Quinta 18 de Abril de 2024

Economia

O que é bom para a humanidade não é bom para o capital

17 Nov 2014 | Desigualdade e estagnação secular são duas preocupações medulares que invadem a mente dos ideólogos da burguesia. Ambas as inquietações marcham entrelaçadas. É difícil defini-las como teoria, tratam, porém, de uma constatação da situação das tendências atuais do capital. Merecem ser analisadas com cuidado sobretudo porque guardam uma confissão sobre algo que anda muito mal – ao menos pensando em termos estratégicos – sob as atuais relações capitalistas de produção.   |   comentários

Um estudo publicado recentemente pelos pesquisadores da London School of Economics, Emmanuel Saenz e Gabriel Zucman, seguindo os caminho de Thomas Piketty, conclui que na sociedade norteamericana a desigualdade social está chegando a níveis recordes.

O sonho americano

Um estudo publicado recentemente pelos pesquisadores da London School of Economics, Emmanuel Saenz e Gabriel Zucman, seguindo os caminho de Thomas Piketty, conclui que na sociedade norteamericana a desigualdade social está chegando a níveis recordes. Enquanto Piketty concluía em seu livro o “O Capital no século XXI” que o assombroso aumento recorde da desigualdade nos EUA devia se associar fundamentalmente a evolução da desigualdade de renda, Saenz e Zucman chegam a uma constatação diferente. Concluem que,na verdade, o dado mais surpreendente é o aumento da desigualdade da riqueza. Se a participação da classe média na riqueza total da sociedade norteamericana alcançou o pico no início da década de 1980, a tendência se reverteu claramente a partir daquele momento. Com relação a parte da riqueza deste setor, os aumentos no valor da propriedade teriam contribuído escassamente, devido a que as dívidas hipotecárias cresceram em paralelo. Mais tarde, a Grande Recessão reduziu os preços da moradia ainda que mantivesse inalterados os valores da dívida, contribuindo para uma contração ainda maior da riqueza da classe média.

Atualmente as 16.000 famílias norte-americanas que integram o 0,01% mais rico da sociedade, controlam 11,2% da riqueza total o que significa um retorno a níveis recordes. Por sua vez, o 0,1% mais rico alcançou em 2012 um nível de participação na riqueza total criada quase tão alto como em 1916 e 1929 - os níveis mais elevados da desigualdade na história – e três vezes maior do que na década de 1970. Enquanto os pesquisadores assinalam como total naturalidade que cerca da metade dos 90% da sociedade é em geral possuidora de uma parte da riqueza próxima a zero, para o caso da classe média constatam que não seria atualmente beneficiária de uma porção da riqueza significativamente maior do que há 70 anos.

Muitos velhos e poucas crianças

As páginas da imprensa anglo-saxã e em especial a imprensa financeira vem geralmente repletas de análises sobre a estagnação secular. Um artigo recente da revista The Economist se pergunta quais seriam as causas que explicariam a tendência a redução do crescimento do PIB nos países centrais de conjunto desde os anos 1980. O artigo – e maior parte dos economistas como Summers, Krugman ou mesmo, Piketty neste aspecto -, conclui que além de outros múltiplos fatores explicativos o esclarecimento mais cabal se encontra na demografia...Sim, na demografia. A reconstrução posterior ao segundo Pós-Guerra e o rápido crescimento alentaram um aumento veloz na taxa de natalidade que alimentou a geração dos denominados “baby boomers”.

O artigo lembra que em meados da década de 1960 estes filhos do boom se incorporaram à força de trabalho, mas logo a taxa de nascimentos decresceu e, a esta altura, aquelas crianças já estariam se aposentando. O pior, sempre segundo o artigo, uma baixa taxa de natalidade se combina com uma aparentemente excessiva taxa de longevidade... Uma pessoa de 65 anos, diz, pode esperar viver 20 anos ou ainda mais...e o pior, agregamos, sem trabalhar. E o resultado é que o “custo” para a sociedade, de manter as pessoas de “idade” (de que idade?) é maior se se tem em conta pensões e assistência médica entre outras demandas.

Nos termos dos economistas – ou do capital que fala por eles -, as pessoas “maiores” não tem utilidade alguma já que sequer representam uma promessa de “mais-valia futura”. Fundamentalmente, o artigo continua afirmando, a mão-de-obra já não é cada vez maior, de fato, se espera que se contraia na Itália, Alemanha e Japão. A União Europeia está a ponto de perder 40 milhões de trabalhadores nos próximos 40 anos. De modo tal que o aumento da esperança de vida, que para os seres humanos é uma benção, para os economistas é uma verdadeira desgraça. É algo assim, como um "déficit" de mais-valia (ou um retorno muito pequeno) em troca de uma promessa...de nada. Mais infeliz ainda é uma situação de longevidadee de baixa natalidade combinadas que constituiu todo um combo de “altos custos” para o capital com baixa promessa de mais-valia futura. Solução?

O capital x tempo livre

O artigo continua apresentando o segredo do crescimento econômico consistente em ter muitos trabalhadores e fazendo com estes que funcionem de maneira eficiente, ou seja, aumentando a produtividade. Mas em um contexto de longevidade e de baixa natalidade iminente, segundo afirma, que a “produtividade” terá que trabalhar muito duro para neutralizar a situação demográfica.

Em outros termos, os jovens teriam que pagar com mais mais-valia relativa a vida “improdutiva” (no sentido da produção de mais-valia) dos velhos ou melhor ainda, teriam que produzir uma cota maior de mais-valia enquanto jovens, para pagarem este absurdo prolongamento “improdutivo” de suas vidas.

Evidentemente, a conquista do tempo livre, mesmo que não seja mais que pelo aumento da expectativa de vida e não – Deus não permita - pela redução do tempo de trabalho, é, veja por onde se veja, uma grande desgraça para o capital. No entanto, estas questões parecem mais declarações de princípios do que as verdadeiras causas da estagnação secular. Mesmo que a obtenção de novas fontes de trabalho abundante e barato sejam sempre uma benção e em grande parte –basta vermos a China-, uma contratendência ao baixo crescimento capitalista das últimas décadas.

E voltando ao aumento do preço dos imóveis...

Resulta que falando deste tema que enunciávamos no começo, se chega por outra via justamente à questão da produtividade. Assunto que segundo o mencionado artigo da revista The Economist (e muitos outros economistas), constitui uma segunda causa explicativa para a estagnação secular. O articulista relembra o destaque de Summer de que os períodos de alto crescimento econômico sempre estiveram precedidos pela acumulação de dívida e bolhas de ativos.

Ainda que também tenha mostrado Summers que o registro dos países industrializados durante os últimos quinze anos termine particularmente desalentador com relação a possibilidade de manter um nível de crescimento substancial com estabilidade financeira. O autor do artigo destaca no entanto, que em outros períodos históricos, as bolhas tiveram impactos econômicos positivos. Este foi o caso das ferrovias e os canais construídos em meio ao frenesi de especulação no século XIX e cuja consequência redundou em um elevado crescimento da produtividade. Pelo contrário, os benefícios econômicos do recente auge da propriedade imobiliária deixam muito a desejar. Volta-se a se perguntar então sobre o porque de tantas bolhas recentes.

Mas aqui a resposta assume uma lógica circular. Apoiando-se em uma tema central do ensaio de Summers, o autor explica a questão remetendo-se a existência de taxas de juros reais baixas que fomentaram o investimento em ativos financeiros de todo o tipo. A circularidade do argumento consiste em que as taxas de juros reais baixas tem atuado frequentemente como respostas governamentais ao baixo crescimento da economia e ao escasso investimento de capital.

No entanto – e os EUA são um caso paradigmático- o investimento “produtivo” continua sendo particularmente baixo. E aqui a questão volta a se vincular com o aumento da desigualdade e todos os pontos devem convergir. Por um lado, e, como apontam os economistas da estagnação secular, os elevados preços dos ativos exacerbaram a tendência a desigualdade já que os ricos possuem naturalmente mais ativos que os pobres. Por outro lado e como indicam os pesquisadores da desigualdade, não somente a renda do 50% mais pobre da população norteamericana se mantiveram estagnados durante as últimas três décadas, mas também, a “classe média” durante o boom imobiliário se encheu de dívidas e estaria voltando ao seu patamar de 70 anos atrás na distribuição de renda.

Por último, algo que nenhuma corrente econômica “consagrada” diz, é que é o extraordinário aumento das taxas de exploração do trabalho durante a ofensiva neoliberal e que prossegue em sua decadência. Mesmo que atualmente, dados os limites para o crédito e o consumo e as taxas de endividamento da população, o tema se tornou um problema econômico (para a realização do capital) e político (com relação a “legitimidade” da democracia) que está preocupando a um amplo espectro de nobres ciências humanas.

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