços, sendo o movimento bastante forte no setor ferroviário: 41,1% na SNCF8 e 17% na RATP [8]. No dia 4 de junho se repete o que havia ocorrido após o dia 13 de maio: as bases chamam à continuação da greve contra as direções nacionais, tendo relativo sucesso: 23,8% na SNCF e 15% na RATP.

O dia 10 de junho já apresenta uma queda do movimento: 22% do setor público em greve, com 28,2% na SNCF e 17,8% na RATP. O chamado ao prosseguimento do movimento não obtém o sucesso anterior. Ainda assim, por volta de 1 milhão de pessoas saem às ruas para dizer não ao projeto do governo.

A queda do movimento se confirma no dia 17 de junho: apenas 7,8% de grevistas na SNCF, e praticamente tráfego normal na RATP. As manifestações atraem "somente" 300 mil pessoas.

Uma nova etapa após as férias?

Se não resta dúvida de que a greve geral não ocorrerá antes das férias que começam no mês de julho, não se sabe se, após as férias, o movimento recomeçará. Há promessas dos sindicalistas neste sentido, mas tudo dependerá da relação de forças daqui até lá.

Duas conclusões, todavia, se impõem.

A primeira é sobre o papel das direções sindicais e dos partidos de extrema esquerda mais fortes. As direções dos principais sindicatos nunca pregaram um movimento contínuo, enfraquecendo aqueles que continuavam a lutar, enquanto que os principais partidos de extrema esquerda nunca lutaram firmemente contra este papel nefasto das direções sindicais [9].

A outra conclusão é que, apesar desta derrota parcial dos trabalhadores, a revolta continua grande contra o projeto do governo, o que não augura dias tranqüilos para a dupla Chirac-Raffarin.

[1Mesmo os companheiros da LCR - organização irmã da DS do PT, membro do SU - chamam ao voto Chirac, alegando que as contas seriam ajustadas num "3° turno social" através da mobilização das massas, o mais importante naquele momento sendo o combate ao fascismo.

[2Com somente 50% de participação dos eleitores, o que reduz o número a aproximadamente 10% do eleitorado.

[3Uma vez mais nossos companheiros da LCR adotaram atitude equivocada a nosso ver: aprovaram o veto de Chirac na ONU, mesmo se eles diziam que, com ou sem a ONU, eram contra a guerra.

[4A imprensa, evidentemente, tendo sua imensa parcela de culpa nessa "sensação de insegurança", através de sua superexposição dos casos de violência.

[5Esses métodos violentos levaram à morte de dois imigrantes no fim de 2002 e início de 2003, os dois por problemas de saúde ocasionados pela violência policial quando do embarque forçado em aviões comerciais - a retomada dos vóos charter ainda não tinha ocorrido.

[6Em 1995, o governo de direita chefiado por Alain Juppé caiu face às colossais manifestações - houve marchas de 2 milhões de pessoas em todo o país, o movimento tendo durado dois meses - o que não deixou de vir à mente tanto do governo quanto dos manifestantes desta primavera.

[7Contrariando a iniciativa do governo de tentar jogar o setor privado contra os "privilegiados" do setor público.

[8A companhia encarregada do metró de Paris.

[9Lutte ouvrière nunca chamou à greve geral, dizendo sua porta-voz Arlette Laguillier, no início de junho, que não podia fazê-lo por não ter a força suficiente, torcendo, no entanto, para uma generalização do movimento. Já os companheiros da LCR, se chamavam à greve geral, não chegaram a denunciar com a firmeza necessária o papel nefasto das direções sindicais.

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