Sexta 26 de Abril de 2024

Nacional

SINAIS DE INSTABILIDADE ECONÔMICA E POLÍTICA

Os desafios que vão sendo postos à “calmaria” da situação nacional

03 Apr 2012   |   comentários

O Brasil vive um destempo na luta de classes em relação à primavera árabe e em relação à crise capitalista mundial. Esse destempo tem sua base econômica, mas ela não explica tudo. É só olhar países vizinhos como o Chile onde a base econômica de elevado crescimento econômico baseado em commodities e capital estrangeiro é até mais forte que no Brasil para ver que a base econômica não atua automaticamente no sentido de calmaria na luta de classes. Sobre a base econômica, o crescimento da economia, crescimento do emprego, renda e mais ainda do consumo atuam outros fatores de estabilidade na luta de classes. Sobre a mesma base atua uma intensificação ideológica e interessada de suas promessas de desenvolvimento e avanços graduais. Esta intensificação do destempo é feita a partir de discursos e ideias de intelectuais, sindicalistas e antes de mais nada das mais graduadas figuras petistas com Lula e Dilma à frente, e não só plano das idéias, mas também na prática: na contenção da luta de classes pela burocracia sindical, isolamento e repressão das duras lutas da construção civil nas obras do PAC, exploração eleitoral dos conflitos com os tucanos na USP e Pinheirinho mas não como luta de classes.

Este é o tempo da política nacional em traços largos. No entanto, mesmo dentro deste tempo a sensação de falta de tempo, de desperdício e oportunidades vão interagindo e alterando esta mesma dinâmica, preparando o futuro. Há uma certeza que o tempo do destempo está contado. As contradições estão se somando, há uma guerra cambial, “tsunami de dinheiro” nas palavras de Dilma, desindustrialização na gritaria tanto da CUT quanto da FIESP e CNI.

Uma fotografia da base econômica para o ritmo diferenciado e a impossibilidade de um crescimento sustentado

Ao contrário do discurso interessado feito por Dilma e seus apoiadores intelectuais e sindicais o crescimento econômico dos últimos anos não ocorreu apesar do cenário mundial, mas como inflexão do mesmo. Os ritmos da economia mundial ditaram e ditam muito do que ocorre nacionalmente (começando pelas rápidas oscilações na indústria que demitem sincronizadamente com o mundo).

O andar da crise capitalista mundial, e as incertezas sobre seu aprofundamento, marcam os passos angustiados do empresariado brasileiro em como aproveitar sua oportunidade – enquanto durar. O pacote de salvamento do BCE aos bancos e estados europeus em crise através do empréstimo de mais de 1 trilhão de euros com juros baratos, combinado com a reestruturação administrada da dívida grega, parece ter afastado conjunturalmente os riscos mais imediatos de uma dinâmica catastrófica. Isso, combinado com os sinais contraditórios de leve recuperação da economia norte-americana, já tem sido suficiente para que alguns analistas e governantes mais otimistas comemorem uma possível melhoria. Entretanto, contrariando essas expectativas mais “alegres”, a desaceleração da China tem trazido sérias preocupações, como vários analistas apontando a tendência deficitária das transações correntes deste país como uma contradição interna que levará a novas turbulências independente da dinâmica mais ou menos recessiva dos EUA e da Europa. Além disso, o fato de que os empréstimos não venham se revertendo em novos estímulos à “economia real” e sim em mais especulação demonstra como a saída atualmente em curso apenas acumula as contradições e as empurra para frente, sem impedir que mais cedo ou mais tarde voltem às tona até mesmo mais agravadas.

Nesse marco, o Brasil está conjunturalmente “espremido”, de um lado, pela tendência à diminuição da demanda compradora de commodities da China combinada com o recrudescimento da competição dos produtos exportados por esse país (afetando a produção industrial e zerando os superávits baseados em exportações de commodities com preços valorizados); e, por outro lado, pela enxurrada de dólares que entram no país como subproduto dos pacotes de salvamento nos países centrais, o que o governo tem denominado como “tsunami monetário” que agravam a perda de competitividade da indústria nacional ao valorizar o real (e com isto os salários e tornar matérias primas e maquinaria importadas mais caras).

É com vistas a estas dificuldades atuais e estruturais que aumentam os decibéis dos artigos e declarações de editorialistas da grande mídia e de diversos empresários para que o país se “modernize”, “faça ajustes”, “ganhe competitividade”. Estes artigos e mesmo mobilizações que a FIESP dá corda para que a CUT faça ainda não constituem nenhuma divisão da burguesia nacional, nenhuma crise, mas dão mostras dos problemas e que mesmo os “otimistas” preparam “planos B”.

Qual aproveitamento do tempo buscam os empresários e o governo Dilma?

O número de artigos de economistas e empresários sobre como aproveitar o tempo atual realizando ataques ao proletariado – reforma trabalhista e da previdência (o ataque com o fundo de pensão do funcionalismo estando aquém do necessário, argumentam) – ou protegendo a indústria se multiplicam. Sobre esta base econômica e política vão sofrendo alterações as políticas, inclusive a política externa brasileira – primeiro contra a Coréia e China sobre os automóveis e recentemente com o México. A gritaria da burguesia brasileira com o protecionismo argentino ainda mal começou. E de parte do imperialismo sobre o protecionismo brasileiro – como falou a chanceler alemã Merkel também ainda estão só no começo. Com uma base econômica mundial em retração e mais intensa competição com a China a sensação de falta de tempo vai ganhando espaço e dando traços mais abruptos na política comercial internacional, inclusive no governo do país que jurava que o descolamento da economia nacional era uma realidade.

Distintas patronais argumentam que o momento para tomar tais medidas é agora. Não só porque os desenvolvimentos da crise ainda permitem um crescimento no país como ainda prima uma passividade na luta de classes. Passividade esta que é garantida pelo continuado e crescente acesso ao crédito por setores do proletariado (o que por sua vez liga-se com à dependência da entrada de capitais estrangeiros e divisas com o superávit baseado em exportação de commodities). Porém as bases para a indefinida continuação desta expansão do crédito são instáveis, dadas as contradições de como a economia nacional está inserida na mundial e, por outro lado, também pelo endividamento crescente dos trabalhadores, e que agudas e rápidas alterações no emprego afetariam seriamente.

Da parte do governo vão sendo tomadas medidas que são desde já um ataque aos trabalhadores (como o fundo de pensão do funcionalismo e privatização de três dos principais aeroportos do país, cortes no orçamento afetando sobretudo a educação e saúde). Mas, mais que os ataques presentes, o que o governo está fazendo é tomar medidas preparatórias, aproveitando este clima de passividade e gradualismo para já ter suas posições “consolidadas” quando a realidade exigir maior dureza com o proletariado.

É neste marco que devemos encarar a militarização dos conflitos operários em obras do PAC, com envio da Força de Segurança Nacional, a Lei Geral da Copa e sua entrega de soberania nacional à Fifa e o chamado AI-5 da Copa que tramita no congresso, que prevê a proibição das greves nas cidades-sede em 2013 e 2014.

Oscila o discurso da burocracia sindical, mas continua esforço em ajudar a burguesia

A CUT tem feito atos de rua para auxiliar na mesma “proteção da indústria nacional” que a FIESP e CNI reivindicam. O tic-tac da economia mundial vai ditando novos passos. Nas assembleias sindicais o discurso do descolamento vai cedendo lugar a como aproveitar a situação (ora blindando o governo, ora exigindo mais porque a situação econômica é favorável). Nos conflitos sobre como implementar o piso nacional da educação se desenham com maior clareza estas duas alas que atravessam todas as burocracias sindicais e parlamentares do PT e PCdoB.

Março termina, como no ano passado, com greve de milhares de operários nas hidrelétricas e repetida militarização dos canteiros de obras por parte do governo Dilma. Toda a política de tentar criar algum acordo de patronais, governos e sindicatos que criasse “paz social” em Rondônia não viu seu momento de realização. Esqueceram que estes operários estão vendo que o tempo do crescimento econômico e do cronograma político das obras está a seu favor para conseguir maiores aumentos salariais, mais direitos de visita as famílias.

Estas duras lutas em Jirau e Santo Antônio – em grande parte por fora da burocracia sindical governista, sem ainda se cristalizar para fora como uma tendência anti-burocrática, são o oposto do que é defendido pela CUT, Força, CTB e demais centrais governistas. Enquanto para elas o crescimento do emprego havia sido o melhor dos mundos, “o nunca antes na história” que tanto repetia Lula, estes operários se rebelam contra condições de trabalho que remontam à escravidão. Estas lutas são mostras de como o novo proletariado – precário – do lulismo pode se levantar e constituir uma promessa do novo: esse proletariado que foi base política para o lulismo e base econômica para o crescimento dos lucros das patronais se enfrentará com ambos.

A burocracia não olha esta situação para dar um giro em sua política. Nem poderia. Não quer que Jirau, Santo Antônio se multipliquem. Querem apoiar os empresários que “desenvolvem o país”. Enquanto o governo já destinou, desde 2007, R$ 100 bilhões, segundo o Estado de São Paulo, para a proteção da indústria nacional, ignoram que esta realiza demissões, intensificação das jornadas de trabalho e outras artimanhas para aumentar seus lucros. A CUT, Força, etc também se silencia sobre as tragédias de moradia, à repressão e assassinatos da polícia em favelas e bairros populares, se calam sobre as enchentes e deslizamentos que anualmente acometem o povo brasileiro. Tragédias estas que com uma quantia desta monta poderiam ser seriamente enfrentadas a partir de um plano de obras públicas controlado pelos sindicatos e moradores.

A Conlutas, a Intersindical e demais sindicatos anti-governistas precisam apontar uma perspectiva de independência de classe para enfrentar as batalhas atuais e as que estão por vir. Tal perspectiva deve partir de colocar a unidade das fileiras operárias entre os setores mais organizados e bem pagos da classe trabalhadora e os setores mais precários em primeiro plano. Os trabalhadores dos ramos da economia que ainda estão em crescimento devem aproveitar sua força não só para arrancar aumentos salariais reais às custas dos lucros patronais, mas também para avançar na unidade com os setores que já começam a ser atacados ou com os trabalhadores mais precários. Jirau precisa se transformar em um ponto de partida para uma ampla campanha nacional contra a militarização dos canteiros de obras do PAC, a repressão e a criminalização contra os peões que se rebelam. Cada empresa que ameace demitir em massa deve ser ocupada e colocada para produzir sob controle dos trabalhadores. Ao invés de implorar mais subsídios fiscais e redução das taxas de juros e protecionismo comercial à indústria, a vanguarda proletária deve batalhar pela unidade da classe ao redor de um programa e uma estratégia capaz de fazer com que sejam os capitalistas que paguem por sua crise. É a serviço dessa perspectiva que colocaremos nossas pequenas forças e que nos propomos atuar no II Congresso da CSP-Conlutas que ocorrerá no final de abril.

Os tempos estritamente políticos da situação nacional

Não existe só o tempo de aproveitar o crescimento econômico por parte dos trabalhadores – como a construção civil melhor expressa – nem só o tempo patronal de preparar-se para novo e mais agudo round da crise econômica, mas também os tempos estritamente políticos.

As eleições municipais se aproximam. Passados 16 meses de governo, quase uma dezena de ministros de Dilma já caíram. A base aliada não rompe nem termina de se recompor em constantes atritos da presidente ora com o PR, ora com o PDT, ora com o poderoso PMDB ou mesmo com o fogo amigo petista. Da parte da oposição, também não ocorre um fortalecimento nesta situação. Por mais fraca que esteja a campanha de Haddad em SP, e a aparente folga de Serra nas pesquisas eleitorais, as repetidas crises no DEM agora com seu paladino da ética, Demóstenes Torres, pego em escutas com um bicheiro e ligações de ambos com a VEJA em como publicizar ataques ao governo mostram que o tempo das denúncias, alianças e rupturas também vai se acelerando.

Os escândalos sistemáticos de corrupção que atingem o governo (e também a oposição) são uma característica estrutural de um governo e regime que para exercer o mínimo de governabilidade precisa costurar uma base de apoio mais ampla e heterogênea do que comporta a capacidade de financiamento e acomodação das arcas e postos do Estado. Essa característica esteve na origem do mensalão, e tende a ser um foco permanente de crises, as quais serão tão mais difíceis de lidar quanto mais se deteriorem as condições econômicas. E, desta vez, sem Lula, sem sua relação com o movimento de massas herdado do último ascenso à frente do governo.

Direitos humanos e juventude: sinais embrionários de novos tempos?

A questão mais aguda do tempo na política nacional na atual conjuntura também diz respeito ao tempo. É de um tempo curto, conjuntural, e ao mesmo tempo estrutural, antigo e duradouro. A ditadura, a impunidade e a comissão de verdade. A formação deste sucedâneo de comissão de verdade que não termina de realizar-se. A entrada em cena da juventude, ainda bastante inicial, já gerou intenso debate político nacional, e colocou desafios, apesar das direções, ao pacto de anistia e impunidade dos torturadores que o PT garante. O ato de 29/3 no Rio de Janeiro e seu coro de “cadeia, torturador na cadeia” anuncia como uma entrada mais decidida da juventude, com uma política independente do governo e exigindo punição aos torturadores e assassinos, sacudindo esta pedra de toque do regime complicará os planos do governo e pode abrir novos cenários de poltiização e mesmo da política nacional.

Outra expressão de fenômenos novos na juventude é a greve da Unifesp, onde os estudantes estão superando a burocracia estudantil para seguir numa forte greve contra a precariedade das condições de ensino e permanência estudantil, e que têm como canto "Derruba o muro, a Unifesp é de todo mundo", que expressa a política de relação com a comunidade, defendendo bandeijões abertos à população da região e uma universidade aberta à sociedade.

Sem a mesma transcendência como fato político nacional que teve a luta no final do ano passado, a eleição para o DCE da USP, na qual a esquerda anti-governista teve mais de 75% dos votos em uma eleição com quórum recorde apesar da política da reitoria e da mídia, é mais uma mostra incipiente do que pode estar de desenvolvendo no país. Reinaldo Azevedo, da Veja, quer ver neste resultado um anacronismo, uma prevalência de ideias que ele julga do passado. Para nós são não só as ideias do futuro como um sincronismo incipiente com o Chile, Espanha e até os EUA, onde centenas de intelectuais estão se juntando em um movimento chamado “get political” para publicar os “anacrônicos” Lênin, Trotsky, Rosa Luxemburgo como resposta para hoje.

Preparar uma vanguarda de trabalhadores e da juventude para aguadar mudanças nos tempos da política nacional

Os tempos da política nacional não terminam de se sincronizar com o tempo da economia e da luta de classes mundial. Há um evidente destempo. Mas o preparar-se para o fim do destempo vai ganhando corpo e afetando o mesmo. É preciso se preparar para a brusca e aguda sincronização do Brasil. O Chile e o Estado Espanhol eram tidos até poucos anos como dos países mais estáveis no mundo – eis como tudo que parecia sólido desmanchou-se nas mobilizações de rua.

A época em que vivemos – a época imperialista – caracteriza-se justamente por estas curvas abruptas e acentuadas. A crise econômica, o reemergir de nacionalismo e guerras econômicas (hoje ainda de baixa intensidade, cambiais, tarifárias, etc), os profundos ataques ao proletariado já em curso no Estado Espanhol e Grécia são mostras que também a relação entre as classes fundamentais – a burguesia e o proletariado – passarão por maiores convulsões. Estas mostras de tempestade tendem e tenderão crescentemente a acelerar esta perspectiva. E no futuro, sem a ação revolucionária do proletariado, nem novas guerras inter-imperialistas podemos descartar. É com esta clareza que devemos aproveitar o tempo atual. Aproveitando a “calmaria” para dar passos decididos em plantar uma forte organização nacional na juventude e setores do movimento operário, como parte da FT-QI, que luta pela reconstrução da IV Internacional, organização herdeira de uma tradição teórica, tática, moral e estratégica e prática para responder a crise capitalista e lutar pela emancipação da humanidade de toda exploração e opressão. Este é o nosso objetivo e para onde todo o esforço deve ser conduzido no destempo atual.

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