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Debates

QUESTÃO AMBIENTAL

TIPNIS*: Ecologia e Marxismo

08 Jun 2012   |   comentários

Desde o início, a noção marxista de alienação do trabalho humano estava ligada à compreensão da alienação do homem sobre a natureza. Foi esta dupla alienação que, acima de tudo, necessitava ser explicada historicamente". John Bellamy Foster - A ecologia de Marx.

*TIPNIS: Território Indígena e Parque Nacional Isiboro-Secure, situado na Bolívia - nota da tradução

por Pity Ezra

"Desde o início, a noção marxista de alienação do trabalho humano estava ligada à compreensão da alienação do homem sobre a natureza. Foi esta dupla alienação que, acima de tudo, necessitava ser explicada historicamente". John Bellamy Foster - A ecologia de Marx.

I. Introdução

O presente artigo tem como propósito responder às várias correntes que tentaram ver no marxismo uma variedade de "desenvolvimentismo positivista", devido ao papel do PCB, PCML [1] e mesmo Álvaro Garcia Liñera, que com a insistência de levar adiante uma estrada no coração do TIPNIS, honra este legado positivista de Stalin-Bukharin. Por outro lado, também buscamos explicar e responder – desde o marxismo – aos problemas de deterioração e destruição da natureza que estão ocorrendo no mundo, como a destruição de terras agrícolas na Argentina com a monocultura de soja transgênica nas mãos da Monsanto e de um punhado de latifúndios, associações empresariais e transnacionais; como a contaminação gerada pelo projeto de mineração de Conga no Peru (uma ampliação da mina Yanacocha que opera a multinacional Newmont), cuja implementação significaria a destruição de quatro cabeceiras da bacia; ou como as intenções do governo do MAS, na Bolívia, de construir a estrada do Projeto IIRSA, para a integração burguesa e imperialista pelo território indígena do TIPNIS, o que provocaria – como subordinação aos grandes capitais – a destruição de vastas extensões de florestas, da flora e da fauna.

A crise ecológica que vem sofrendo o planeta se expressa na contaminação e no esgotamento dos recursos. A contaminação do ar, da água potável e do meio ambiente em geral, tem causado o aquecimento global, o derretimento de geleiras, a multiplicação das catástrofes naturais e a destruição da camada de ozônio. Além disso, o esgotamento dos recursos tem gerado a degradação das condições do solo, o desmatamento e destruição de florestas tropicais húmidas e, portanto, sua desertificação e redução da biodiversidade pela extinção de espécies. As consequências ambientais não são apenas o resultado da contaminação e esgotamento dos recursos, mas também o resultado dos efeitos que teve a emigração de trabalhadores das zonas produtoras de matérias-primas em busca de trabalho nas zonas em desenvolvimento e áreas industrializadas.

II. Marx e natureza

Marx analisou em diferentes escritos os vínculos entre o mundo social e o mundo natural. A partir disso desenvolveu a concepção materialista-dialética da natureza. Para isso se valeu das contribuições de Epicuro, Liebig e Darwin. O primeiro inspirou uma visão materialista da natureza, cujas preposições eram que "Nada nunca é criado, pelo poder divino, de nada"... "a natureza... nunca reduz nenhuma coisa a nada", e mais, Marx afirmou que "Epicuro foi o primeiro a compreender a aparência como aparência, isto é, como a alienação da essência, ativando a si mesma em sua realidade como tal alienação" com o que reconheceu o estranhamento dos seres humanos em relação ao mundo; o segundo, ajudou a construir uma compreensão do desenvolvimento sustentável e da ruptura metabólica entre os seres humanos e a terra, e, assim, permitiu-lhe desenvolver uma crítica sistemática de uso do solo; e o terceiro, ajudou a adotar um enfoque co-evolucionista das relações entre os seres humanos e a natureza, que forneceram uma base histórico-natural para a teoria do papel do trabalho na evolução da sociedade humana.

Para entender o conceito de natureza, Marx – em seus Manuscritos de 1844 – apresenta uma definição: "A natureza é o corpo inorgânico do homem, isto é, a natureza não sendo ela mesma o corpo humano. O homem vive da natureza; isto significa que a natureza é o seu corpo, com o qual deve permanecer em um processo contínuo, a fim de não perecer. O fato de que a vida física e espiritual do homem depende da natureza não significa outra coisa senão que a natureza se relaciona consigo mesma, já que o homem é parte da natureza"; esse conceito torna evidente que não há dicotomia entre o ser humano e a natureza: "O homem não está na natureza, senão que é a natureza".

A referência à natureza também se dá na medida em que está entrelaçada na história da humanidade através da produção, como uma extensão do corpo humano. Isso explica porque a relação humana com a natureza está mediada não só através da produção, mas também através das ferramentas, que são produtos da transformação da natureza, que permitem à humanidade transformar a própria natureza. Esta relação, através da produção que se expressa na relação trabalho-natureza é o ponto de partida da produção de valores de uso: "Neste trabalho de conformação, o homem se apoia constantemente nas forças naturais. O trabalho não é, portanto, a única e exclusiva fonte de valores de uso produzidos, da riqueza material. O trabalho é o pai da riqueza, e a terra é a mãe" (Marx). Em toda a sociedade o trabalho é o momento de intercâmbio com a natureza, é a atividade pela qual o homem se apropria do seu entorno e o transforma para satisfazer suas necessidades básicas. No processo de trabalho se envolve não só o trabalho do homem, mas também o objeto sobre o qual se realiza e os meios de trabalho, ambos fornecidos pela natureza.

No entanto, no sistema capitalista, esse processo cria uma separação entre o homem com a natureza e o campo. Marx destaca que o trabalho alienado transforma a natureza em algo estranho ao homem, em um "mundo alheio", "hostilmente contraposto ao trabalhador". Neste sentido, da apropriação privada, há uma alienação da natureza, onde os meios de subsistência e de trabalho não pertencem ao trabalhador e são lhes apresentados como objetos externos, ou seja, “aliena o homem de seu próprio corpo, da natureza tal como existe fora dele, de sua essência espiritual, e de sua essência humana”.

A alienação da humanidade e da natureza resulta não somente na renúncia de trabalho criativo, mas também na renúncia aos elementos essenciais da própria vida. “Feuerbach, sustentam Marx e Engels, postulou o ‘homem’, em vez de ‘homem histórico real’”. E, do mesmo modo, postulou a natureza em vez da história natural. Reconhece a desarmonia entre a humanidade e natureza; portanto a alienação deste. Não vê a natureza como algo que muda o curso da história. "Não vê que o mundo sensível que o rodeia não é uma coisa que se dá diretamente desde toda a eternidade... [mas] um produto histórico, o resultado da atividade de toda uma sucessão de gerações". (John Bellamy Foster, "A ecologia de Marx"). Em tal sentido, a consumação da alienação – no modo de produção capitalista – ocorre a partir da separação do campo e da cidade, o que provoca o êxodo rural e a aglomeração urbana; e que, portanto, gera e representa a principal causa de poluição e depredação, e o desmembramento progressivo e radical das fontes de produção de subsistência e matérias-primas dos centros de consumo. Em resumo, trata de expressar a fratura do metabolismo social com a natureza. Com este argumento se evidencia que Marx não somente investigou as consequências da exploração capitalista sobre o trabalho, mas também compreendeu os danos causados pelo latifúndio capitalista sobre a vitalidade do solo. A grande indústria e a agricultura explorada industrialmente atuaram em unidade, uma devastando a força de trabalho e a outra degradando a força natural da terra: "A indústria e o comércio fornecem a agricultura os meios para o esgotamento da terra".

Marx plantou as bases para uma sociedade futura e fez alusão ao comunismo como a "verdadeira solução do conflito que o homem mantém com a natureza e com o próprio homem". Como superação positiva da propriedade privada, o comunismo é, também, a superação da alienação do homem com a natureza. Para Marx, a sociedade comunista "é a unidade essencial plena do homem e a natureza, a verdadeira ressurreição da natureza, o naturalismo consumado do homem e o humanismo consumado da natureza". É interessante observar que aquela formação econômica superior deveria estar fundada na "associação" ou na reunião de "produtores associados", esta "associação" reconstruiria a unidade essencial plena do homem com a natureza, ou recomporia a fratura metabólica, em sua emancipação posterior, tornando evidente a eliminação da propriedade privada e a dissolução da contradição entre a cidade e o campo como condições básicas para harmonizar o homem com a natureza.

III. Capitalismo, Crise ecológica e "Economia Verde"

O capitalismo como formação socioeconômica é baseado na propriedade privada dos meios de produção e na exploração do trabalho assalariado. O objetivo da produção capitalista e a fonte de enriquecimento dos capitalistas é a apropriação da mais-valia gerada pelo trabalhador, ao gerar e acumular riqueza/capital o capitalista destrói as forças produtivas, criando miséria na humanidade e destruição do ambiente. "A criação de mais-valia absoluta pelo capital força que o círculo da circulação se amplie constantemente. A produção dominada pelo capital implica, assim, ‘um círculo sem cessar ampliado da circulação, seja com a ampliação direta desse círculo, seja com um maior número dos seus pontos se transformando em pontos de produção’. A tendência para criar um mercado mundial, assim, está ‘imediatamente dada no conceito do capital’.

A produção de excedente baseada no aumento das forças produtivas exige, por outra parte, ‘a produção de novos consumos’, em primeiro lugar através da ‘ampliação quantitativa do consumo existente’; em segundo lugar através da extensão das necessidades existentes num círculo mais amplo, e em terceiro lugar, através da ‘produção de novas necessidades’ e da ‘criação de novos valores de uso’. Daí a ‘exploração de toda a natureza’, ‘a busca de novas qualidades úteis nas coisas’, ‘o intercâmbio em escala universal de produtos feitos sob todos os climas e em todos os países’, e os novos ‘tratamentos (artificiais) aplicado a objetos naturais’ para dar-lhes novos valores de uso. Assim, finalmente, ‘a exploração da terra em todos os sentidos, tanto para descobrir novos objetos utilizáveis, como para dar novas propriedades de uso aos velhos, a utilizar como matérias-primas suas novas qualidades; o desenvolvimento máximo das ciências da natureza; a descoberta, a criação e a satisfação das novas necessidades saem da própria sociedade. A produção baseada no capital cria, ao mesmo tempo, a indústria universal e um sistema de exploração universal das propriedades naturais humanas. Nada parece ter valor superior em si... Então, só o capital ‘cria a sociedade civil burguesa e desenvolve a apropriação universal da natureza e da conexão social pelos membros da sociedade’. Daí a sua ‘grande influência civilizadora’.

O capital gera um nível de desenvolvimento social em relação ao qual todos os desenvolvimentos anteriores aparecem como uma idolatria local da natureza e limitada. Com a produção capitalista propriamente dita, a ‘natureza se torna um puro objeto para o homem, uma pura questão de utilidade, deixa de ser reconhecida como um poder para si, e até mesmo o conhecimento teórico de suas leis autônomas não parece mais que como um esquema que contenta submetê-la às necessidades humanas, seja como objeto de consumo, seja como meio de produção’ (Bensaïd – Marx, o intempestivo). Então, como o capitalista não vai renunciar a acumulação de riqueza e, portanto, não vai deixar de explorar os trabalhadores e espoliar a natureza, constrói mecanismos enganosos que supostamente darão respostas para a crise ecológica. Um exemplo disso são os famosos fóruns ou cúpulas como o "Protocolo ou Acordo de Quioto, Cancun ou Durban" sobre a mudança climática, nos quais predominam "acordos" que, à primeira vista, são os das multinacionais de petróleo, dos complexos industriais automotivos, das grandes indústrias de armamento, ou seja, o interesse de transnacionais e dos grandes capitais. E como esses "acordos" não beneficiam a humanidade e o próprio planeta, seguimos um caminho de grandes aumentos de temperatura, superiores a dois graus Celsius, com terríveis consequências em termos de secas, inundações, derretimento de geleiras, aumento do nível de mar e, em geral, impactos severos sobre a agricultura e meios de subsistência de milhões de pessoas.

Será difícil converter em realidade as promessas ecológicas que foram apresentadas com grande generosidade nesses protocolos promovidos pelo Banco Mundial e os grandes capitais, primeiro, porque o capitalismo somente se interessa na exploração das forças produtivas para gerar riqueza e, segundo, porque o capitalismo ao estar vivenciando uma crise financeira e econômica global vai buscar saídas na exploração dos trabalhadores e na destruição do meio ambiente. O que se discute nessas cúpulas é dinheiro, o que significa que as mudanças climáticas trarão consequências terríveis, especialmente para os mais pobres e mais vulneráveis do planeta. A principal proposta dos países ricos é a "economia verde", que implica quantificar e avaliar economicamente as diferentes funções da natureza para introduzi-las ao mercado através de uma série de mecanismos financeiros; mercantilizar os processos e funções da natureza através do comércio de serviços dos ecossistemas; criar um ambiente propício para o investimento privado na água, biodiversidade, oceanos, florestas, etc., e desenvolver um mercado fictício de obrigações e certificados financeiros que se negociam através do bancos [2]. Os países ricos esperam a autorização das Nações Unidas para começar a desenvolver um conjunto de indicadores e mecanismos de medição que criam as bases para um mercado global de serviços ambientais e dos ecossistemas.

Engels, em O papel do trabalho na transição do macaco em homem, argumentou que no capitalismo o que prima é sempre o imediatismo, o benefício imediato é o único fim do capitalista individual, independentemente das consequências da produção e troca. O capitalista produz sem tomar em conta o possível esgotamento ou degradação do recurso, sequer para uso potencial por outros capitalistas.

IV. Os ecologistas e o ecocentrismo

Com base nas economias dos estados operários burocráticos junto ao produtivismo do "socialismo real", e vendo como o capitalismo e o "socialismo", lado a lado, constituíram duas variantes do desastre ecológico, o movimento ambiental se mostra como o único capaz de nos fazer conscientes dos perigos que ameaçam o planeta, resultado do modo atual de produção e consumo. No entanto, a única coisa que fazem estes movimentos, com as suas diferentes variantes, é tornarem-se simples companheiros eco-reformistas do capitalismo, tanto nos governos de centro-esquerda como de direita. O problema é que, apesar de certo discurso anticapitalista, não têm uma proposta concreta para enfrentar a crise ecológica que o capitalismo está criando. Suas propostas criam a ilusão de um “capitalismo verde", com reformas que podem controlar os "excessos" do capitalismo, confiando na cultura para construir consignas ‘pachamamistas’, como leitura indígena da realidade social e da maneira como o homem se relaciona com seu entorno, pecando no caráter utópico, a-histórico e idealista, que não parte das condições materiais e das necessidades surgidas das mesmas para compreender como melhorar as condições de vida. O ‘pachamamismo’ é parte de um programa enraizado no simbólico da cultura indígena, na exaltação do comunitário e em um amplo sentido animista da vida natural que trata de tapar com um dedo a verdade completa de um capitalismo que refuncionaliza as características de organização étnica para os fins do capital. (Toño Laure – Palabra Obrera n° 46).

A principal debilidade dos ambientalistas é ignorar a conexão necessária entre o produtivismo e o capitalismo, de ver real e concretamente no capitalismo a causa desta crise. Não compreendem a relação entre o produtivismo e a lógica do lucro. A ausência de uma postura anti-capitalista coerente levou-os a levantarem suas bandeiras que expressam uma posição "nem de esquerda, nem de direita". A esta posição se uniram os ex-marxistas convertidos ao ambientalismo que invocam a necessidade de uma orientação "vermelha", ou seja, do marxismo ou do socialismo, para aderirem-se ao "verde", ao paradigma que traria uma resposta para todos os problemas econômicos e sociais.

Finalmente, as correntes ambientais "fundamentalistas" chegam a afirmar, sob o pretexto de lutar contra o antropocentrismo, uma objeção para o desenvolvimento das forças produtivas como fator de desenvolvimento da humanidade, o que significa que têm uma posição de retornar a um passado em "harmonia com a natureza" e colocando a humanidade e todas as espécies vivas num mesmo nível. Esta posição se expressa no fato de que estas correntes não proporcionam uma distinção entre os seres humanos como seres naturais e como seres sociais, e não entendem que o trabalho, através do qual a humanidade tem transformado a natureza e as relações sociais, é a essência do processo histórico humano. Assim, o "culto à natureza" teria uma postura a-histórica e superficial. De acordo com os ambientalistas ativistas, Marx atribui a origem de todo valor ao trabalho humano e negligencia a contribuição da natureza. Esta avaliação resulta num mal-entendido: Marx usou a teoria do valor-trabalho para explicar a origem do valor de troca no quadro do sistema capitalista. A natureza, por outro lado, participa na formação da verdadeira riqueza que não são os valores de troca, senão os valores de uso. Esta tese é bastante explicitada por Marx na Crítica ao Programa de Gotha contra as ideias de Lassalle e seus discípulos: "O trabalho não é a fonte de toda riqueza. A natureza é toda a fonte, tanto de valores de uso como do trabalho, que não é mais do que a expressão de uma força natural, a força do trabalho do homem".

V. O produtivismo no "socialismo real"

Marx explicou que sob o capitalismo há uma correlação necessária entre aumento da produtividade e pauperização, expressa no caráter repressivo do conceito da produtividade e, da mesma forma, no caráter criador da mais valia. Também afirmou que a discrepância entre as necessidades sociais e individuais, entre a produtividade individual e social, prevalecerá, enquanto que a produção social não seja controlada coletivamente pelos indivíduos que produzem mediante seu trabalho a riqueza social. Ao contrário do que Marx levantava, Stalin, em 1931, declarava que o socialismo só poderia vencer sobre a base do rendimento do trabalho mais elevado que no regime capitalista.

Com essa política começava a trair a revolução que os bolcheviques iniciaram em outubro de 1917 – política que foi a expressão da consolidação crescente da burocracia no aparato do Estado e no partido, da continuidade no campo da produção e do que estava sendo feito em outros níveis: o abandono do internacionalismo e da adoção da pseudo teoria do socialismo num só país – e o produtivismo, à custa da deterioração das forças produtivas, não fez outra coisa que frear a primeira condição absolutamente necessária para avançar ao socialismo. O stakhanovismo [3] stalinista, ao ser antagônico ao socialismo e ao não ter tomado uma decisão democrática real sobre as prioridades e o modo de desenvolvimento, ao não ter construído a ideia de interdependência entre o homem e a natureza, como consciência de sua dupla determinação social e natural, gerou desvios produtivistas da coletivização forçada e da rápida industrialização, materializou os privilégios burocráticos e a confiscação do poder, com o qual definia o homem como o “capital mais precioso” e lançou as bases do socialismo em um só país.

Nesta lógica é que o produtivismo no "socialismo real" foi eco de todas as críticas, como a do escritor e historiador russo Aleksander Solzhenitsyn [4], que em sua novela "Arquipélago Gulag", denunciou o sistema prisional soviético, o terrorismo e a polícia secreta que – através de campos de concentração, a "reeducação" e o extermínio (Gulag) – foi desfazendo-se do melhor da vanguarda revolucionária que se opunha ao regime burocrático. No capítulo "Os portos do arquipélago", mostra como o trabalho forçado e a "reeducação" vão matando a todos aqueles que se opunham ao stalinismo e como essa indústria penitenciária vai gerando miséria humana e também a poluição do entorno natural [5]. "Pelas páginas congeladas do ‘Arquipélago’ desta novela cruzavam caravanas de escravos, repletas de prisioneiros, campos de concentração, trabalho forçado. Pela Lubyanka não passou somente os trotskistas e os espiões, mas os melhores bolcheviques, escritores, comissários, professores, soldados e heróis de guerra" (Sartre).

Trotsky também se pronunciou contra os crimes de Stalin em um de seus livros fundamentais, A Revolução Traída: "A economia de tempo – diz Marx – é reduzida, em última análise, a toda a economia; ou seja, a luta do homem contra a natureza em todos os graus da civilização. Reduzida à sua base fundamental, a história não é mais que a continuação da economia do tempo de trabalho. O socialismo não poderia justificar-se pela simples supressão da exploração; é necessário assegurar à sociedade maior economia de tempo que o capitalismo. Se esta condição não for cumprida, a abolição da exploração não seria mais que um episódio dramático desprovido de futuro. A primeira experiência histórica dos métodos socialistas mostrou quais são suas vastas possibilidades. Mas a economia soviética ainda está longe de ter aprendido a tirar proveito do tempo, a matéria prima mais valiosa da civilização. A técnica importada, principal meio da economia do tempo, ainda não deu em terreno soviético resultados que são normalmente seus em sua pátria capitalista.

Neste sentido decisivo para toda a civilização, o socialismo, todavia, ainda não venceu, mas provou que pode e deve vencer. Atualmente não venceu. Todas as afirmações contrárias não são mais que frutos da ignorância ou do charlatanismo. (...) Desta forma, Stalin dá mais um passo adiante, ao apresentar o movimento Stakhanov como o que ‘prepara as condições de transição do socialismo para o comunismo’. O leitor verá agora o quanto importante era dar definições científicas para as noções utilizadas na URSS para fins de utilidade administrativa. O socialismo, ou fase inferior do comunismo, certamente exige um controle rigoroso do trabalho e do consumo, mas, em todo caso, supõem-se formas mais humanas de controle que as inventadas pelo gênio explorador do capitalismo. Na URSS vemos um material humano atrasado, que é implacavelmente forçado a usar a técnica emprestada do capitalismo. Na luta para alcançar padrões europeus e americanos, os métodos clássicos de exploração, tais como o salário por peças produzidas, são aplicados sob formas tão brutais e descarnadas que mesmo os sindicatos reformistas não poderiam tolerar em países burgueses.

A observação de que os operários da URSS trabalham ‘para seu próprio benefício’ não está justificada mais que na perspectiva da história e com a condição, digamos, antecipando-nos ao nosso propósito, de que não se deixem degolar por uma poderosa burocracia. Em qualquer caso, a propriedade estatal dos meios de produção não transforma o esterco em ouro e não cerca por uma auréola de santidade o sweating system (sistema de transpiração) que esgota a principal força produtiva: o homem. Quanto à preparação da "transição do socialismo para o comunismo", começa exatamente ao inverso, ou seja, não pela introdução do trabalho por peça, mas pela abolição deste trabalho considerado uma herança da barbárie.

VI. Uma proposta revolucionária e socialista

Desde a LOR-CI, corrente revolucionária marxista, leninista, trotskista; assinalamos que uma verdadeira revolução social deve estar orientada para a construção da sociedade comunista, e que as condições mínimas para isso são a luta contra o imperialismo, a expropriação da burguesia e a destruição do Estado burguês [6] – obstáculo quase absoluto para o desenvolvimento. Um desenvolvimento que envolve não só um aumento da riqueza, mas uma elevação das condições materiais, sociais e culturais, que preserve e garanta o equilíbrio ecológico. Para os marxistas, a necessidade da revolução social contra as multinacionais e a burguesia, do ponto de vista ecológico, é a necessidade de restaurar o metabolismo do homem com a natureza que foi quebrado pelo capitalismo. Marx, nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, previa o comunismo como um naturalismo consumado: "O comunismo como a superação positiva da propriedade privada enquanto auto-alienação humana e, portanto, como a real apropriação da essência humana pelo e para o homem; por consequência, como um retorno total do homem a si mesmo, como homem social, ou seja, humano, retorno total, consciente e levado a cabo dentro da riqueza do desenvolvimento anterior. Este comunismo é, como naturalismo consumado = humanismo e, como humanismo consumado = naturalismo; é a verdadeira solução do conflito entre o homem e a natureza e com o homem, a verdadeira solução do conflito entre existência e essência, entre objetivação e a própria manifestação, entre liberdade e necessidade, entre indivíduo e gênero. É o segredo decifrado da história e que se conhece como esta solução (...) a sociedade é, portanto, a plena unidade essencial do homem com a natureza, a verdadeira ressurreição da natureza, o naturalismo consumado do homem e o humanismo consumado da natureza. (...) A história é por si uma parte real da história natural, da transformação da natureza em homem".

Nem a "economia verde" que patrocina o capitalismo, nem os ambientalistas eco-reformistas do capitalismo, nem os pachamamistas da "Buen vivir" são uma resposta real à crise ecológica causada pelo Estado capitalista burguês. Somente através da luta de classes e com o papel destacado da classe operária com um programa e estratégia revolucionários para derrotar a burguesia e o imperialismo, pode-se abrir um novo caminho nas relações da natureza com o ser humano.

Neste sentido, frente a preparação da IX Marcha do TIPNIS, unamos a luta indígena com a luta dos operários, nos direcionemos aos trabalhadores para que tomem em suas mãos as reivindicações indígenas para serem escritas com todas as cores contra a burguesia e contra o atual governo populista do MAS.

 Artigo originalmente publicado na revista Lucha de Clases, editada pela LOR-CI, organização boliviana integrante da Fração Trotskista

 Tradução por Juliana, mestre em Geologia Regional pela Unesp

[1“Partido Comunista da Bolívia” e “Partido Comunista Marxista Leninista” [Nota da tradução].

[2. Há que se lembrar que foram os grandes bancos que provocaram a crise financeira e que foram recuperados com milhões de dólares de fundos públicos, e que agora - a partir dessa perspectiva - terá a sua disposição a natureza para especular e realizar fabulosos lucros.

[3Stakhanov foi um célebre mineiro soviético, nomeado Herói do Trabalho Socialista em 1977 por ser exemplo de sacrifício pessoal dedicado ao avanço de um país que era há muito atrasado. De seu sobrenome deriva stakhanovismo. Em 1935 ele conseguiu extrair o carbono catorze vezes mais que a média de seus companheiros, que era de sete toneladas: ele extraiu, em seis horas, 102 toneladas. Então, a propaganda soviética o escolheu como um modelo para os outros trabalhadores da URSS.

[4Solschenizyn Alexander nasceu em 1918 na cidade de Kislovodsk, em 1945 foi preso por criticar e se opor ao regime stalinista. Por esta razão, ele passou oito anos num campo de concentração, condenado a trabalhos forçados, experiência que lhe serviria para escrever “Um Dia na Vida de Ivan Denisovich” e outros romances. Sua denúncia foi correta, porém, acabou por se render ao capitalismo.

[5"Nos tubos se produziam pulsações, ora a pressão era superior a fabricada, ora era inferior, mas os canais penitenciários nunca foram vazios. Por eles corriam constantemente o sangue, o suor e a urina, com ele, todos nós. A história deste esgoto é a história de um incessante tragar e fluir, somente as inundações alternadas com as estiagens, e de novo viriam as inundações, as correntes se juntavam, ora mais grandes, ora mais pequenas, e de todas as partes afluíam córregos e riachos, jatos dos desagues ou simples gotas isoladas". (...) "Tampouco encontrarás aqui o azul quente do mar (aqui, para lavar-se há um litro de água por cabeça; ou para torná-lo mais confortável, quatro litros para quatro pessoas, que devem lavar-se de uma vez em um mesmo banheiro!). Fora isso, tudo aquilo que confere aos portos uma atmosfera romântica ‘a sujeira, aos parasitas, as calúnias, a transferência, a babel de línguas e as rimas’ os encontrarão de sobra”. (Trecho do romance “O Arquipélago Gulag”).

[6"O Estado é o produto e a manifestação do caráter inconciliável das contradições de classe. O Estado surge no local, no momento e na medida em que os antagonismos de classe não podem, objetivamente, serem conciliados. E, inversamente: a existência do Estado demonstra que os antagonismos de classe são inconciliáveis. (...) Segundo Marx, o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de opressão de uma classe por outra, é a criação da ‘ordem’ que legaliza e fortifica esta opressão, amortecendo choques entre as classes. Se o Estado é um produto do caráter inconciliável entre as classes, se é uma força acima da sociedade e que ‘se divorcia cada vez mais da sociedade’, é claro que a libertação da classe oprimida é impossível, não apenas sem uma revolução violenta, mas também sem a destruição do aparelho do poder do Estado que foi criado pela classe dominante e que dá corpo àquele ‘divórcio’. (...) De fato, Engels fala aqui da ‘destruição’ do Estado burguês pela revolução proletária, enquanto as palavras relativas à extinção do Estado se referem aos restos do Estado operário após a revolução socialista. O Estado burguês não se ‘extingue’, de acordo com Engels, mas ‘é destruído’ pelo proletariado na revolução. Aquele que se extingue, após esta revolução, é o Estado ou semi-Estado proletário.”

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