Quinta 16 de Maio de 2024

Nacional

O significado da aliança com o PMDB e a reforma ministerial

15 Feb 2004 | O último feito da política nacional de importância para a correlação de forças sociais e políticas foi a reforma ministerial realizada pelo governo Lula/PT, com o objetivo de iniciar a recomposição dos poderes governamentais. Tentamos desde uma perspectiva de classe, compreender o significado da reforma e o que está por trás destes movimentos.   |   comentários

O fortalecimento do governo com a incorporação do PMDB para garantir a ofensiva contra os trabalhadores

Passado um ano de governo Lula e da continuidade da aplicação das medidas políticas fiscalistas e monetaristas iniciadas pelo governo FHC ’ como reformas, controle inflacionário, manutenção do superávit primário e medidas restritivas na economia -, o governo petista realinha-se para novos ataques contra o movimento de massas através do restante das reformas de cunho neoliberal. A continuação da reforma da previdência iniciada em 2003, a reforma tributária, a reforma política (que pretende tornar o sistema político brasileiro ainda mais reacionário), a reforma sindical e a reforma constitucional do judiciário estão na agenda petista para 2004.

Nesta dinâmica, a incorporação do PMDB à base aliada no legislativo se torna uma questão fundamental para as pretensões de Lula. A famigerada barganha burguesa por cargos nos ministérios dispo-nibilizará os votos destes na sua bancada no Congresso Nacional. Por conseguinte, o governo Lula consegue a adesão da segunda maior bancada da Câmara, e o governo passa a ter como aliado na implantação dos ataques aos trabalhadores 11 dos 15 partidos representados no parlamento. Segundo alguns analistas “com o PMDB, o governo como um todo vai ter mais controle sobre a agenda legislativa. E o partido já mostrou sua força no congresso para aprovação de matérias, como mostraram as últimas votações da previdência no Senado” [1]. Malgrado o tom apologético burguês, mostra-se qual o intuito petista na incorporação do PMDB.

O objetivo expresso na reforma ministerial é a criação de uma “blindagem política-institucional” , que propicie um amplo espaço para a aprovação das reformas e garanta uma correlação de forças favorável no parlamento frente aos partidos que não compõem a base aliada e por vezes “obstaculizam” as votações trazendo contradições para o governo. Isto posto, o centro da “blindagem política-institucional” com a adesão do PMDB à base aliada é criar uma governabilidade estável e promover o equilíbrio necessário para continuar agindo nos interesses do imperialismo e setores concentrados da burguesia.

A reforma ministerial expressou as contradições no núcleo governista

Outro elemento que se funde com esta nova arquitetura política é o reposicionamento dentro do próprio governo, como é o caso do ministro José Dirceu na Casa Civil e o deslocamento de ministros como Tarso Genro para a pasta da Educação e Ricardo Berzoini para o cargo do Ministério do Trabalho.

Temos que levar em conta que ao longo das crises enfrentadas pelo governo Lula no ataque ao movimento de massas para dar seguimento das políticas neoliberais e na orquestração dos diversos setores burgueses que participam do governo, José Dirceu apareceu por vezes como “disci-plinador” de alguns fenómenos substanciais. Foi o caso na aprovação da primeira parte da reforma da previdência, a greve dos servidores públicos, a luta do movimento sem terra e no caso da expulsão do “bloco dos radicais” petistas, entre outros. O posicionamento de José Dirceu visava proteger a figura de Lula de eventuais desgastes mantendo o “capital político” do presidente e a ilusão das massas em sua imagem. Entretanto, a contradição fundava-se no “excesso” de poder em Dirceu aparecendo por vezes como “primeiro-ministro” . É isto o que explica a desautorização de sua conduta por Lula, reafirmando que o comando na condução do governo é do presidente.

Porém, a perspectiva apresentada no cenário político nacional face às próprias reformas ’ os acordos com o PMDB, a exigência dos outros partidos aliados, negociação por liberação de verbas orçamentárias para os Ministérios, a crítica das frações burguesas que desejam uma nova política económica e o papel contraditório que joga o PSDB e o PFL -, na qual o objetivo é garantir a estabilidade, pode trazer contradições no encadeamento dos fatos acima apresentados, podendo o governo passar por possíveis instabilidades (ainda com a possibilidade do movimento operário e popular voltar à cena).

Outro problema fundamental, e que já se expressou na discussão sobre o orçamento para investimentos, foi a disputa entre Palocci e Dirceu. Alguns analistas burgueses entendem que a contradição em torno da figura de José Dirceu seria a ponta de um iceberg. Neste aspecto a coerência em dito raciocínio, na medida em que Dirceu representa, segundo estes analistas, no seio da cúpula central do governo, o “projeto moderado petista” de desenvolvimento e “distribuição de renda” , ou seja, José Dirceu deste ângulo expressaria setores “moderados” petistas e burgueses contrários à política económica aplicada até aqui, tentando exercer uma pressão sobre a mão-de-ferro de Lula para “mudar” a política-económica para seu “projeto” de país. Expressão desta luta contraditória na cúpula do governo foi a tentativa de derrubar o secretário de política económica de Palocci, Marcos Lisboa, estrategista na formulação do ajuste económico. Sobre esta disputa diz a Folha de São Paulo “Dirceu catalisa o sentimento dos setores do PT que buscam influenciar Lula de forma a colocá-lo nos trilhos do tradicional modo petista de governar. Esses grupos toleram o rigor fiscal e monetário no primeiro ano por julgá-lo passageiro. Agora, aliaram-se às alas radicais ao constatar que ele tende a ser permanente. Por isso a política económica apanha tanto dentro do governo.” [2]

Não obstante a luta e a disputa deste bloco, os rumos do governo Lula/PT conduzem para a manutenção do ajuste ortodoxo, ou seja, seqüência de ataques ao movimento de massas. Com efeito, podemos esperar maiores contradições no interior do regime e atritos no núcleo duro do governo.

Desde já podemos de acordo com estes dois elementos abordados realizar uma síntese: a reordenação dos ministérios na reforma vislumbra dar capacidade estável de governabilidade e diminuir sobremaneira as contradições entre a elite executiva do governo petista e o fragmentado Congresso parlamentar [3] com o objetivo de criar uma correlação de forças favorável a sua política económica de ataque aos trabalhadores.

A aliança com o PMDB também como estratégia para as eleições municipais de 2004

Um outro aspecto a ser abordado na reforma ministerial é a campanha para as eleições municipais em outubro próximo e a campanha para 2006 para presidência.

Com a proximidade das eleições municipais o governo do PT propõe criar junto com o PMDB uma coligação em nível nacional intentando conquistar as principais capitais brasileiras e disseminar ampla hegemonia nos Estados. Este plano se propõe também a eliminar as críticas vindas dos municípios sobre a política-económica restritiva e de corte de gastos dos municípios. Como afirmam alguns politólogos, com esta estratégia “...dirigentes petistas e peemedebistas iniciarão uma série de reuniões pelos estados a fim de tentar estabelecer o maior leque possível de alianças para as eleições municipais deste ano. O ”˜contrato político”™ entre os partidos, segundo o presidente nacional do PT, José Genoíno, prevê a formalização de coligações em mais de 1.500 municípios, inclusive em algumas capitais como São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e João Pessoa. Na última eleição para prefeito, em 2000, os dois partidos se aliaram em cerca de 700 cidades” [4].

Deste ponto de vista, o PT prepara-se para capitalizar os serviços prestados à burguesia numa nova localização no interior do regime, como parte de projeto para transformar-se no principal partido nacional, que inclui uma estratégia de longo prazo de poder no país.

[1Revista Conjuntura Económica ’ FGV, V. 57, No. 12.

[2Folha de São Paulo, 08/02/04.

[3Lembrando a disputa entre o executivo e o legislativo apontado por Marx no “O 18 Brumário de Louis Bonaparte” ; “O jogo dos poderes constitucionais, como Guizot chamava as contendas parlamentares entre o poder legislativo e o executivo, joga na constituição de 1848 constantemente vabanque (apostar tudo o que se tem). De um lado estão setecentos e cinqüenta representantes do povo, eleitos por sufrágio universal e reelegíveis... Do outro lado está o Presidente, com todos os atributos do poder real...”

[4Folha de São Paulo, 25/01/04.

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