Sábado 27 de Abril de 2024

Economia

O petróleo abala a economia mundial

16 Dec 2014 | O preço do petróleo bruto tipo Brent, que funciona como valor de referência internacional, caiu, na sexta-feira, abaixo da linha dos 60 dólares. O petróleo bruto tipo Texas, preço de referência nos Estados Unidos – usado também como referência na Argentina –, chegou a 61,73 dólares por barril, aproximando-se perigosamente do valor de 2009. Com esta diminuição, o Brent acumula uma queda de 45% desde meados de junho deste ano.   |   comentários

Esta queda acumulada, ainda distante do profundo retrocesso de 2008, se torna – de acordo com Financial Times –, no terceiro declínio mais profundo dos preços do petróleo em três décadas. A queda nos preços do petróleo bruto – que se combinou com o adiantamento das eleições presidenciais gregas onde a coalizão de centro-esquerda Syriza poderia ganhar –, causou durante a semana fortes oscilações nas bolsas do mundo, em um contexto de alta tensão (...)

Esta queda acumulada, ainda distante do profundo retrocesso de 2008, se torna – de acordo com Financial Times –, no terceiro declínio mais profundo dos preços do petróleo em três décadas. A queda nos preços do petróleo bruto – que se combinou com o adiantamento das eleições presidenciais gregas onde a coalizão de centro-esquerda Syriza poderia ganhar –, causou durante a semana fortes oscilações nas bolsas do mundo, em um contexto de alta tensão financeira. A forte queda no valor do rublo, a desvalorização do real, do peso mexicano e do bolívar venezuelano, são consequências da queda nos preços do petróleo. Enquanto a queda em outras moedas, como o iene ou o euro, respondem à fraqueza de suas respectivas economias e a suas novas políticas monetárias expansionistas em curso – como no Japão – ou mais ou menos prováveis, como na Zona do Euro. O outro lado desse fenômeno é a consolidação do dólar, que continua atuando como refúgio de valor – em termos relativos – frente à fraqueza do resto, e especialmente nos momentos em que os mercados mundiais são sacudidos.

Oferta, demanda e guerra de preços

Como foi apontado aqui e aqui, a queda nos preços do petróleo se explica em termos imediatos por causas que têm a ver tanto com o aumento da oferta – associada especialmente à produção de petróleo do óleo de xisto nos Estados Unidos e à guerra de preços derivada disso –, quanto por causas que têm a ver com as perspectivas da demanda. Esta última questão se encontra associada, por um lado, a descensos reais na conjuntura, resultantes de uma demanda decrescente por parte da Europa, Japão e, em menor medida, da China. Mas é fundamentalmente a expectativa de um crescimento mundial mais fraco do que o esperado há alguns meses que faz com que a crescente oferta de petróleo bruto se torne tendencialmente excessiva e que seu preço baixe.

Neste contexto, e visto em termos mais profundos, o declínio nos preços do petróleo é produto de uma guerra – ainda incipiente – pela apropriação de maiores porções do mercado mundial. A decisão norteamericana – justamente a partir de Junho – de retomar a exportação de petróleo bruto depois de 40 anos, coincide, ao menos cronologicamente, com o início da tendência de baixa nos preços. A decisão da Arábia Saudita – o maior produtor de petróleo do mundo – na última reunião da OPEP (Organização de Países Exportadores de Petróleo), pode ser interpretada como uma resposta com intuito de recuperar uma porção do mercado atingindo a produção norteamericana de xisto que exige maiores custos. Mas, mesmo quando se considera que nos Estados Unidos os custos variam conforme a região e que os Estados Unidos são, por sua vez, o maior consumidor, importador e produtor do mundo, a queda do preço do petróleo poderia ter efeitos contraditórios sobre a dinâmica de sua economia. Não aconteceria o mesmo na Rússia, Venezuela ou Irã. Alguns analistas veem por trás dessa "guerra de preços" uma política deliberada para quebrar a Rússia no momento de maior tensão geopolítica com os Estados Unidos desde a Guerra Fria.
Consequências

Muitos analistas enfatizam as eventuais vantagens para a economia mundial pela queda do preço do petróleo, na medida em que os países importadores, particularmente a China, poderiam se beneficiar reestimulando a demanda mundial. Em princípio, e em termos de conjuntura, os efeitos pareceriam ser o oposto. Em um contexto de crescente debilidade da economia da Zona do Euro, que está à beira da sua terceira recessão, dado o retrocesso da economia do Japão e a – por agora – intenção norteamericana em aumentar as taxas de juros em meados do próximo ano, não se pode descartar que a queda do preço do petróleo contribua, como se viu nestes dias, a uma crescente instabilidade financeira com derivações que poderiam ser críticas.

A economia russa, espremida entre as sanções norteamericanas e europeias a suas exportações de petróleo e gás por um lado, e a queda dos preços do petróleo bruto por outro, está se transformando, naturalmente, em um novo foco de tensões que jogam lenha ao fogo do conflito geopolítico. A economia extremamente débil da Venezuela, em crescente risco de default, pode converter-se em outro foco de risco para a economia mundial. Em países como Brasil e Argentina, as consequências são mais contraditórias. Se ambos se beneficiam pela queda nos preços das importações petroleiras, por outro lado se põe em questão os investimentos que o Brasil quer atrair para as reservas do pré-sal, e os que pretende atrair a Argentina para Vaca Muerta. Neste último caso, no entanto, os efeitos se atenuam pelo fato de que parte dos investimentos destina-se à extração de gás de xisto que goza de uma maior independência em relação aos preços mundiais do petróleo.

Embora ainda não se possa conhecer os efeitos finais, em ambos os casos se tratam de apostas estratégicas cujo fracasso também poderia contribuir para processos de maior instabilidade na economia mundial. Em condições de debilidade estrutural abertas pela crise de 2008, contidas por medidas estatais que estão longe de reverter a fraqueza do crescimento mundial e as tendências à estagnação, em um contexto de crescentes tensões geopolíticas, a previsão do efeito benéfico da queda dos preços do petróleo é no mínimo unilateral e, portanto, ingênua. Isso não exclui que, como sustentam Martin Wolf e Gabyn Davies, entre outros economistas que destacam o aspecto reativador da queda nos preços do petróleo, os efeitos deflacionários deste movimento necessariamente influenciem as políticas dos Bancos Centrais. As políticas monetárias expansionistas se redobraram no Japão e não se pode descartar que a Zona do Euro incorra em um plano de compra de títulos das dívidas estatais no estilo dos planos de facilidades quantitativas (quantitative easing) da Reserva Federal Norteamericana.

Tampouco se pode descartar que a Fed (Reserva Federal dos Estados Unidos) em um contexto de deflação progressiva ou em um cenário de crescente tensão financeira, reverta a sua intenção de aumentar as taxas. Mas também não se pode ignorar que estas medidas dos Bancos Centrais são apenas paliativas e que em termos mundiais não conseguem reverter a tendência geral a um crescimento fraco. Como já dissemos no artigo mencionado mais acima, os economistas costumam passar com muita facilidade de teses do tipo da "estagnação secular" a seu natural otimismo secular. Mas os fenômenos superficiais, como é o movimento do preço do petróleo, vêm a ser expressões de processos mais profundos e, portanto, são necessariamente impotentes – se uma nova quebra financeira fosse evitada – para reverterem por si mesmos as tendências de longo prazo.

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