Quinta 16 de Maio de 2024

Nacional

Submissão ao FMI aprofunda recessão e desemprego

06 Jul 2003   |   comentários

Em 11 de junho, os trabalhadores do setor público realizaram uma importante manifestação em Brasília, com mais de 25 mil trabalhadores. Ameaçam fazer uma greve geral da categoria no dia 8 de julho e até discutem a criação de uma nova central sindical por fora da CUT. Intelectuais historicamente ligados ao PT se manifestam contra a reforma da Previdência e contra a política económica do governo, enquanto a crise no próprio PT pelo descontentamento de suas alas de esquerda continua. O vice-presidente José Alencar, além de outros importantes setores da burguesia brasileira presentes na Fiesp e no Conselho de Desenvolvimento Económico e Social, organismo criado pelo próprio Lula, criticam as altas taxas de juros promovidas pelo governo. O PDT, histórico aliado do PT, rompe com a base governista. A recessão no país se agrava e, com ela, o desemprego e o aumento da carestia de vida. Enquanto isso, o governo Lula aprofunda seu alinhamento com o FMI e os EUA. Esses, entre outros elementos, caracterizam uma nova conjuntura no país, distinta dos primeiros meses de governo, que revela a força das contradições que o governo Lula traz consigo e a necessidade dos trabalhadores se prepararem para os importantes processos de luta que já estão ocorrendo e os que estão por vir. Nos seguintes artigos refletimos sobre esta nova situação que se abre.

Durante os primeiros meses do governo Lula, a aplicação de medidas monetaristas, o forte ajuste fiscal e drásticos cortes orçamentários eram vistos, pela ampla maioria dos aliados do governo Lula durante a campanha eleitoral, como medidas "necessárias" e "provisórias" para evitar que a economia brasileira terminasse como a Argentina e mostrar a "responsabilidade" do novo governo frente aos "mercados" internacionais, demonstrando que não haveria "quebra de contratos". Protestos surgiam somente de camadas de trabalhadores, organizações políticas menores de esquerda, e alguns setores da chamada ala "radical" do PT. Porém, passados quase seis meses, um conjunto de contradições tem saído à tona, já que a orientação do governo não era simplesmente um blefe e sim uma determinação de continuar alinhado às regras do FMI. Agora, os protestos vêm até daqueles setores da burguesia que apoiaram o governo nas eleições e em seus primeiros meses, já que, em vez do tão prometido crescimento económico, o que se tem visto é a continuidade da política recessiva que afeta seus diversos interesses em função de manutenção das metas em acordo com o FMI. Isto se expressa no conflito de setores da burguesia com o governo Lula em torno das altas taxas dos juros, da reforma tributária e até da maneira pela qual se negocia a Alca.

Na recente viagem de Lula aos Estados Unidos, ficou demonstrado, mais uma vez, que se continuará com a política, comandada pelo FMI, de submissão ao imperialismo. O acordo, entre outros, sobre uma "Alca mínima", foi realizado à maneira norte-americana, no sentido de que garante o plano do governo Bush para que se mantenha a assinatura definitiva em 2005 (tal como havia sido acordado com FHC) que já estava ficando para anos mais longínquos. Tudo isto em troca de um suposto tratamento do Brasil como "interlocutor" no cone sul, que é meramente simbólico. Sem contar os elogios de Lula a Bush, falando da "sinceridade" do presidente norte-americano, justo no momento em que este vem de ocupar militarmente o Afeganistão e o Iraque, em que aumenta suas ameaças militares sobre Irã, além de impor um plano de "paz" humilhante para os palestinos, depois da tentativa de organizar um golpe militar na Venezuela em 2002 e da continuidade da ofensiva política sobre Cuba, entre outras tantas políticas imperialistas na América Latina.

As altas taxas de juros, contra as quais protestam até determinados setores da burguesia, assim como o aumento dos impostos, cumprem a função de garantir a rentabilidade e o pagamento dos investimentos e empréstimos do capital estrangeiro no país segundo a exigência do FMI. Essas mesmas medidas cumprem um papel recessivo na produção, pois reduzem o crédito disponível para investimentos e para o consumo. A própria Alca é desfavorável para determinados setores burgueses brasileiros de diversos ramos da produção, dadas as barreiras protecionistas e os subsídios que os EUA impõem. Hoje, até velhos intelectuais orgânicos de setores da burguesia "desenvolvimentista", como Roberto Mangabeira Unger, e que foram entusiastas de Lula durante a campanha eleitoral, se "assombram" do alinhamento do governo: "A base dessa abdicação interna e externa é a falta de fibra e de clareza: a disposição de assumir o papel do bom operário que cuida dos pobres sem causar problema aos patrões e é, por causa disso, bem visto pelos graúdos do mundo... Dá nojo". [1] E até colunistas de jornais ligados a importantes setores da burguesia paulista como a Folha de São Paulo destacam: "além da Constituinte e da queda de Collor, o fato político mais importante desde a ditadura é a adesão definitiva do PT ao establishment. Lula é outro episódio de renovação do continuísmo - a história do Brasil em duas palavras" [2].

É justamente a orientação de Lula que têm gerado diferenças entre setores da burguesia nacional que são mais ou menos prejudicados ou beneficiados com os atuais rumos do governo. Os capitalistas que começam a protestar compõem majoritariamente setores ligados ao mercado interno, que são os mais diretamente atingidos pela crise económica em curso, pois são mais dependentes do crédito e do consumo interno. Nesse sentido, a atual orientação do governo se apóia nos setores mais concentrados da burguesia e dos banqueiros - que concentram empresas, tanto de capital majoritariamente nacional, quanto multinacionais estrangeiras e possuem a capacidade de obter crédito no exterior com mais facilidade - nas quais as exportações cumprem um papel importante, além de terem uma maior capacidade para suportar crises económicas.

As altas taxas de juros, o aumento do superávit fiscal, a reforma tributária e o acordo da "Alca mínima", fechado na última viagem de Lula aos Estados Unidos, apontam para um maior alinhamento do governo com o imperialismo, às custas de contrariar até interesses de setores da burguesia nacional que vinha compondo sua base de sustentação. As críticas do vice-presidente Alencar e de outros setores burgueses, como também a saída do PDT de Brizola da base governista, velho aliado do PT desde 94, expressam esse movimento dos setores mais diretamente e imediatamente atingidos pela crise económica. Até mesmo a redução de 0,5 ponto percentual na taxa de juros no dia 18 de junho, como também as novas metas inflacionárias definidas nos últimos dias que podem flutuar até os 8% anuais, confirma essa orientação, na medida em que foi negociada previamente com o FMI. O agravamento da recessão aponta para uma expansão destes setores descontentes e para uma maior tensão com o governo, apesar das novas medidas deste para tentar contentá-los como as de incentivo ao crédito, irrelevantes para sair da recessão, como eles mesmos afirmam. Isso é o que expressa, por exemplo, o novo grupo das nove empresas metalúrgicas que ameaçou o governo com a suspensão de contratos de trabalho, demissões e o não pagamento de feriados e folga remunerada aos trabalhadores, submetendo isso que eles chamaram de "pauta de negociação" à redução dos juros por parte do governo.

Esses movimentos mostram a dinâmica de desenvolvimento das contradições do governo com relação às frações burguesas. A capacidade limitada que este terá de atender aos interesses dos setores mais atingidos pela recessão, mantendo os acordos com o FMI, certamente provocará divisões nas alturas. A crise económica mundial, principalmente nos EUA, reduz as margens para concessões ao Brasil; ainda que, por interesses políticos, Bush, no sentido de utilizar Lula como "estabilizador político" da América do Sul possa fazer concessões políticas pontuais aos interesses da burguesia nacional.

A entrada do PMDB para a base governista, a consolidação da CUT como braço sindical do governo (com todas as contradições que isso leva consigo), a enorme popularidade que ainda mantém Lula, assim como a localização dos principais partidos burgueses - PFL e PSDB -, contribuem para a força que o governo Lula tem hoje. Porém, em setores importantes dos trabalhadores, começam a se desenvolver elementos de ruptura com o governo - principalmente em setores de sustentação histórica do PT, como o funcionalismo público federal -, que, frente à continuidade da atual orientação do Planalto, combinada com as divisões que começam a surgir entre as frações burguesas, apontam para uma conjuntura de conflitos no próximo período.

[1"Os falsários". Folha de S. Paulo, 23/06/2003.

[2"Lula e a renovação do continuísmo". Folha de S. Paulo, 22/06/2003.

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