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Internacional

Peru

Luta dos trabalhadores convulsiona o Peru

06 Jul 2003   |   comentários

Desde princípios de maio o Peru foi comovido por uma ampla onda de lutas. O Governo de Toledo contestou com o "estado de emergência" e entregando o "controle interno" às Forças Armadas, mas ainda que alguns dos conflitos mais importantes, como o dos agricultores, tenham sido suspensos, a com-bativa greve do magistério e diversos protestos continuaram, desafiando a repressão apesar de um morto e centenas de feridos e presos.

Enquanto isso, todo o "Peru oficial" (Igreja, empresários, oposição, etc.) se pós em marcha para bloquear a possibilidade de que o debilitado presidente Toledo fosse derrubado pelo embate revolucionário das massas.

Assim, ainda que a paralisação de 24 horas da terça-feira, 3/06, tenha sido contundente, refletindo a enorme raiva operária e popular contra Toledo, a CGTP e as principais direções utilizaram-no para "descomprimir" a situação.

No entanto, a situação peruana (junto com a Bolívia, convulsionada pelas jornadas de 12 e 13 de fevereiro) mostra que subsistem as tendências à irrupção de massas e a enfrentamentos mais abertos entre revolução e contra-revolução (como as jornadas revolucionárias de dezembro de 2001 na Argentina), apesar de que na conjuntura latino-americana primam, por um lado, os projetos políticos de conciliação de classes (como no Brasil sob o governo de Lula ou na Argentina com as expectativas despertadas pela posse de Kirchner), e por outro lado, se faz sentir a pressão reacionária do imperialismo norte-americano.

No final de maio mais de um milhão e meio de agricultores, 280.000 professores, e dezenas de milhares de outros setores estavam mobilizados. Dezenas de combativos bloqueios camponeses haviam começado a paralisar as carreteiras no dia 26/05 e no dia seguinte 37.000 trabalhadores da saúde e da seguridade social entraram em greve. Várias regiões estavam entrando em pé de luta. Tudo isto, em meio de um imenso repúdio popular ao governo de Toledo e suas medidas. De fato, se colocava a possibilidade da unificação dos diferentes conflitos em uma grande mobilização nacional contra Toledo, que poderia ter levado a sua queda e quebrado o regime da "transição democrática".

O movimento operário e popular vem protagonizando um importante processo de ascenso após longos anos de refluxo e derrotas sob os distintos governos nas últimas duas décadas de "guerra suja" contra a guerrilha e ofensiva burguesa e imperialista.

Há três anos, a luta das massas peruanas fez fracassar o projeto político de prorrogar o "fujimorato". O movimento de massas deu um novo e grande passo à frente em junho do ano passado, quando o levantamento semi-insurrecional de Arequipa e sua extensão a todo o sul do país obrigaram Toledo a retroceder na privatização dos serviços regionais de energia e levantar o estado de emergência.

Este foi um ponto de inflexão, mostrando que as massas começavam a passar das ilusões e expectativas nas promessas do governo, à ação direta para lutar por suas demandas, o que se expressou nas atuais mobilizações.

Da imposição do estado de emergência à paralisação nacional

A declaração do estado de emergência e a entrega do controle interno às Forças Armadas, buscava evitar a generalização da luta. No imediato conseguiu que as direções camponesas e de outros setores levantassem as medidas de força, porém professores, estudantes e outros setores de vanguarda desafiaram nas ruas a repressão policial e militar. Na cidade de Puno teve lugar o enfrentamento mais violento, onde o exército assassinou o estudante Eddy Quilca Cruz e fez dezenas de feridos à bala.

A aposta do governo era muito arriscada, pois a militarização do país, relembrando os piores tempos do fujimo-rismo, era uma provocação aos trabalhadores e ao povo, e não estava descartado que levasse a uma radicalização do enfrentamento de massas.

Neste marco, a CGTP (central sindical majoritária) se viu obrigada a chamar uma paralisação de 24 hs. no dia 3/6, que teve contundentes repercussões. O protesto foi impulsionado também pelas Frentes Regionais e cívicas, como em Arequipa e dezenas de localidades. Em muitas cidades a paralisação foi total e em algumas se parou o transporte urbano. Centenas de milhares de pessoas se somaram às multitudinárias marchas em todo o país. Em Lima se congregaram cerca de 20.000 manifestantes: trabalhadores da construção, professores, trabalhadores do judiciário, aposentados, desempregados, estudantes, etc. "O mentiroso vai cair!", "Abaixo a ditadura!", "Toledo assassino, o povo te repudia!" eram consignas que apareciam repetidamente. Enquanto isso, o Governo tinha retirado os militares da maior parte dos lugares públicos, e atuou com cautela buscando evitar choques.

Entretanto, a direção deu à paralisação um tíbio caráter de pressão, convertendo-a não no início de um plano de luta nacional, mas numa medida para descomprimir a situação e impedir que o protesto de massas ultrapasse os marcos do regime.

A greve docente

A luta dos professores jogou um grande papel em todo o processo, demandando aumento salarial e outras reivindicações. Cabe recordar que o próprio Toledo em sua campanha eleitoral havia prometido a duplicação do salário de docente. A negativa a atender às reclamações docentes detonou a greve nacional indefinida do Sutep (Sindicato Único de Trabalhadores da Educação do Peru) desde meados de maio. Apesar do estado de emergência, os professores mantiveram a medida e seguiram protagonizando ações de protesto em todo o país.

O magistério peruano tem um grande histórico de luta e tem desempenhado tradicionalmente um papel de vanguarda. Não é casual que a greve do magistério tenha se convertido numa ponta de lança na luta contra o governo e alentado outros setores a sair por suas próprias reivindicações. Os maestros ganharam uma ampla simpatia entre a população e suas constantes mobilizações constituem um importante fator de agitação a nível nacional.

Apesar da política conciliadora do Sutep (influenciado pelos maoístas de Pátria Roja), que se negou a dar à heróica greve uma perspectiva política para uni-la à mobilização do conjunto dos trabalhadores contra o governo e aceitou a "mediação" da Igreja, a greve continua.

Segundo a imprensa, o esforço de Nilver López e da maioria da direção para fazer aceitar um acordo com o Governo que não satisfaz as reivindicações centrais dos professores, provocou fortes protestos na base, particularmente do interior, (houve uma tentativa de tomar a sede sindical por setores de oposição). É possível que nos próximos dias a diretoria do Sutep consiga suspender a greve. Sem embargo, estes elementos mostram por si mesmo a radicalização entre os docentes, e que ao Governo, apesar da colaboração das direções, está resultando difícil alcançar a "calma social" de que necessita desesperadamente.

O ocaso do "governo de todos os sangues"

Toledo foi há três anos o homem eleito pela classe dominante para dirigir a "transição democrática". Sua oposição eleitoral a Fujimori e seu discurso demo-cratizante e populista lhe atraíram apoio entre a população, enquanto que seus sólidos laços com as instituições financeiras internacionais e sua trajetória o asseguravam como agente dos interesses imperialistas. Toledo assumiu a presidência auto-intitulando-se o representante de "todos os sangues", capaz de unir a todos: índios, mestiços e brancos, pobres e ricos. Como uma espécie de "Alfonsín" peruano, prometia também que "com a democracia se cura, se educa e se come" ao mesmo tempo em que seu projeto encarnava a continuidade com o programa económico pró-imperialista do fujimorismo e preservava o papel preponderante das Forças Armadas na vida política do país, mantendo fortes traços bonapartistas no regime.

As ilusões despertadas por Toledo se diluíram rapidamente. Sua popularidade despencou e hoje, segundo as pesquisas, mais de 80% da população o rechaça. Depois da derrota ante o levantamento de Arequipa há um ano, sua força política e suas bases sociais se debilitaram enormemente, perdendo apoio entre setores patronais e com permanentes divisões internas no gabinete e nas fileiras do oficialismo. Há elementos de crise que se amontoam nos próprios aparatos repressivos, como o descontentamento na polícia (no final do mês de maio, enquanto recrudesciam os protestos, houve um princípio de motim policial por salários em Lima).

"Represar a crise"

Ante a profundidade da crise nacional, toda a classe dominante uniu fileiras para sustentar o Governo e "represar a crise" (La República 4/06) e amortizar, com a colaboração da CGTP e outras cúpulas sindicais e políticas a possibilidade de um "transbordamento das massas". Por iniciativa das câmaras empresariais mais poderosas, se reativou o "acordo nacional", mecanismo de negociação integrado por diversos partidos incluída a oposição, e outras instituições, para assegurar a "governabilidade". A estratégia burguesa parece centrar-se em evitar um choque aberto com as massas (o que inclui moderar o uso das Forças Armadas e "suavizar" o estado de emergência), atender algumas das reivindicações salariais mais sentidas pelas massas e "oxigenar" o Governo com medidas demagógicas tais como o corte dos escandalosos salários dos altos funcionários. Em suma, uma operação de "maquiagem" para que nada mude.

Neste marco está se posicionando o APRA, dirigido pelo ex-presidente Alan García, que sustenta Toledo ainda que com críticas parciais. O APRA se prepara para ser a alternativa burguesa ante o esgotamento de Toledo, seja nas eleições de 2005, seja antes caso necessário. Este velho partido de origem nacionalista e afiliado à social-democracia é a principal oposição no Parlamento e tem laços tradicionais com a burguesia nacional e de diversas regiões. No entanto, não controla o movimento sindical nem as massas e suas possibilidades de ser o "partido da contenção" (desempenhar um papel similar ao que jogou o peronismo na Argentina após a queda de Fernando De la Rúa) no caso de o ascenso operário, camponês e popular se aprofundar, estão questionadas.

O papel da CGTP e das direções de massas

Estas atuaram como um obstáculo chave para que as massas não tenham podido avançar até derrotar Toledo. Em lugar de concentrar a energia das massas e dirigi-la contra o governo, buscam utilizá-la para pressioná-lo a que aceite "auto-reformar-se", pondo-se assim detrás da política da oposição burguesa.

A burocracia dirigente da CGTP, profundamente comprometida com o regime em nome da "defesa da transição democrática", não quer prejudicar a "gover-nabilidade" burguesa e ainda que se tenha visto obrigada a levar adiante a paralisação, se nega a dar uma perspectiva de luta unificada às massas. Outros setores, como Pátria Roja, a partir de suas posições no magistério, aplicam uma estratégia similar de colaboração de classes, localizando-se de fato como "ala esquerda da transição democrática".

A crise não chegou ao fim

Ainda que nesta ocasião o embate das massas peruanas no tenha podido avançar até derrotar Toledo e quebrar o regime, as condições para isso eram favoráveis. Um primeiro balanço desta grande prova de forças entre o governo e as massas mostra que estava aberta a possibilidade objetiva de sua queda sob o embate revolucionário. A crise política não se fechou. O governo continua profundamente debilitado. O regime mostra uma crescente deslegitimação. No frente burguês subsistem profundas brechas (com disputas inter-burguesas ao redor do "aprofundamento" das privatizações e da forma de encarar a crise nacional). A situação económica -com índices de crescimento relativamente altos mas com um agravamento da penúria das massas- alimenta futuras lutas. As massas peruanas vêm protagonizando um importante ascenso e acumulando experiência com a "democracia" toledista. Tudo isto põe em crise a capacidade da "transição democrática" para conter as explosivas contradições económicas, sociais e políticas do país.

Ante esta situação, não está resolvida uma saída burguesa: para um governo tão débil, a tentativa de apoiar-se diretamente nas baionetas e no imperialismo (num curso de corte autoritário, bonapartista) será uma tentação recorrente, mas ao mesmo tempo traz enormes riscos. Por outro lado, uma política mais baseada no "consenso" para reestabilizar o regime como pede a oposição tem poucas margens para oferecer concessões às massas. Neste período, não apenas segue aberta a crise nacional, como seguirá colocada a possibilidade de um novo embate superior das massas.

"Com marchas te pusemos, com marchas te derrubamos"

Esta consigna cantada em coro uma e outra vez nas marchas expressa bem os sentimentos entre os setores mais com-bativos. Mas para fazer realidade o grito "que o mentiroso caia", faz falta quebrar a armadilha do "acordo nacional", a que as direções subordinam as perspectivas da mobilização de massas para "não desestabilizar" e a preparação de uma verdadeira greve geral política que paralisando todo o país e unindo os trabalhadores da cidade e do campo, possa derrotar al governo e seus planes.

Para forjar a aliança operária, camponesa e popular serão necessárias formas de frente única, organizações de luta amplas e democráticas das massas no caminho de erguer órgãos de poder operário e popular.

Neste caminho será necessário enfrentar às Forças Armadas, pilar fundamental do regime, o que impõe a criação de comitês de autodefesa ligados às organizações de massas e levantar uma política para separar a base do exército da reacionária casta de oficiais.

É necessário que os trabalhadores se dotem de um programa de ação que unifique todas as demandas numa perspectiva de classe. Nesse programa está chamada a jogar um papel importante a luta por uma Assembléia Constituinte Revolucionária, imposta sobre as ruínas do regime e suas instituições.

Está amadurecendo no Peru uma situação de "crise geral" da dominação política burguesa, da economia, das relações entre as classes, que atualiza as perspectivas revolucionárias. A vanguarda que se está forjando nos combates, os grupos e indivíduos que buscam uma via para a revolução e que vêem com simpatia o programa do trotskismo têm ante si a possibilidade de avançar no reagru-pamento revolucionário, em torno às grandes lições da luta de classes nacional e internacional, para sentar as bases do partido revolucionário, socialista e internacionalista que a classe operária peruana necessitará para avançar até a vitória.

A Liga Obrera Revolucionaria por la Cuarta Internacional (LOR-CI), é a organização irmã da LER-QI na Bolívia, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

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