Sábado 4 de Maio de 2024

Debates

O PSTU no governo Lula

Os "zigue-zagues" e a capitulação ao frente-populismo

25 Aug 2005   |   comentários

Desde o processo eleitoral em 2003 vem ocorrendo um processo de reorganização que, no atual momento de crise nas alturas e no próximo período vai se aprofundar frente ao baque histórico que está sofrendo o PT. A experiência das massas com o governo Lula e o PT tem colocado enormes desafios para os que se reivindicam marxistas e revolucionários. Mesmo sendo uma pequena organização em um país com 75 milhões de trabalhadores assalariados, o PSTU é parte importante desse processo e fala em nome do marxismo e da revolução socialista o que exige de sua direção uma análise séria, uma política efetivamente revolucionária sem oscilações e uma prática política distintiva.

Infelizmente não é isso que vem se dando, já que nesse momento seria essencial uma direção revolucionária preparada, ainda que débil numericamente como o PSTU, para que esse processo de reorganização se desse em chave revolucionária.

Como uma Liga trotskista principista nos sentimos na obrigação de polemizar de forma fraternal, mas sem diplomacia, com a direção nacional do PSTU que está se provando, porque diferenciamos a responsabilidade dos dirigentes, das energias que todos os militantes revolucionários do PSTU (muitos com pouca tradição), em especial a dos operários, que confiantes em sua direção dedicam seus esforços para a construção de um verdadeiro partido revolucionário.

A política dos marxistas revolucionários deve ser guiada por uma análise profunda e pelos ritmos da luta de classes, do movimento operário e das massas. A direção do PSTU faz exatamente o oposto. Ela só vê um ou dois elementos da realidade, guia sua política a contragolpe, pelo ritmo dos aparatos e de setores minoritários da vanguarda e, para justificar essa política, cria posteriormente uma análise singular da realidade, que como é deturpada de acordo com as necessidades do PSTU, não se sustenta frente a nenhuma mudança.

Sob pena de deixar o texto com uma leitura difícil, preferimos fazer uso de diversas citações do “Opinião Socialista” pois nada expressa melhor a política de um partido do que seu próprio jornal. Assim, fazemos uma polêmica leal, sem falsificações e evitamos acusações infundadas a LER-QI como é típico da direção do PSTU.

Primeiro teste: a eleição de Lula-Alencar

Infelizmente não poderemos demonstrar nesse artigo os zigue-zagues do PSTU historicamente. Mas não podemos antes deixar de remarcar um ponto. Desde suas origens, o PSTU dizia que “defender uma Frente de Trabalhadores sob a forma de uma candidatura de Lula com um vice do MST é parte da batalha pelo resgate da independência de classe” [1], com uma argumentação “teórica” de que esse seria “um governo operário e camponês” (!!!!). Para além do absurdo “teórico” de transformar a tática de governo operário e camponês em uma fórmula eleitoral e embelezar Lula e o MST, com essa política, o PSTU mostrava que não havia tirado as lições de 12 anos de “entrismo sui generis” no PT, e que na verdade atuava como “tendência externa” capitulando abertamente ao Lulismo e ao conciliacionismo petista. Essa foi a marca de toda a sua história, não só nos 90, mas até momentos recentes, como no governo Marta Suplicy em São Paulo de 2000 a 2004.

Nas eleições de 2004, quando a política do PSTU era toda voltada para a esquerda petista, tentando gerar crise nesta com a candidatura independente de Zé Maria (na qual chamamos voto crítico), o PSTU criticava corretamente a política desta: “Apoiar a candidatura de Lula nessas eleições é um profundo erro político, uma capitulação ao programa capitalista e a política de conciliação de classes do PT (...) Pior ainda, é falar para os trabalhadores “votem em Lula pelo não pagamento da dívida externa, pela reestatização das empresas privatizadas, pela reforma agrária e pela redução da jornada de trabalho “. [2]

Porém as posições do PSTU parecem ter um período de validade. Em um mesmo jornal, no OS 134 [3], o PSTU faz dois movimentos: propaga uma enorme confusão e capitula de forma aberta à Frente Popular e em especial à Lula. Uma página denunciando o patrão Alencar e algumas denúncias corretas à esquerda petista como, por exemplo: “Não basta tirar José Alencar do adesivo” não conseguem se sustentar no ar se vemos os outros artigos. Zé Maria escreve a “Carta de um brasileiro a Lula” que começa dizendo “Meu amigo Lula...” , mas isso é um detalhe perto da nota onde o PSTU comemora: “Congresso em Minas reafirma: unidade e classismo” . Classismo aqui para o PSTU significava o apoio indistinto do congresso às candidatura de Zé Maria e de .... Lula-Alencar (!!!). Infelizmente, a partir desse OS, a direção do PSTU abandona as formulações corretas PT-PL, Lula-Alencar, literalmente “tira José Alencar do adesivo” e de todos os seus jornais posteriores. O PSTU muda sua caracterização facilmente sem explicação e passa a utilizar somente “Lula” , “PT” e “candidatos da classe trabalhadora” (!!!!). Um giro oportunista que não poderia terminar de outra forma que não no “profundo erro político” de chamar o voto na Frente Popular Lula-Alencar no segundo turno.

A direção do PSTU se coloca por diversas vezes contra si mesma, capitula à Frente Popular e confunde a vanguarda que influencia de forma pouco responsável.

Antes do PSOL: “Governo Provisório” , Fora Alca e Novo Partido

Durante os primeiros meses de governo, o PSTU combinava de forma eclética consignas que os bolcheviques chamavam contra o governo provisório (!!!) com uma concepção de “governo em disputa” igual à da esquerda petista. Essa frase, por exemplo, poderia ser defendida por qualquer um desses setores que o PSTU criticava e critica: “devemos todos exigir não apenas a ruptura imediata com a Alca e o FMI, mas também que Lula e o PT expulsem os ministros capitalistas do governo, rompam a aliança com a burguesia e governem para os trabalhadores, apoiando-se na mobilização e nos movimentos sociais para aplicar um programa que beneficie a maioria do povo” [4]. Como se vê, a direção do PSTU não entendia, ou preferia não entender, o governo Lula e capitulava abertamente à esquerda petista e à frente popular.

Sem nenhuma análise mais de fundo das perspectivas da economia e da política do imperialismo para o Brasil, a direção do PSTU achava que “O Brasil é a Argentina amanhã” [5], sobre a economia nacional que “falta bem pouco para estatelar no abismo” [6], e que Lula, que o PSTU (contra a realidade e as estatísticas de alta popularidade) preferia anunciar sempre que estava perdendo a confiança das massas, ia implementar a ALCA logo no início do seu governo. Que bastava então, educar sua militância de que todos os problemas da humanidade giravam em torno da ALCA [7] e ter um “perfil antimperialista” que o PSTU, finalmente, capitalizaria toda a crise que se abriria no Brasil e no PT.

Antes do PSOL, o que se expressava não só para a vanguarda, mas também para a direção do PSTU era a fortaleza tática do PSTU, e não sua debilidade estratégica tão evidente hoje. Com o crescimento nas eleições de 2004 e a influência conjuntural que consegue em setores mais amplos desde o Plebiscito contra a ALCA em 2003, a direção do PSTU dava como certa a unificação em um novo partido (no qual seria maioria) com os setores da esquerda petista que viriam a ser expulsos. O projeto de um partido comum com a esquerda petista, que a direção do PSTU tentou implementar durante longos 10 anos e que a levou a capitular permanentemente ao PT e nunca terminar de se apresentar como alternativa independente, parecia estar a um passo de se concretizar.

Por isso, a direção não hesitava em lutar internamente contra os setores que se colocavam com uma postura sectária com a esquerda petista e dizia que era necessário “Um partido que seja superior ao PSTU, não só em quantidade de militantes, mas em qualidade política também, que possa somar a experiência e tradição do PSTU, dos militantes que estão no PT, no MST, nos diversos movimentos sociais, na Consulta Popular, etc” [8]. E no censurado OS 134: “Nós sabemos que sozinhos, não somos esta alternativa e também que essa tarefa não é só nossa” .

Como vimos, durante mais de uma década (para falar somente do período fora do PT) a direção do PSTU se dedicou a uma política de construção do partido que foi à completa bancarrota, gerando inclusive ruptura de setores oportunistas pela direita como o “Socialismo e Liberdade” , que em certo sentido, foram conseqüentes com a linha histórica da direção do PSTU rumo ao eleitoralista e programaticamente centro-esquerdista PSOL.

Depois do PSOL: governo burguês normal, contra as reformas, Conlutas x CUT

Mesmo depois de tamanha derrota, a direção do PSTU se nega a ir até o final nas lições. Prefere dar um giro abrupto em sua análise do [9], mudar totalmente a análise histórica da esquerda petista [10], mudar o eixo “anti-imperialista” da ALCA para o eixo sindical “contra as reformas” [11], e como tática de construção, não vê outra via senão utilizar seu relativo peso na vanguarda sindical, já que o PSOL começava a ocupar cada vez mais o espaço que o PSTU tinha para capitalizar as rupturas do PT.

O PSTU aprofunda seu perfil de uma seita sindicalista, passa a se apoiar somente em um setor minoritário da vanguarda sindical combativa que estava avançado em sua experiência com o governo e o PT, centralmente do funcionalismo público federal, que tem um sentimento honesto antiburocrático, para propor a essa a política oportunista de romper com a CUT. Para justificar o giro, tenta se diferenciar da Articulação depois de anos e anos de capitulação em “chapas cutistas” [12], chamando-os de “esquerda, combativa e classista” e dizendo que seu programa era “socialista, democrático, combativo, classista e internacionalista” [13]. O PSTU transforma o caráter historicamente reacionário dessas direções burocráticas em uma “novidade histórica” para tentar se descomprometer dos anos de adaptação oportunista, e continua com a velha política de não combatê-las seriamente lutando pela sua expulsão dos sindicatos. Prefere romper organizativamente com a CUT.

A política do PSTU definitivamente não tem nada a ver com o trotskismo. Vejamos o que Trotsky dizia sobre esse tipo de organização: “Toda organização, todo partido, toda fração que se permita ter uma posição ultimatista com respeito aos sindicatos, o que implica voltar as costas à classe operária, somente por não estar de acordo com sua organização, está destinada a acabar. E é bom frisar que merece acabar. [14]

A contracara dessa política sindical no partido, é a adoção da linha sectária que antes a direção combatia internamente, e o PSTU, de forma auto-proclamatória, se transforma no único “diferente” , “revolucionário” e o resto... são todos iguais (de PSOL a PFL!!!!), buscando com isso, de forma defensiva, cercar a militância e suas bases da influência de outros setores da esquerda.

Com a crise no governo Lula se aprofunda o esquerdismo na forma e o oportunismo no conteúdo

Afirmamos que toda a política do PSTU, materializada hoje nas consignas que vem defendendo para organizar os setores de ativistas do movimento sindical e estudantil que influencia (que tem como consignas: “contra a corrupção!” , “contra a política económica de Lula/FMI” e “contra as reformas neoliberais” ), expressa sua adaptação aos marcos do regime burguês. Com os dois últimos eixos, a intenção é formar uma grande coalizão de todos os antineoliberais, onde cabem os setores da burguesia “nacional” e “produtiva” . E com o primeiro (“contra a corrupção” ), permite dialogar com o sentimento progressivo do povo contra o mar de lama da democracia dos ricos, porém abrindo espaço para partidos burgueses como o PPS e o PDT posarem de “éticos” , como ocorreu no ato na ABI no RJ, onde esses partidos, junto com o PSOL e o PSTU lançaram uma carta pública supostamente como “oposição de esquerda” ao governo Lula.

Procurando a adesão desses partidos burgueses para a marcha, a direção do PSTU promoveu um giro oportunista que mostrou a flexibilidade da coluna dos companheiros. Tentam impor a participação desses burgueses num ato que deveria ser de independência de classe, para organizar os trabalhadores para a luta contra o governo e seus ataques e por uma saída independente para a crise do regime burguês.

A questão fundamental é que, por trás do episódio do “convite” a esses partidos para a marcha, se escondem problemas ligados à estratégia que tanto o PSTU como diversas correntes do PSOL, que considera que os partidos burgueses podem ser aliados do proletariado na “primeira etapa” da revolução, a “revolução democrática” , e só depois se convertem em inimigos, na “etapa socialista” . O PSTU chega ao absurdo de assinar uma carta com o PPS e o PDT dizendo que “dão um importante passo na construção de uma alternativa a esta situação” [15]

Agora, às vésperas da marcha do dia 17 de agosto, a direção do PSTU começou a defender a política de “Fora Todos” , isto é, “Fora Lula, o Congresso, PT, PFL e PSDB” , chamando, além disso, a política de “Por uma Greve Geral” . Não nos deteremos sobre essa última consigna, que colocada dessa maneira hoje fica completamente abstrata, e serve apenas para dar uma “cobertura de esquerda” para a verdadeira política do PSTU. Por mais que tente se mostrar contra “resolver a crise por dentro do regime” , polemizando contra a possibilidade de “impeachment” e contra a antecipação das eleições, a tática que o PSTU levanta não contribui para que os trabalhadores avancem em sua independência política e completem sua experiência com o regime democrático burguês. A consigna do “Fora todos” , aparentemente radical, na verdade está feita sob medida para realizar uma frente com todos os que se colocam como “oposição de esquerda” ao governo, incluindo aí, precisamente partidos burgueses como PPS e PDT.

Frente ao governo Lula que colocou, e vai continuar colocando, enormes desafios para aqueles que se reivindicam revolucionários, a direção do PSTU tem mostrado que é incapaz de levar à frente uma política revolucionária, sem os zigue-zagues típicos das organizações centristas. Os militantes revolucionários do PSTU não podem continuar sem questionar esse rumo, ou melhor, essa falta de rumo.

[1Opinião Socialista n° 125.

[2OS 132.

[3Que “por acaso” não está online no site do PSTU, assim como o OS 133.

[4OS 147.

[5OS 125.

[6OS 132.

[7A forma como a direção do PSTU pensa o partido rompe com toda a tradição bolchevique de preparar os quadros para responder aos grandes problemas históricos da humanidade, como “revolucionários profissionais” . Para ela, a tarefa dos militantes do partido se resumem a saber repetir duas ou três consignas, tiradas em cada momento no CC, “para mobilizar as massas” .

[8OS 131.

[9governoDurante um período, o PSTU ainda continua utilizando de forma confusa consignas como “Fora os ministros capitalistas” , com uma concepção próxima do “governo em disputa” . Depois, sem maiores explicações, o PSTU passa a caracterizar o governo como burguês normal e abandona a linha anterior.

[10A esquerda petista, por um longo período, praticamente some dos jornais a partir do OS 162, dando lugar à burocracia cutista que até aqui praticamente não aparecia. O que mostra como o PSTU pinta a realidade de acordo com a sua necessidade, mostrando somente uma parte dela que lhe interessa.

[11Sem negar a importância da luta por essas demandas, afirmamos que a maneira como o PSTU articula seus “programas de ação” , ao redor de duas ou três consignas “para mobilizar” , sem avançar em consignas de transição que entrem diretamente em choque com o regime capitalista, é a expressão de toda uma concepção teórica e política de adaptação à democracia burguesa. Além disso, aqui o PSTU comete o mesmo erro de crer que ocorreriam lutas de massas contra as reformas e que ele seria o único a levar essas lutas viia Conlutas, o que (novamente) abriria um espaço sem limites para sua construção.

[12Até hoje o PSTU está em algumas chapas com a Articulação.

[13Sobre a nossa crítica à política sindical do PSTU, ver “Uma política sindical revolucionária” na Revista Estratégia Internacional Brasil n° 1. Artigo que o PSTU tenta responder na revista Marxismo Vivo sem citar com quem polemiza.

[14” Trotsky ’ escritos sobre sindicato. Agosto de 1940. São Paulo, Kairós, 1 ª edição, 1978.

[15Carta do Rio de Janeiro, 28 de Julho de 2005.

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