Quinta 16 de Maio de 2024

Nacional

AS LUTAS INDÍGENAS DESMASCARAM A FALSIDADE DO “BRASIL PARA TODOS”

Lucros abundantes ao agronegócio, confinamento e assassinatos aos povos indígenas

06 Jun 2013   |   comentários

No dia 30/05, na calada da madrugada na véspera de um feriado, frente ao crescente descontentamento que vem levando a mobilizações de várias tribos indígenas pelo país, a Polícia Federal, executando ordens do governo Dilma, assumiu mais uma vez a linha de frente da repressão aos povos indígenas, cumprindo o papel de tropa militar dos latifundiários, assassinando um jovem Terena e deixando vários feridos. 5 dias após a morte de Oziel Gabriel,seguindo a luta de centenas de Terena em Sidrolândia/MS por área declarada terra indígena desde 2010 pelo governo federal, Joziel Gabriel Alves, foi baleado pelas costas e se encontra em estado grave.

Entre 2003 e 2011, foram 503 assassinatos de indígenas pelas bandas de jagunços do agronegócio, além de 500 suicídios provocados pela fome [1]. Esse é o resultado de anos de uma política de favorecimento ao agronegócio, às grandes construtoras de hidrelétricas e às grandes mineradoras multinacionais, que dá de mão beijada enormes subsídios e favorecimentos com recursos públicos para que esses grandes monopólios capitalistas lucrem de forma exorbitante e se cala frente ao confinamento e o assassinato ao qual os povos indígenas estão sendo submetidos.

A situação dos Terena no MS é um emblema da questão indígena no país.

A resistência na Aldeia Maracanã, dos povos do Xingu em Belo Monte, dos Terena no MS, a ocupação da sede do PT no Paraná, assim como ações de dezenas de outros povos pelo país demonstra um avanço da resistência indígena em buscar frear os ataques do latifúndio e se enfrentar com o governo federal, como fica claro nos discursos que responsabilizam o governo Dilma e suas instituições pela atual situação.

A fazenda Buriti que pertence ao antigo deputado do PSDB, Ricardo Bacha, se encontra dentro de um território indígena que se encontra em litígio judicial, pois a demarcação foi contestada elos proprietários. O território possui laudo feito pelos antropólogos da universidade UFGD(Universidade Federal da Grande Dourados), Jorge Eremites de Oliveira e Levi Marques Pereira, que já é de conhecimento público. É neste cenário que os Terenas exigiram o cumprimento de seus direitos declarados por lei inúmeras vezes, e o governo federal rasgou sua própria legislação e agiu em nome dos latifundiários. A ação de desocupação desrespeitou, inclusive, um recurso pedido pela FUNAI, que tentava impedir a reintegração de posse.

A resistência no MS segue, e após o assassinato de Oziel, os terenas reocuparam a Fazenda Buriti, ocuparam em Aquidauana a Fazenda Esperança e iniciam uma marcha junto a outros povos, quilombolas, sem-terras, estudantes e sindicalistas até Campo Grande, deixando claro a disposição em resistir e que o conflito seguirá no MS. São inúmeros os enfrentamentos com o agronegócio no estado, como é o caso da usina Nova América/Cosan/Shell, localizada entre as terras indígenas do Takuara(Juti,MS) e Guyraroka(Caarapó,MS) e outras 6 áreas no estado que só não foram demarcadas pelo boicote dos ruralistas.

País afora, o governo Dilma utiliza a ABIN para monitorar as mobilizações indígenas. Ameaças, intimidações e desrespeito a soberania indígena tornou-se o cotidiano da Policia Federal e da Força de Segurança Nacional. Esses ataques contra os povos indígenas, estendem-se também aos operários, quilombolas, sem-terra e ribeirinhos presentes em áreas das obras do PAC e de negócios estratégicos para a burguesia e o governo Dilma. O assassinato de Oziel é um caso emblemático de até onde o governo petista está disposto a ir para defender os interesses de seus grandes aliados capitalistas.

A recente divulgação do relatório Figueiredo sobre o massacre indígena durante a ditadura militar mostra uma realidade que infelizmente não se transformou. Os massacres, isolamentos territoriais, negação da garantia de saúde por parte do estado e perseguições continuaram no período pós-ditadura militar mostrando que o estado capitalista brasileiro é responsável por verdadeiras tentativas de genocídio, e que, mesmo durante o período democrático, e anos do proclamado “Brasil de Todos”, chefiado a uma década pelo PT, continua sendo violentamente contra as populações indígenas.

A imensa demora nos processos de demarcação de terra por parte do governo federal é aliada das inúmeras e continuas perseguições e assassinatos aos indígenas. Em fevereiro desse ano, Denilson Barbosa, de 15 anos de idade, um guarani-kaiowá da aldeia Tey’ikue em Caarapó/MS foi torturado e morto por pistoleiros do fazendeiro Orlandino Gonçalvez Carneiro. Sua família e aldeia segue sofrendo ameaças.

Tal realidade de terror é continuidade da impunidade de mais de 20 assassinatos somente de lideranças guarani-kaiowá, por pistoleiros, nos últimos dez anos. Em agosto de 2012 a aldeia munduruku em Teles Pires, na divisa do MT com PA, foi destruída pela polícia federal, numa intervenção em que Adenilson Munduruku foi assassinado e 19 indígenas ficaram feridos.

Os povos do Xingu continuam sua luta denunciando a destruição, assassinatos dos indígenas e desrespeito aos direitos humanos em todos os projetos de barragens no rio Tapajós, Xingu e Teles Pires. Denunciam também que o governo federal ignorou as reivindicações da ocupação de Belo Monte, fingi não existir o direito de consulta e veto aos povos e, por decreto, permite a presença de tropas policiais nas terras indígenas.

Todas as lutas indígenas em curso no país demonstram o compromisso do governo petista em continua a obra histórica da elite e estado brasileiro de saque e assassinatos dos índios. Ou seja, um projeto de estado historicamente genocida.

Os rumos do PT: braços dados com o latifundio

O que aconteceu com Oziel não foi uma “fatalidade”, como pode aparentar com a grande repercussão midiática. Foi uma operação coordenada, orquestrada pela Polícia Federal junto as forças repressivas locais. São inúmeros relatos de pessoas presentes no local, incluídos jornalistas da grande mídia, que deixam explicito isso. Mais um operativo, acompanhado de perto pela ABIN, de contenção das lutas indígenas por suas terras, supostamente para garantir a “estabilidade” do país, “estabilidade” essa entendida como os lucros do agronegócio no MS ou das empreiteiras em Belo Monte e no Tapajós. Mesmo com a ordem de despejo tendo saído do tribunal local a ação da PF não ocorreu sem consentimento do executivo federal.

O massacre iniciado há mais de 500 anos segue nesse país, e a intelectualidade petista, que nesse exato momento comemora e debate a “década petista”, fica em silêncio sobre esse verdadeiro genocídio perpetrado contra os povos indígenas com a conivência ou a participação direta dos governos de Lula e Dilma. A elementar defesa do direito ao retorno as terras indígenas por seus povos ficou no passado da história petista, como fica explicito nos índices de demarcações durante os 10 anos de governo, os menores índices desde 88. Hoje seus aliados são os coronéis do PMDB e os empresários do agronegócio, construtoras e mineradoras. A morte de Oziel deixa claro o pacto dos principais partidos desse país: a operação coordenada entre a PF de Dilma(PT), junto com o governo estadual de André Puccinelli(PMDB) para defender a área do território indígena ocupada por uma fazenda irregular do ex-deputado Ricardo Bacha(PSDB) tornam evidente o pacto em defesa do latifúndio e contra os direitos dos povos indígenas.

Além do cálculo eleitoral, as relações do PT com elite rural do MS têm sido muito mais orgânicas do que se pensa. André Puccinelli é o conhecido governador que conclamou as elites do MS na Expoagro, em 2010, a “serem mais nacionalistas” e se unirem contra a luta dos povos indígenas pela demarcação de suas terras. O governador predecessor do estado era “Zeca do PT”, e sua secretária de planejamento era a atual ministra Gleise Hoffmann. Zeca foi apontado pelo CIMI em 2008, ao lado de Blairo Magi(PR-MT) e Luiz Henrique(SC), como um dos governadores que mais promoveu medidas contra as demarcações de terra [2].

Os putrefatos fantasmas da antiga UDR se expressam na bancada ruralista e nas alianças atuais do governo Dilma e ganharam muita força nestes últimos dez anos. O modelo de desenvolvimento petista fortalece a subordinação estrutural e histórica do estado brasileiro com o agronegócio, e as forças autoritárias do latifúndio e das elites locais. Mesmo os quadros político do PT na região não estão longe das clássicas famílias de coronéis do interior brasileiro. O próprio Zeca do PT é filho de “Orsírio Santos” comandante de uma das chamadas “capturas” que dentre as suas funções estava a de perseguição aos indígenas.

Para consagrar o compromisso capitalista contra os povos indígenas Dilma deixou claro querer dar o interior do pais para projetos econômicos que nada trazem de benefício para a população, meio ambiente e povos originários. Dilma comemorou junto a empresários do mundo todo a criação, em Três Lagoas no leste MS, da maior empresa de celulose do mundo: cruel e ironicamente chamada de “Eldorado Brasil”. Tal projeto, que pretender plantar 500 mil hectares de eucaliptos, dá continuidade a tradição de madeireiras latifundiárias no país. A bancada ruralista cinicamente reclama ao afirmar que haveria muitas terras demarcadas (14% do território nacional) no Brasil, para mascarar que somos um dos países de maior concentração fundiária, com aberrações como a Manasa Madereira Nacional, que possui mais de 4 milhões de hectares da Amazônia, território maior que o da Alemanha, e mais meio milhão no restante do país.

Avanço sobre os direitos indígenas, um operativo para novos ataques

Em todo o país as forças do agronegócio aumentaram e utilizam o discurso do desenvolvimento nacional para avançar sobre os territórios indígenas e áreas de preservação. A partir do governo federal as próprias leis e premissas da Constituição Federal já eram desrespeitadas. A própria construção de Belo Monte desrespeitou, a partir do executivo, o direito a consulta prévia aos povos indigenas do Xingu gerando indignação nas diversas etnias, populações quilombolas e ribeirinhas.

O cenário político atual é de que os direitos que na prática não são, e nunca foram, minimamente garantidos, passam a ser atacados em todos os âmbitos no jurídico e no legislativo. Os setores que não se conformaram com as concessões existentes na constituição possuem hoje, mais do que nunca, caminho favorável para avançar com medidas jurídicas e legislativas contra os direitos indígenas.

A portaria 303/2012 tenta estender os condicionantes julgados pelo STF para o conflito da Raposa Terra do Sol para as demais terras indígenas. Na prática ela propõe que as terras indígenas possam ser ocupadas por empreendimentos considerados “estratégicos” (postos militares, malha ferroviária e rodoviária, mineração e hidroelétricas) sem a consulta prévia as populações indígenas. Os territórios já demarcados podem sofrer revisão e relativiza o direito exclusivo do usufruto dos indígenas sobre as riquezas naturais em suas terras.

A portaria 303 é uma aplicação a mais junto a inúmeras outras medidas que tramitam pelo congresso e senado, ou são diretamente aplicadas pelo executivo, que representam um avanço dos setores reacionários e do estado brasileiro sobre os direitos indígenas e quilombolas e, também, sobre a legislação ambiental. Entre as medidas estão: agilizar as concessões das licenças ambientais para os projetos econômicos do PAC quando estes projetos afetam populações indígenas, quilombolas ou reservas ambientais (Portaria 419/2011); transferir para o congresso nacional a legitimidade de demarcação de terras indígenas (PEC 215); permitir a posse por produtores rurais de terras em áreas demarcadas (PEC 237) permitir o avanço da plantação de cana para área, a princípio já desmatadas da Amazônia Legal (PLS626/2011 – aprovado pela comissão de meio ambiente do senado) [3].

Como afirmaram os índigenas que ocupavam a usina Belo Monte em sua carta n.9 o governo brasileiro não respeita suas próprias leis que defendem alguns direitos indígenas e ainda busca “legalizar a destruição” com novas leis e portarias. O estado brasileiro não só está muito longe de cumprir questões fundamentais colocadas pela constituição federal de 88, como o prazo limite de 5 anos para demarcação de todas as terras indígenas, como está fazendo com que seus próprios órgãos, legalmente, possam praticar a destruição. É o caso do IBAMA que por vezes reconhece como legitimo o desmatamento em terras indígenas ou do INCRA que tem certificado terras privadas em áreas litigiosas, e, também, já demarcadas esperando homologação.

Com a situação de baixo crescimento econômico e rusgas na base aliada, Dilma busca cumprir a risca os prazos das obras do PAC e consolidar, ainda mais, suas alianças com o agronegócio para as próximas eleições. As mudanças no Código Florestal e a indicação de Blairo Maggi para a Comissão do Meio Ambiente no Senado são apenas dois exemplos desse pacto estrutural que busca manter os lucros e consolidar as bases de sustentação para a reeleição de Dilma.

Nesse marco, um significativo ataque vem sendo costurada pela ministra Gleise Hoffman, que recebeu mais de 300 mil reais em sua última candidatura no Paraná e que almeja o governo do Estado. Gleise, com o apoio da bancada ruralista e o entusiasmo dos latifundiários, busca deslegitimar a FUNAI enquanto entidade que determina a demarcação de terras. Como “grande exemplo”, já barrou todas as demarcações em curso no Paraná. Não a toa, na última semana caingangues ocuparam a sede do PT no Paraná exigindo negociação com o governo.

O direito efetivo dos povos indígenas precisará ser arrancado contra o Estado capitalista

Mesmo no campo jurídico, os últimos anos vem apresentando um avanço do conservadorismo sobre os direitos indígenas. Mas historicamente no Brasil existe uma contradição entre o próprio reconhecimento jurídico, por parte do estado, ao direito ao usufruto da terra pelas populações indígenas e a realidade destas populações. Mesmo as constituições do período colonial, chegaram a reconhecer o direito indígena a terra, mas inúmeros subterfúgios jurídicos, políticos, econômicos e ideológicos são utilizados para negar na prática este direito e avançar sobre os recursos econômicos das terras indígenas. Um dos recursos mais comuns a negação do “estatuto” de índio é a tentativa de “emancipação” jurídica para que seus territórios estejam sob as regras do mercado fundiário.

Como diz a declaração do encontro indígena de abril: “Esse modelo agroextrativista exportador é altamente dependente da exploração e exportação de matérias-primas, em especial de commodities agrícolas e minerais. Para viabilizar o modelo, o governo busca implementar, a qualquer custo, as obras de infra-estrutura nas áreas de transporte e geração de energia, tais como rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, usinas hidroelétricas, linhas de transmissão. Isso supõe e potencializa sobremaneira a disputa pelo controle do território no país, e explica o fato de os setores político-econômicos, representantes do agronegócio, das mineradoras, das grandes empreiteiras e do próprio governo se articularem para avançar, com o intuito de se apropriar e explorar os territórios indígenas, dos quilombolas, dos camponeses, das comunidades tradicionais e das áreas de proteção ambiental.

O discurso “desenvolvimentista” do petismo e de seus aliados(como o PCdoB) vem contribuindo para o crescimento de uma ideologia em que o agronegócio, latifundiários e usineiros são mais importantes para o desenvolvimento nacional do que as populações indígenas e o respeito aos seus direitos históricos. A tendência é que essa situação se aprofunde com o baixo crescimento e a necessidade de “resultados” para a reeleição de Dilma.

Está mais do que claro a necessidade de que a garantia real do direito a terra para as populações indígenas terá de ser feita contra o a estrutura atual fundiária e contra o próprio estado que protege o agronegócio e as elites regionais. Fazem séculos que as terras indígenas são saqueadas e pilhadas, e centenas de milhares foram mortos ao longo de nossa história. A taxa de suicídio entre os jovens no MS, 110 vezes maior que a média da juventude brasileira, é a expressão dessa trágica situação.

Basta de coronéis sobre as terras dos povos indígenas. É fundamental que a CUT, que se declarou em apoio aos povos indígenas após o assassinato de Oziel, passe a ação e organize imediatamente manifestações e paralisações em sua base, a começar pelos sindicatos de categorias que trabalham em obras e setores diretamente relacionadas a esses ataques, como eletricitários e petroleiros.

As centrais sindicais e agrupamentos da esquerda anti-governista, como as Intersindicais e a CSP-Conlutas, devem impulsionar uma campanha pelos fim das obras e barragens que afetam as populações indígenas, pelo fim das repressões e pela punição dos assassinos dos povos indígenas.

É necessário lutar pela expropriação das fazendas que se assentam sobre o território indígena, sem pagamento de indenização para os latifundiários dessas terras griladas a séculos, para que seja concedida efetivamente o direito de terra e livre usufruto sobre o território indígena de Buriti e do conjunto dos povos indígenas nesse país.

É fundamental que a luta indígena no Brasil seja acompanhada por uma grande mobilização dos trabalhadores brasileiros, da juventude, quilomobolas e sem-terra, que abrace as demandas e legitima luta dos povos indígenas pelo direito a terra e seu livre usufruto, assim como pelo respeito total ao direito a consulta e veto sobre as obras que afetem as suas populações.

[1Dados do CIMI (Conselho Indigenista Missionário)

[2Folha de São Paulo, 09/02/2008, Nacional, p. A12

[3A bancada ruralista e aliada do governo organiza um verdadeiro arsenal de medidas provisórias visando atacar o território indígena como poderá ver na declaração do encontro indígena ocorrido em abril desse ano, reunindo 121 povos: http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6817&action=read

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