Sexta 3 de Maio de 2024

Internacional

A experiência de 10 meses de greve estudantil mexicana nos anos de 1999 e 2000

México: “Ultras” e “moderados” na greve da UNAM

07 Jun 2007 | O artigo que aqui reproduzimos foi publicado originalmente no jornal La Verdad Obrera da Argentina em 24 de fevereiro de 2000. Desde então, apesar da repressão e do retrocesso sofrido pelo movimento estudantil com o desalojamento das instalações ocupadas por mais de nove meses de luta, a “normalidade acadêmica” proclamada pela reitoria não havia se assentado. O Conselho Peral de Greve (CGH) realizou desde então múltiplas ações continuando a luta pela liberdade de todos os presos e o cumprimento dos seis pontos de reivindicações, sendo a paralisação de 12 de abril uma das mais importantes. O reitor vem tentando avançar na concretização de uma farsa de congresso universitário, para o qual chamou a “mesas de diálogo” que resultaram num completo fracasso. Como parte desta política, em meados de abril o reitor Juan Ramón De La Fuente (o responsável pela prisão de centenas de estudantes) convocou o CGH a uma farsa de diálogo, já que no dia de hoje destacados membros do CGH seguem Numa prisão de a reitoria ordenou novamente a ocupação da UNAM pelas tropas da Policia Federal Preventiva (PFP).   |   comentários

Contra esta ocupação tem se revitalizado um importante movimento democrático com a realização de assembléias massivas em muitas faculdades e escolas, e uma mobilização de mais de 20.000 estudantes, acadêmicos e trabalhadores universitários de 19 de abril, um dia antes de fazer um ano do início da greve. ContraCorriente (integrada pela Juventude da LTS e estudantes independentes), que vem se colocando à frente desta luta pela reorganização do CGH, coloca junto com a luta pela expulsão da PFP da UNAM a necessidade de colocar em pé uma comissão organizadora de um congresso universitário verdadeiramente democrático, conformada por estudantes, acadêmicos e trabalhadores. Luta para que em cada escola e faculdade os Comitês de Greve chamem assembléias massivas para discutir e votar esta política e seguir a organização da luta. Por último assinalemos que nos momentos que esta revista é publicada está começando a se realizar o primeiro Encontro Internacional de Estudantes, convocado pelo CGH e que conta com a presença de delegações de vários países.

Ninguém pode duvidar que o governo, ao “retomar” as instalações da UNAM e prender os dirigentes do Conselho Geral de Greve, deu um forte golpe ao movimento estudantil e impós pela força um retrocesso, uma derrota parcial da luta. Mas também é inegável que esta “solução” , como hoje reconhecem grandes setores do mundo político e intelectual, não dá nenhuma estabilidade séria ao domínio da universidade pelo PRI (Partido Revolucionário Intitucional).

Mais ainda, ao defender todas e cada uma das grandes ações do CGH partimos da convicção de que esta greve e seu organismo criaram as bases para um setor enormemente combativo dos explorados deste país, e em certa medida, para o movimento estudantil latino-americano e mundial. Analisaremos aqui a luta política que se desenvolveu no interior do CGH ao longo da greve.

“Ultras” e “moderados” foi a denominação que a burguesia e os meios de comunicação deram às duas tendências políticas principais que surgiram ao longo da greve da UNAM.

O jornal mexicano La Jornada , publica o seguinte diálogo numa assembléia posterior à repressão: “Um estudante dos moderados1 reclamou: ”˜já vimos, o tempo nos deu razão, sua intransigência e a não flexibilização nos levou à derrota”™ e um estudante da ultra respondia ”˜Não, não foi assim”¦vocês entregaram a greve”™” .

O presidente Zedillo, na mensagem que deu à nação após a repressão, coincidiu com os “moderados” : os estudantes do CGH “não quiseram reconhecer que seu movimento original havia triunfado; endureceram ainda mais sua intransigência”¦” . Zedillo se referia à negativa do CHG de levantar a greve quando o reitor Barnés suspendeu o aumento das cotas. Criticava que os estudantes “ultras” não se contentavam com as migalhas que o regime lhes atirava.

Como se explica esta coincidência entre o governo do PRI e os “moderados” ? Foi a intransigência do CGH e a “ultra” o que levou à intervenção da PFP, que impós a derrota parcial da greve, como afirmam não só Zedillo e os perredistas, como também grupos da esquerda?

Para responder a estas perguntas, faremos um primeiro balanço de como se expressaram as estratégias das distintas correntes em cada momento da heróica greve dos estudantes da UNAM.

Surge uma primeira diferença em relação à perspectiva desde a qual cada corrente interveio na greve. Para os “moderados” e todas as agrupações de esquerda que seguiram sua política, a greve estudantil se limitava a uma mera luta reivindicativa pelas demandas estudantis mínimas, deixando toda luta para transformar a estrutura totalmente anti-democrática e retrógrada da universidade (e muito menos se propor a dar uma luta para fora dos marcos da universidade) para um futuro Congresso Universitário2. Pelo contrário, a tendência objetiva da greve foi questionar não só a estrutura de poder universitária como o regime dirigido pelo PRI, isto é, apontava para a luta política de massas. Como coloca Enrique Semo “A história mexicana nos últimos 60 anos está marcada por uma sucessão destas rebeliões que se sucedem regularmente. Quase sempre se iniciam com demandas limitadas e terminam colocando mudanças profundas num sistema em que a essência é para a maioria profundamente injusto e opressivo” 3. Assim, a luta dos estudantes da UNAM contra os planos imperialistas, a repressão e para democratizar a universidade atuaram como caixa de ressonância do conjunto das contradições sociais. “É claro que na UNAM se refletem as condições em que vive o país”¦O enfrentamento na Universidade tem sua origem na própria polarização social que tem se desenvolvido nestes anos” .4

A verdadeira dimensão da greve se expressou na importância dada pelo vasto arco que se ocupou do conflito. A Igreja, as câmaras empresariais, o governo nacional, os partidos do regime, intelectuais e burocratas sindicais atacaram violentamente a greve, fosse colocando saídas repressivas, ou apoiando os “moderados” . Setores das classes médias, dos trabalhadores e dos camponeses expressaram de distintas maneiras suas simpatias pelo CGH dirigido pelos “ultras” .

Os “terroristas” da UNAM e o fracasso dos “moderados”

O primeiro momento da luta se caracterizou pela negativa do reitor Barnés em aceitar o CGH como interlocutor válido para negociar, pela repressão e perseguição aos ativistas por parte de seus grupos de choque, a policia nacional e a do governo da capital do PRD. Este momento finalizou com o rechaço no CGH da política conciliadora dos “moderados” , encabeçados pelo CEU de aceitar a proposta dos professores “eméritos” de abandonar a greve e acordar um Congresso Universitário garantido pelas autoridades5. Propunham levantar a greve com o “compromisso” de um Congresso dirigido pelo priísta Barnés, o mesmo que havia lançado a aumento das cotas e as provocações dos “porros” ! O rechaço do CGH a esta tradicional política negociadora perredista se baseou fundamentalmente em duas experiências. A primeira, a traição por parte de muitos dos dirigentes hoje integrantes do CEU da greve de 87 (ver nota 2). A segunda e mais recente foi o desconhecimento por parte do PRI de seu próprio compromisso nos acordos de San Andrés entre o EZLN e o governo, impulsionados pelo PRD.

Frente à campanha que os “moderados” do CEU lançaram acusando a “ultra” de querer alongar o conflito indefinidamente e de “intransigentes” por se negar a flexibilizar a pauta de reivindicações, campanha que seu viu fortalecida pela defesa que o EZLN havia feito dos “moderados” 6, estes foram expulsos do CGH ao grito de “parista, moderado, amanhã será deputado” .

Este foi o primeiro grande feito de radicalização da greve, tomando em conta que o movimento estudantil historicamente havia sido perredista. O CGH havia derrotado o CEU e sua política de entregar o movimento como em 87, rechaçando de fato a defesa do “subcomandante” Marcos dos moderados. Esta dureza do CGH levou ao seu primeiro triunfo, a renúncia do odiado reitor Barnés. Com a nomeação do novo reitor De la Fuente com um tom claramente conciliador, viria o reconhecimento do CGH como único interlocutor válido. Ao colocar um reitor “conciliador” , o governo estava reconhecendo o fracasso da política levada adiante por Barnés e os “eméritos” . Mas também demonstrava que era falsa e capituladora a política não só dos “moderados” , como também das correntes de esquerda7 que os apoiaram. O CGH atuou assim de forma oposta ao EZLN, que aos dez dias de insurreição camponesa de 94 abandonaria as demandas mais importantes e aceitaria a intervenção do exército nacional em Chiapas, como parte dos acordos com o PRI.

As fortalezas do CGH era produto não só da justeza de suas demandas, como da poderosa organização em que se baseava: os Comitês de Greve que votavam seus delegados e mandatos ao CGH, permitindo expressar democraticamente as centenas de ativistas que sustentam as ocupações de edifícios e os milhares que os apoiavam.

As duas manobras “democráticas” de De La Fuente

Em seguida veio uma manobra em grande escala: o plebiscito de 20 de Janeiro, no qual o Conselho Universitário convocou a toda a “comunidade universitária” a votar “democraticamente” se o CGH devia ou não devolver as instalações. Todo o aparato publicitário do regime, que vinha difamando os dirigentes do CGH, se pós a serviço do plebiscito, que foi apoiado pelos principais intelectuais “progressistas” como Monsivais e Elena Poniatowska, todo o aparato do PRD e os dirigentes sindicais dos funcionários do STUNAM. O plebiscito era uma manobra, porque entre outras coisas, igualava o voto dos heróicos estudantes que durante meses sustentaram a greve com o dos estudantes que não tinham feito um só dia de paralisação, e o de professores que, no melhor dos casos, não tinham nada a ver com a greve ou diretamente vinham apoiando todos os planos da reitoria. O companheiro Luis J. Garrido, intelectual assessor do CGH assinalou que no plebiscito a proposta completa do reitor só havia obtido 39% de apoio. Lamentavelmente, lhe faz uma grande concessão ao governo, ao PRD e aos “moderados” que impulsionaram o plebiscito: não se pode aceitar que uma greve seja submetida à votação não só dos que não param, como dos que estão abertamente contrários!

A política de De La Fuente tinha o objetivo de criar as condições políticas para justificar a repressão, e não estava disposto a fazer nenhuma concessão de fundo; A decisão do CGH de rechaçar o plebiscito e convocar a sua própria consulta foi totalmente justa. Que grandes experiência para o movimento de massas mexicano ver as manobras “democráticas” que é capaz de montar o regime do PRI-PAN-PRD para liquidar uma greve contraposta ao Conselho Geral de Greve baseado na democracia direta dos que lutam!

Baseado na “legitimidade” do plebiscito, no qual votaram, reiteramos, estudantes e professores que não fizeram a greve, o reitor “democrático” agregou aos grevistas, e provocadores que foram à Universidade para exigir a devolução das instalações. Entretanto, o reitor não conseguiu o apoio dos estudantes não grevistas a sua política. Ao fracassar novamente o governo e seu reitor definiriam como fechada esta etapa de “diálogo” com o CGH. Começaria um novo momento da greve”¦o da repressão.

A nova tentativa do PRI de derrotar a greve: os porros no ataque(9)

Frente ao novo fracasso da política do PRI e num intento deseperado para acabar com a greve, os grupos de choque priístas atacaram a Preparatoria 3 em 1º de fevereiro. Com capangas contratados especialmente pela reitoria (segundo confessou um deles) a policía interviria só para prender os estudantes. Dias depois, uma solicitação assinada pela reitoria e por dezenas de intelectuais exigia aos grevistas a devolução das instalações. Outro dos empresários instava o governo a acabar com a greve.

Entre os capangas e a PFP(10): surge um novo fenómeno

Frente a perspectiva de uma repressão generalizada, setores da classe média e do povo pobre da cidade do México rodearam os estudantes de apoio na multitudinária marcha de 4 de fevereiro. Ressurgia assim, um movimento democrático em defesa dos estudantes e sua luta, e pela liberdade de todos os presos: o CGH havia se convertido em uma nova bandeira democrática de setores das massas, como tinham sido durante o levantamento camponês de Chiapas em 94.

Frente ao surgimento do movimento democrático e para tentar se antecipar ao seu desenvolvimento, o reitor convocou uma nova reunião com o CGH com uma delegação reducida e a portas fechadas. Seu objetivo era “demonstrar” uma vez mais sua vontade de “dialogar” e a “intransingência” do CGH. ContraCorriente batalhou contra aceitar as condições da reitoria, contrárias a toda a prática que o CGH vinha tendo de negociar de forma pública e com os 120 delegados, enquanto exigiam a liberdade dos estudantes presos. Entretanto, a delegação do CGH, por responsabilidade do CEM zapatista, e com o acordo tácito de En Lucha11, ficou “discutindo” mais de 12 horas a portas fechadas, rompendo o mandato da CGH e permitindo ao PRI dizer cinicamente que havia feito “todo o possível” , e desatar a repressão posterior.

A repressão generalizada

Os acontecimentos da madrugada de 6 de fevereiro são amplamente conhecidos. Os quase 1000 detidos nas mãos da PFP com a intenção de desarticular o CGH, multiplicou o movimento democrático. Junto à marcha dos 100.000 estudantes, trabalhadores e do povo em geral que marcharam em 9 de fevereiro, uma longa lista de “arrependidos” desfilariam pedindo perdão aos grevistas por terem apoiado as manobras do reitor. O “arrependido” Monsivais se viu obrigado a reconhecer: “Há uma hora terminou a marcha pela liberdade dos presos políticos e a favor do CGH, manifestação muito numerosa, agressiva e combativa. Não vi apenas a ressurreição do movimento estudantil, mas algo muito mais vasto: o surgimento de um amplo movimento democrático de “resistência à injustiça” , entretanto sua inimizade manifesta com o CGH o leva a separar este momento democrático da “ressurreição do movimento estudantil” . Uma análise menos preconceituosa advertiria que o CGH tem uma grande possibilidade de se afirmar (não de “ressurgir” já que nunca desapareceu) . Que isso não é uma expressão de desejos o demonstra o fato de que no dia da repressão tenham se mobilizado 15.000 pessoas exigindo a liberdade e aplaudiram sacudindo um cartaz que dizia “Viva o heróico CGH” .

Na marcha dos 100.000 à que se refere Monsivais, o CGH derrotou todas as manobras para impedir que fosse o protagonista e único orador. Inclusive, os estudantes terminaram o ato meia hora antes que a coluna com os deputados e dirigentes do PRD ingressassem na praça central.

Nestes dias, sabemos que dentro e fora da prisão há uma intensa campanha do CGH para se reorganizar, tendo sido repudiada amplamente a declaração de um dirigente que chamava a transformar o CGH numa “Assembléia Universitária” colocando que havia terminado uma etapa da luta. Se o CGH se reorganiza e consegue reagrupar a vanguarda como pretendem as autoridades, e se poderá comprovar se, como nós acreditamos, estamos só ante um retrocesso parcial da luta.

Os levantamentos de Hidalgo e Chiapas, nos quais foram feitos como reféns policiais para serem trocados por estudantes detidos, mostram que a brecha aberta pelo CGH é muito profunda.

A estreiteza de visão daqueles que pretendem fazer o balanço da greve a partir de uma soma das demandas estudantis13 se faz evidente frente à magnitude de fenómenos que têm emergido e que colocam com toda a agudeza as perspectivas do conjunto do regime mexicano. A luta dos estudantes da UNAM e o surgimento de um movimento democrático começaram a colocar no centro do debate a legitimidade do regime de transição pactuada pelo PRI-PAN-PRD. Como afirma Denise Dresser: “Estas posições polarizadas revelam uma crise profunda em torno da transição. Alguns intelectuais pensam que o país já chegou à Terra Prometida, a transição à democracia tem ocorrido e só faltam certos ajustes. O conflito universitário só será um ”˜incidente na história”™. Outros crêem que seguimos perambulando no deserto; a democracia está a anos luz e faltam muitos caminhos a percorrer. A crise da UNAM é um sintoma do status quo” 14.

A greve da UNAM expressou em cada momento, como num laboratório, as contradições do conjunto do regime político. Por sua vez, pós a prova a política das distintas correntes burguesas, reformistas e centristas. Mostrou a miséria e a falta de perspectiva histórica dos defensores da “transição pactuada” . Evidenciou a potencialidade da perspectiva revolucionária, sua correspondência com o desenvolvimento das tendências objetivas da luta de classes, sua amplitude histórica.

Criatividade e perspectiva histórica

A revista Proceso, como o jornal La Jornada , expressa em suas páginas os intelectuais que defendem “pela esquerda” o plano de reformar o regime mediante a “transição à democracia” . Desde suas páginas, atacaram sistematicamente o CGH e às correntes políticas consideradas “ultras” : “Em meio deste caos político, grupos como Corriente Em Lucha, Contracorriente, Conciencia y Libertad, e outras correntes loucas, leninistas e maoístas, se asseguraram de que o movimento carecesse da criatividade suficiente para derrotar a autoridade.. .Foram elas as que ressuscitaram um discurso proletário antiquado, que garantiu a antipatia da esfera pública e de uma grande parte dos possíveis aliados, entre universitários, intelectuais e grupos sociais” 15.

A “criatividade” para este intelectual perredista significava encontrar “fórmulas” para evitar a “antipatia da esfera pública e de uma grande parte dos possíveis aliados, entre universitários, intelectuais, e grupos sociais” , isto é, manter a unidade a todo custo com moderados perredistas que avançavam para fazer carreira rumo ao Congresso da União, ou o governo do Distrito Federal; com acadêmicos que vivem das cátedras e institutos da UNAM nas mãos do PRI.

Os intelectuais de Proceso esquecem que na política não rege a lei de que toda força que se soma agrega, senão que forças que se “unem” com sentido e direção contrária se anulam, seu resultado é zero. A “força” da greve estudantil se anula se “soma-se” à “força” dos moderados que queriam negociar a todo custo com Barnés, e acabar com a greve. Os intelectuais centro-esquerdistas confundem a imprescindível necessidade de unidade de toda grande luta política (como a da UNAM) com os setores operários, camponeses e populares em nível nacional e internacional, com a aliança “para não ficarem isolados” com as direções reformistas que parasitam as organizações dos trabalhadores e o povo. ContraCorriente lutou durante toda a greve pela aliança mais ampla com os trabalhadores e camponeses entendendo que para que esta avançasse havia que derrotar aos que, falando desde a intelectualidade “progressista” ou desde organizações populares, tentavam estrangular a greve.

Com a mesma lógica, os intelectuais perredistas qualificaram Zedillo como o “presidente da paz” quando se firmaram os acordos de San Andrés em 1996, que “somaram” a “força” dos camponeses chiapanecos com a “força” de um PRI disfarçado de democrático. Para os senhores intelectuais centro-esquerdistas , a “criatividade” histórica é erigir a democracia de Zedillo, o fiel representante das multinacionais, dos caciques opressores do povo mexicano, fiel amigo de Clinton, do latifundiário Cárdenas, e ao oligárquico PAN, “unidos” na reforma o odiado PRI.

Contra esta “criatividade” , o CGH pós em pé uma instituição nova na política mexicana. Uma instituição que tendeu a enfrentar a todas as manobras da “transição á democracia” . Mas para impulsionar até o final esta luta, os limites do CGH residiram na falta de uma direção que colocasse uma perspectiva internacionalista e de unidade detrás da única classe que pode dirigir uma luta exitosa contra este regime carcomido: a classe operária, seu programa e sua organização. Se isso houvesse se dado provavelmente teria sido difícil confluir no imediato, pelo retrocesso em que se encontra o proletariado mexicano escravizado e oprimido por direções burocráticas dos sindicatos. Entretanto, só colocar firmemente como estratégia teria podido transformar o CGH em uma organização muito superior à que foi, e hoje as experiências, lições de luta e as perspectivas para o conjunto da situação mexicana teriam sido, pelos laços estabelecidos com os trabalhadores, infinitamente maiores. A única agrupação que, com todas suas limitações, colocou permanentemente esta perspectiva, junto com a necessidade de criar laços de luta com movimentos estudantis de outros países16 foi ContraCorriente.

O que os intelectuais servos do regime chamam “discurso proletário antiquado” é precisamente a “criatividade” histórica que faz falta aos trabalhadores, aos camponeses e aos estudantes combativos mexicanos. Não se trata de maquiar o corrupto PRI que, com seus caciques, mantém um regime bonapartista apenas dissimulado por “formas” parlamentares nas quais, por exemplo, o PRD que dirige o Distrito Federal onde vivem 16 milhões de pessoas, se parece com uma gota de água em seu governo, ao que exerce o PRI sobre o conjunto do país. O PRD não “democratizou” nem um só sindicato e, durante toda a greve (como temos visto neste artigo) nem sequer colocou uma reforma séria da UNAM.

Do que se trata é de colocar um programa e uma organização que lute para liberar a energia dos trabalhadores da opressão das organizações entreguistas, para que numa grande aliança das classes exploradas com os camponeses e os pobres urbanos sacudam o México.

Nos anos 30 o grande revolucionário russo Leon Trotsky exilado no México colocou extraordinárias caracterizações como a de “bonapartismo sui generis” , que logo passaria a ser uma categoria clássica do marxismo revolucionário para definir regimes como o de Cárdenas nestes anos, ou de Perón na Argentina na década seguinte. Entretanto, Trotsky não só aportou caracterizações ao jovem proletariado do México e da América Latina. Assinalou toda uma perspectiva estratégica enraizada nas mais profundas experiências revolucionárias nacionais. Esta perspectiva pode ser sintetizada na frase que Trotsky utiliza em um de seus brilhantes artigos: “É necessário completar a obra de Emiliano Zapata” .

Isto é, que o proletariado em aliança com os pobres da cidade e do campo deveriam continuar a obra do caudilho revolucionário que impós, numa luta implacável contra os donos das terras, a reforma agrária e iniciou um dos processos revolucionários mais agudos do século na América Latina. Hoje, esta perspectiva não só não é “discurso proletário antiquado” , como tem mais vigência que quando Trotsky o formulou. Nesta época, ainda se viviam os últimos impulsos da grande revolução iniciada em 1910 e o México tinha, como o mesmo Trotsky disse, “um dos poucos governos honestos” que sobravam, nestes momentos próximos à Segunda Guerra Mundial. Hoje o México é uma nação vassala com seus trabalhadores do norte trabalhando em condições terríveis de exploração, com uma grande parte da sua economia no setor “informal” , com os camponeses sendo expulsos de suas terras, e sem rastros das conquistas do processo revolucionário de princípios do século. O imperialismo norte-americano de mão-de-obra barata para baixar os salários dos trabalhadores norte-americanos.

Hoje, o México ao mesmo tempo que é explorado brutalmente pelo imperialismo tem milhões de cidadãos vivendo nos EUA, pelo que toda convulsão revolucionária no país asteca afetaria imediatamente no colosso mundial que oprime a todos os povos atrasados do mundo. Se a classe operária mexicana retoma o caminho de Zapata, terá enormes aliados não só entre os povos pobres da América Latina, como entre os negros e o próprio proletariado norte-americano. Não retomar a obra de Zapata, tentar reformar ao PRI, obter pouco a pouco a “democratização” como colocam os intelectuais voláteis, é trabalhar para a derrota estratégica sem evitar por isso massacres contínuos, como os que sofreram e sofrem todos os que de alguma forma enfrentaram o regime. Já é hora de lutar por uma perspectiva de conjunto. Se temos analisado tão cuidadosamente a luta do CGH é porque a consideramos um sintoma de que o México “bravo e profundo” quiçá esteja se aproximando de novas jornadas revolucionárias. A atitude do povo em Hidalgo e Chiapas frente à repressão policial parece alentar esta perspectiva. Os revolucionários da Fração Trotskista ’ Estratégia Internacional e da LTS no México analisamos escrupulosamente os acontecimentos atuais porque são uma via para parir o futuro. Sobre estas lutas deveremos construir um partido operário revolucionário e internacionalista que impeça o ciclo sem fim de repressões, perseguições e massacres que temos visto há dezenas de anos.

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