Segunda 6 de Maio de 2024

CRISE AMBIENTAL

Por onde começar a resposta?

18 Jul 2009   |   comentários

Secas, furacões, tsunamis, e milhares de vidas perdidas. Destruição da biodiversidade em todos os continentes. 3 bilhões de pessoas vivendo sem saneamento básico. 45% da população mundial sem acesso direto à água potável. Esgotamento e desertificação dos solos. Montanhas de lixo que se acumulam nos arredores das grandes cidades. Gripe aviária na à sia, gripe suína na América Latina. Aumento da produção alimentar com hormónios e transgenia gerando novas doenças e impactos ecológicos, em um planeta com 950 milhões de famintos. A degradação ambiental não surge com o capitalismo, mas avançou a passos largos com seu particular desenvolvimento das forças produtivas. O saque sem limites da terra com a agroindústria, a poluição do ar, rios e mares por grandes indústrias são diferentes faces da busca sem limites do aumento dos lucros.
O Brasil é palco desta degradação e ponto focal de um suposto capitalismo verde. O Brasil dos bio-combustíveis de Lula é também o dos pecuaristas e madeireiras nativas e multinacionais coletando patentes e abrindo desertos na Amazónia. A crescente ocupação favelizada da região é marcada pelas enchentes como recentemente em Manaus, no Maranhão e Piauí.

A “eco-consciência” burguesa

A burguesia tenta transformar a crise ecológica, em um problema de ´´todos´´ , dissolvendo seu papel enquanto classe que detém os meios de produção e individualizando o consumismo da sociedade atual. Nada mais falso. São os empresários, banqueiros, latifundiários e seus governos os grandes culpados e responsáveis pelas catástrofes atuais e pelas que ainda virão. Os grandes poluidores, são as grandes indústrias e uma sociedade que produz mercadorias rapidamente descartáveis. As raízes do problema estão na propriedade privada dos meios de produção, e na apropriação da natureza tão e somente enquanto serve como valor de troca.
É por isso que as respostas da burguesia antes mesmo de implementadas já se mostram caducas. Semanalmente, os principais jornais do mundo constatam que as potências mundiais estão longe de atingir as modestas metas ambientais de diminuição de poluição dos acordos ambientais internacionais[1]. Por outro lado as Organizações Não-Governamentais (ONGs) ativistas na questão do meio ambiente, não só são impotentes, como são funcionais ao capitalismo. Financiadas por verba estatal e de muitas empresas, lavam a cara de transnacionais que são as principais responsáveis pela devastação do meio ambiente. Ao mesmo tempo em que fazem virulentas críticas são as organizadoras de “selos verdes” .
Esta consciência “eco-sustentável” da burguesia é também sua tentativa para criar novos nichos de mercado: os bio-combustíveis e a reciclagem de lixos são alguns exemplos que combinam a hipocrisia ambiental da burguesia com super-exploração de trabalho, como é a situação sub-humana e assassina em que se encontram os cortadores de cana ou os catadores de lixo organizados em ´´cooperativas´´.
A crise capitalista em que vivemos oferece uma visão mais sombria à crise ambiental, as novas tecnologias serão “verdes” somente enquanto formas de produzir novos lucros. A concentração dos meios de produção na fase imperialista do capitalismo, intensificada em momentos de crise, coloca mais barreiras ao desenvolvimento da humanidade.

A apropriação da natureza como processo de valorização do capital

Ao contrário do que é senso comum no movimento ambientalista, Marx e Engels deixaram importantes críticas das implicações ambientais do desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo. Marx daria grande contribuição ao retratar as contradições da agricultura no século XIX. Ele seria profundamente influenciado pela análise de Liebig, químico alemão que fez estudos importantes sobre a destruição dos solos na agricultura moderna, e apropriou-se do conceito de metabolismo (Stoffwechsel)[2] para expressar as contradições na relação entre cidade e campo, ser humano e natureza, no modo de produção capitalista, como na passagem a seguir de O Capital:
“A produção capitalista congrega a população em grandes centros e faz com que a população urbana tenha uma preponderância sempre crescente. Isto tem duas conseqüências. Por um lado, ela concentra a força-motriz histórica da sociedade. Por outro, ela perturba a interação metabólica entre o homem e a terra, isto é, impede a devolução ao solo de seus elementos constituintes, consumidos pelo homem sob a forma de alimento e do vestuário; portanto, ela prejudica a operação da condição natural eterna para a fertilidade duradoura do solo.(...) A produção capitalista, portanto, só desenvolve a técnica e o grau de combinação do processo social da produção solapando simultaneamente as fontes originais de toda a riqueza ’ o solo e o trabalhador.” [3]
Ao utilizar o conceito de "metabolismo" Marx apontava para a falha em seu funcionamento em decorrência das relações de produção capitalista. Alcançando uma integração entre a concepção materialista da natureza com a sua concepção materialista da história, Marx nos apontaria então, com extrema atualidade, que o crucial para a superação das contradições ambientais do modo de produção atual não é sua regulação, mas a tomada dos meios de produção para que se possa planificá-los racionalmente.

A luta ambiental e a transição socialista

É necessário sentar bases para a reorganização do modo de produção, superando a atual relação homem-natureza imposta pela lógica capitalista. O debate a se fazer é: de que maneira e por onde começar? Atualmente, setores denominados ecossocialistas, tem surgido na intelectualidade de esquerda e em setores do movimento estudantil e social mundial. Um de seus maiores expoentes é o intelectual Michel Löwy.
Löwy, corretamente, vincula o “ecossocialismo” à transformação das relações de produção, porém sua afirmação do que seria esta passagem, o programa de ação para hoje bem como a falta de clareza de quem seria o sujeito de tal transformação marcam uma combinação sem fronteiras entre a estratégia ambientalista burguesa e um programa revolucionário. Sua estratégia menciona a classe operária mas não lhe confere centralidade no processo revolucionário, fala em “transformação radical” mas não em ditadura do proletariado, em “defesa da saúde pública contra a avidez das grandes empresas capitalistas” [4] mas não fala em expropriação destas empresas.
Em Löwy, como no NPA francês que ele faz parte (partido afim ao PSOL brasileiro), o sujeito revolucionário não é claramente definido. O sujeito ecossocialista é um amalgama de trabalhador consciente, de consumidor responsável e de movimentos sociais que se enfrentam com o capitalismo[5]. Há passagens onde aparenta ser uma estratégia para os trabalhadores e movimentos sociais e outras, onde os trabalhadores não são sequer co-sujeitos da transformação ecossocialista, tendo os ambientalistas que ter medidas trabalhistas para ganhar o apoio dos trabalhadores, e não os próprios trabalhadores tomarem em suas mãos a transformação da sociedade[6].
É necessário acabar com a propriedade privada para a coletivização dos meios de produção e sentar bases para novas relações de produção que superem o desenvolvimento produtivo dentro da lógica do capital que ignora desde seu princípio o metabolismo da natureza e a relação do ser humano com esta. Para nós será a classe trabalhadora organizada em um partido revolucionário, que poderá com seus métodos históricos de luta tomar os meios de produção, para em aliança com os camponeses e o povo pobre, se enfrentar com a burguesia e construir um estado de transição, em que, ao passo que se tomam os meios de produção em todo o mundo e a resistência avança, maiores serão as possibilidades de assentar novas relações de produção que superem a crise ambiental atual.

[1] Estas metas foram estabelecidos no Protocolo de Kioto. Este previa uma redução mínima de 5% em relação a 1990 na emissão de gases responsáveis pelo aquecimento do planeta. Como sabemos, os EUA, principal potência responsável pela emissão dos gases, se recusaram obstinadamente a assinar os acordos; quanto à Europa, Japão e Canadá, eles assinaram, mas acrescentando cláusulas – o célebre "mercado de direitos de emissão", ou o reconhecimento dos chamados "poços de carbono" - retirado de Michael Lowy, Ecologia e Socialismo, Cortez Editora, 2005, São Paulo, pagina 60)

[2] Para se aprofundar ver FOSTER, John Bellamy. A Econlogia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

[3] Livro I, capítulo XV, parte 10

[4] De Marx ao ecossocialismo. Michael Löwy. Sem data. Disponível no site da revista teórica da corrente ENLACE do PSOL. www.mra.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=100&Itemid=41

[5] Coerente com várias elaborações de sua corrente internacional, exemplifica sua estratégia com os Orçamentos Participativos do PT, que foram uma política para canalizar a ação das massas em uma nova institucionalização do Estado burguês. “Ecossocialismo e planejamento democrático”. Michael Löwy, 2008. Disponível no site da Fundação Lauro Campos (PSOL): www.socialismo.org.br.

[6] “A necessária pré-condição do pleno emprego para toda a força de trabalho, com condições iguais de trabalho e salário. Essa condição é essencial, não somente porque é um pressuposto de justiça social, mas também para assegurar que os trabalhadores apóiem o processo de transformação estrutural das forças produtivas.” . Ecossocialismo: rumo a uma nova civilização. Michael Löwy. Sem Data. www.psolsp.org.br/Osasco/?p=44









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